Ela chegou com os cabelos presos e o olhar solto, e eu soube que era uma menina que poderia vir a ser mulher e amar sê-lo, e isso é tão raro e tão difícil, são tantas as meninas que nunca chegam a ser mulheres, tantas as que são e queriam ser meninas para sempre; são tantos os homens que querem mulheres para sempre meninas.
Para exercer essa delicada missão de enmulherecer com o tempo, e cada vez mais, há que ter o algo que nela se via e com que ela via o mundo: e há que ter também o riso em que a nota musical oculta não seja nenhuma das oitenta e oito do piano, mas algum som sempre intermediário, único, pessoal. E que esse som ao atingir o ouvido toque alguma corda não prevista no projeto do ser humano básico (aquele que sai de fábrica semipronto, só falta inflar).
Por assim preparar-se para a vida, ela seria das que muito amam, das que procriam, das que criam caminhos mesmo sem saber aonde chegar – e não é isso o que importa; não o final, mas a indagação; não a resposta, mas a vertigem da curiosidade que assim que satisfeita se estilhaça e de cada estilhaço atira novos dêndrios, novas ramificações, e na ponta de algumas delas – olha! – tem uma folhinha apontando, só o começo, verde-claro e brilhante, e talvez haja flores e frutos, mas esse nunca foi o objetivo. O objetivo era só procurar; encontrar terá sido mera conseqüência.
E por isso quando ela se sentou diante de nós sorrimos de volta, todos sorrimos, e era muito prazer, menina, muito prazer em conhecer você, porque algum dia diremos muito prazer, mulher, sabendo que você é das que nunca são conhecidas completamente por ninguém, porque você também nunca se conhecerá por completo, nunca estará completamente pronta, terminada, e é aí que reside a magia.
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