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terça-feira, 10 de maio de 2011

Convidada Marina Mara

A força do nosso lado Negro




E se os racistas estiverem certos a respeito dos Negros? E se a influência africana no Brasil for realmente negativa? Para comprovarmos a hipótese de que o racismo tem fundamento, iniciaremos o nosso processo de branqueamento do país por uma, tipicamente afrobrasileira, roda de Samba. Retiraremos de lá o agogô, o batuque, a cuíca. Logo em seguida, retiraremos a ginga, o tempero, as raízes do Samba, o Samba. Até que a roda veja Pixinguinha e Cartola apagando as luzes, fechando suas portas, desaparecendo da memória e da história do Brasil.

Aproveitando o ensejo, vamos desaparecer também com os escritos de Machado de Assis e afundar o navio negreiro com Castro Alves dentro. Vamos pichar as obras de aleijadinho e aleijar Pelé em nossos corações. Zumbi a partir de hoje será somente o morto-vivo do videogame – e se for à Bahia, enforque Gilberto Gil. E para mantermos a coerência do discurso, não será permitido o uso de palavras afroimportadas como cafuné, cachaça, moleque, dengo – e pena de morte para quem tomar uma branquinha.
Alguma dessas heranças fará falta ao Brasil ou a você? 
A súbita saudade que nos bate só em pensar no mundo sem essa negritude é a parte que nos cabe dessa miscigenação pulsando pela parte de dentro da pele, falando mais alto que qualquer discurso racista. O Negro que nos ensinaram a repudiar sem explicação lógica ainda é aquele criado pelos colonizadores do mundo para desvalorizá-los como mercadoria, baixando seu preço. Esse é o Negro não-assumido dentro de cada um, com o qual ninguém quer se parecer. Assinemos agora a abolição desse Negro, vamos libertá-lo para que ele fuja do imaginário coletivo. Que suma para deixarmos fluir a negritude genuína que corre em nossas veias ou em nossos quadris. Esse Negro é parte da gente e repudiá-lo nem sempre é racismo, às vezes é falta de amor próprio. 
O racismo mensura arbitrariamente o valor das pessoas baseado em uma palheta de cores em tons de cinza – quanto mais claro, melhor. E por falar em cores, ouvi de uma criança outro dia: “Tia, é verdade que se a gente ficar em baixo do arco-íris e a chuva cair a gente fica todo pintado de colorido?” E, entusiasmada, emendou: “vamos pintar todo mundo de colorido, Tia?” Topei na hora. Aquela menininha de apenas seis anos, sem perceber e de forma lúdica, acabava de encontrar um jeito de resolver nossas questões raciais, a partir de então não teríamos mais uma cor, teríamos todas.
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Um comentário:

  1. adorei essa conversa de botequim, marina. você traz luz com simplicidade e graça a um tema já tão debatido. e essas coisas todas soam tão óbvias que nem deveriam carecer serem ditas, mas é que são daquela obviedade a que Nelson Rodrigues chamou de invisível. precisamos de alguém como você pra ajudar a enxergar. obrigado por persistir/insistir nesse caminho!

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