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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

A crônica de Miguel

Miguel queria apenas escrever sua crônica em paz, e nada mais. Era o seu trabalho, o que ele gostava de fazer, então, ora bolas, mãos à obra!
Após passar o café e de servi-lo em uma generosa caneca, Miguel sentou-se à frente do notebook e abriu seu editor de texto. O pensamento começou a fluir no primeiro gole de café quentinho que descia pela garganta de Miguel. Tudo em sintonia, tudo “numa nice”. Até que o telefone de casa tocou. Daqueles toques que vão até o limite possível de toques de um aparelho de telefone. Miguel pensou: “isto só pode ser ligação de call center. Tem que ser. Querem me empurrar alguma porcaria goela abaixo. Quem telefonaria para o meu fixo numa quarta, as duas e meia da tarde? Não vou atender, dane-se!”.

Quando o toque intermitente cessou, Miguel rapidamente digitou as primeiras palavras de sua crônica. Ao iniciar a segunda linha, o telefone berrou de novo. “Por que um toque tão alto, meu Deus? É coisa da Edivandra. Só pode ser”. Edivandra era a diarista da casa, que de tão eficiente que era poderia ter passado o pano com força em algum botão e aumentado o volume do toque sem querer. Na verdade, Miguel nem sabia se o seu aparelho de telefone tinha tal botão ou não. Miguel às vezes até esquecia que cor tinha seu telefone fixo, tão pouco o tal aparelho era usado por ele. “É bege” constatou Miguel, olhando para o aparelho e pensando: “claro que é bege, mesmo se eu não tivesse olhado pro maldito aparelho agora, eu saberia dizer que é bege”.

Pois desta segunda vez, o telefone mais uma vez tocou até o último momento. Antes de seguir digitando sua segunda linha, Miguel bebericou um gole grande de café, que até respingou na mesinha. Decidiu: “Vou desconectar essa porcaria da parede. Sim, vou fazer isso agora. Em seguida já coloco-o no lixo reciclado e pronto. Ou doo. Sei lá, para que um telefone fixo, bege, me atrapalhando bem na hora em que quero sossego pra trabalhar?” Nisto Miguel levantou e andou a passos largos em direção ao telefone, que ficava junto à estante da sala. Quando colocou a mão no fio do aparelho, o toque estridente recomeçou. Miguel de um pulo para trás de susto, e chamou um palavrão na mesma hora. Miguel só poderia tomar duas ações naquela fração de segundos: desplugar o aparelho da tomada, ou simplesmente atender a chamada. Miguel foi na segunda opção, talvez porque o telefone estava mais à sua mão do que o fio. Atendeu:

- Alô?
- Boa tarde, eu poderia falar com o seu Miguel Gutierrez Filho?

Miguel suspirou, pensando em bater o telefone na cara da voz feminina do outro lado da linha. Mas resolveu dar mais uma chance:
- É ele.
- Miguel, aqui quem fala é Sabrina Cortez, da Fox editoras, tudo bem com você?
- Tudo ótimo...
- É que o seu original enviado para a avaliação em, em... Foi ano retrasado ainda, certo? Pois Miguel, acabamos de aceita-lo para publicação conosco...
- Como é que é?

Miguel ficou pasmo ao telefone. Seu primeiro livro, e ainda com uma editora grande! Ao término da ligação, Miguel saiu excitado de casa para dar a notícia a sua amada, Clara, que estava no trabalho. Mas decidiu, antes de contar às novas à sua mulher, passar nas casas Bahia e comprar mais um aparelho de telefone para fazer de extensão em seu quarto. Pensou ainda na cor, e viu que bege combinaria bem com o criado-mudo.

2 comentários:

  1. André, não existe cedo ou tarde, não existe tempo certo ou errado. As coisas ACONTECEM quando tem que acontecer !
    Portanto nunca desista ! Parabéns meu amor !

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  2. Kkk, que massa! Muito bom! Abç Geronimo

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