A casa vazia se percebe pela geladeira desligada, pensou. Olhou por uns segundos antes de abrir. Aberta, contemplou as prateleiras vazias. Nenhum sinal de vida.
Fechou os olhos e tentou sentir o cheiro da comida no fogão. Não havia cheiro ou fogão. Só um espaço vazio.
Insistia na procura. Procurava por
alguma coisa esquecida. Havia muitas.
Pequena, puxou o banco e subiu. Abriu o armário: pratos, copos, um escorredor. Tudo empoeirado. Pensou que o armário não impedia a poeira do tempo. Concentrando-se de novo na busca, não achou nenhum eletrodoméstico.
Não estava lá.
Desceu do banco e procurou embaixo da pia.
Um liquidificador. Pegou, organizou as coisas sobre a pia e ligou na tomada. Apertou o pulsar.
Pulsava.
Pensou em colocar gelo, cachaça e suco de frutas. Mas a geladeira estava desligada, não havia gelo. Cachaça, só no bar da esquina. E suco de frutas nunca havia entrado naquele apartamento.
Imaginou um milkshake. Mas lembrou da geladeira desligada. E leite, se houvesse, estaria azedo.
Melhor seria colocar ali a geladeira desligada, que parecia tão diferente iluminada por aquela luz difusa. Ou todas as suas mágoas. Sem escolher muito, decidiu pelas mágoas: a geladeira não caberia. Teve medo de transbordar. Apesar disso, ligou o liquidificador.
Mas não aconteceu nada.
As mágoas não poderiam ser trituradas. Até tentou.
Então, decidiu enfiar a mão na lâmina
que girava.
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