Não gostava de gravatas. Saía pela manhã cheirando a café, cigarro e mofo, suas baratas e ratos de estimação ficavam na porta, acenando, enquanto passava o ônibus com alguns tripulantes engravatados. Seu olho esquerdo tremia freneticamente ao vê-los de relance, preferia ficar em pé, estático, os dentes acirrados e as mãos suando, geladas. Ficava a planejar numa forma de pôr um fim naquilo tudo. Todos os dias.
Já não enxergava mais as pessoas, eram tudo gravatas. No trabalho, mais gravatas. Gravatas tomando café, coçando o saco, contando piadas, peidando. Gravatas trabalhando na grande máquina sanguessuga, chupando a alma dos pobres diabos que chegavam se arrastando, suplicando menos taxas e juros.
Na rua, gravatas berrando ao telefone, xingando umas às outras, gravatas enfileiradas esperando seu McLanche Feliz, assistindo a um imbecil qualquer na TV, outras em transe, rodeando uma gravata com bíblia na mão.
Não gostava de gravatas. Precisava acabar com aquilo.
Certo dia chegou em casa, atirando a pasta na cama e afrouxando o gola da camisa. Pegou a garrafa e começou a mamar seu bíter, ele queria evitar as palavras de seu falecido pai, mas elas marretavam cada vez mais forte em sua cabeça: "- Filho, espero ainda estar vivo para vê-lo homem, com um bom emprego, de terno e gravata. Um homem sem gravata não deve ser levado a sério. Mulher, traga-me o torresmo!".
Então foi até o fundo do guarda-roupa e a retirou de dentro da caixa de uma sandália da Azaléia. Estava intacta, vermelho-sangue, hipnotizante: a gravata que roubara de seu pai quando este descansava no caixão. Colocou-a, e imediatamente sentiu seu sangue fluir, ferver, pulsando nas veias; sente algo com um soco no estômago e começa a ficar sem ar, debruça-se na mesa e aos poucos vai aliviando, a cada inspiração e expiração. E então se sente bem. Melhor do que nunca.
Sai de casa como se um véu tivesse sido retirado de sua cabeça, tudo é muito claro e já não enxerga somente gravatas. Consegue ver os rostos, analisa-os, sente-se feliz. Uma alegria como há muito não sentia. Passeia sem rumo pela cidade até anoitecer. Então chega em casa e tudo é diferente, senta-se no sofá, a paz reina em sua cabeça. Dorme profundamente.
No dia seguinte foi encontrado morto, dizem que se enforcou com a gravata, que havia ultrapassado a pele de seu pescoço, mas ainda assim sorria. Um sorriso satisfeito de alguém que talvez tenha levado a sério demais o nó da gravata.
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