sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Sobre um Mote de Tati Bernardi

("Recaída é o nickname do diabo." - Tati Bernardi)

O certo seria, no fim duma história,
deixar para lá e se dar por contente.
Deu certo? Beleza. Não deu? Tudo joia.
Azar, paciência. E bola pra frente.

Problema é a gente ficar nessa noia,
de achar que o tal fim pode ser diferente,
sonhar fantasias que em nada se apoiam,
não ver que é erro e tentar novamente.

Descaminho que começa onde termina,
cicatriz que se desdobra em chaga aberta,
cobra estúpida que morde o próprio rabo.

Insistência em conhecer uma só sina,
um destino só que nunca se completa.
Recaída é o nickname do diabo.

Croniquinha de viagem

Cenote (poço natural) de Ixxil


Ói eu doando o livro!

Pirâmi de kukulkan (Chichem-Itzá)


Isla Mujeres



Amigos, tive a chance de conhecer Cancun no mês passado. O mar é tudo aquilo mesmo que dizem, mas as atrações da região não se limitam ao Caribe. A cerca de 200 quilômetros de distância, ergue-se Chichen-Itzá, uma das cidades maias, recentemente eleita uma das novas maravilhas do mundo, juntamente com o Cristo Redentor.
Bom, o fato é que aproveitei pra doar um livrozinho meu no hotel em que nos hospedamos. Ao contrário dos brasileiros, os estrangeiros tem o belo hábito de ler muito, inclusive na piscina, motivo pelo qual o hotel disponibilizou uma pequena estante que recebe doações de livros. Acima, umas fotinhas da região.




terça-feira, 24 de novembro de 2009

Contra as Regras


Do nada, ela viu uma fumacinha em formato de carranca atingir sua áurea. Era como se seu pulmão estivesse sendo arrancado em um tempo que, para ela, parecia uma eternidade. Sua voz e respiração se separaram, ela experimentou o licor de menta oferecido pela morte que saia da boca de um homem que estava ao seu lado. Quando voltou a si, ela estava dentro de um cinzeiro a céu aberto. Viu muitas bitucas espalhadas, e, um monte de pessoas passando pra lá e pra cá, de longe, avistava várias carrancas saindo da boca de pessoas desmioladas. Em sua cabeça passava um filme de terror que ainda está em cartaz: “O Ministério da Saúde adverte...”. Eis que um tiroteio avança em sua direção... Nina foi atingida em cheio no coração. O atirador portava muita munição, entre tantas estava a que ele mais usava, a nicotina, pois ele acreditava que servia para proteger e fortalecer os bravos guerreiros, mas no fundo ele sabia que era para recarregar seu vicio, uma arma com alto poder de destruição. Ele mirou e atirou sem piedade na jovem. Ela caiu diretamente nos braços dele, a arma do crime é bastante comum entre os homens. Alguns possuem porte ilegal: a sedução.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Perdendo-se sempre

Se deu conta que perde-se sempre,não importa o quanto segura de si esteja.
Pois na hora em que menos espera pronto;lá se foi o bom momento e já perde a visão do horizonte que nítido mostrava-se a poucos instantes.Coisa rápida de um piscar de olhos e pronto.Muitas coisas na vida são assim, até o sexo que é algo extraordinariamente incomparável; logo depois de saciado basta que as energias se refaçam pra que tudo tenha uma possibilidade de recomeçar.
O sentir-se perdida que sente é algo assim;porque é como se já em quase oitenta por cento de uma caminhada voltasse ao ponto zero, como num simples piscar de olhos...
Mas a verdade é que anda um pouco descontente com essa forma em que as coisas acontecem.Andou ouvido muito sobre ser bom não dar muita importância aos fatos que incomodam e agir como se nada tivesse acontecido, seguir em frente sempre, não importar-se com o que ou quem fica pra trás no caminho.Só que a prática e o observar mostra que não é algo tão fácil assim,por mais que tente não consegue não ligar...por isso apega-se ao essencial: Seguir perdendo-se um pouco de cada vez;um pouco aqui outro pouco acolá ;sem contudo nunca de si mesma.


Catiaho Reflexo d'alma

domingo, 22 de novembro de 2009

Em pé

Tirou a bota para dar um pouco de ar ao pé. Uma crosta endurecida de sangue cobria os três dedos menores. No dedão e no outro, o sangue ainda corria, agora solto.

Já havia quase duas semanas que recebera o par de botas em uma igreja e até agora arrependia-se por ter sorrido e falado que cabia direitinho. Na hora, apavorou-se com a idéia de que não lhe sobraria nenhum calçado além das botas e, sem outra opção, teria que voltar a caminhar no asfalto quente - às vezes, tinha a impressão de que o calor derreteria até os pneus dos carros, não fossem estes tão rápidos.

Sem tempo para perder indo ao hospital para ser ignorado, voltou a olhar para o pé, limpou a ferida com o único pedaço da meia que ainda não estava empapado de sangue e arriscou encostá-lo no chão. Ao sentir o calor do asfalto, desolado, puxou o pé de volta para cima, calçou a bota com muito esforço e continuou andando, o dia seria longo.

sábado, 21 de novembro de 2009

Ensaio


guardei teu azul
nas vidrarias e na porcelana.
no cadinho, coloquei para secar.
teorias e ensaios.
teu azul coloriu de sonho
o que não havia para sonhar.
acordo mudo mútuo refratário.
no cadinho, coloquei para secar.
no laboratório de ensaios
as vidrarias quebradas
as cruzes retorcidas
tudo já foi usado.
em qual vidro restará
o que não foi apagado?
em qual estudo ressurgirá
do cadinho de porcelana trincado
o resto da tinta do teu olhar?

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Poeminha para um dia antigo

http://dudabrama.files.wordpress.com/2009/10/recife-antigo.jpg
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Era sexta-feira santa
e nada era mais claro
na sequência de postes
pela madrugada

que os teus olhos
de Recife antigo
- refletindo vinho barato -
na calçada.




(Jessiely Soares)



Como é de se esperar, a imagem tem dono: Olha ele aqui.

Nas barbas do Capibaribe


os olhos
angelicais das
nuvens

acusam-me;

a brisa,
a mais morosa
das brisas

dilacera-me;

os deuses
e sua corja
de assassinos

perseguem-me;

e diante
da maldição
do mundo

refugio-me;

nas barbas
do Capibaribe.

André Espínola

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Do que não é amor

Não somos cinza
mas não chegamos a ser dourado

Somos uma delícia
mesmo que equivocados

-Paixão, eu preciso lhe dizer

Eu gosto mais da nossa história
do que propriamente de você

sábado, 14 de novembro de 2009

Bela Dama Exótica

Minha bela dama exótica,
Que prazer é tê-la ao meu lado,
Tuas cartas exaltaram meu peito.
Tais mensagens intensas
Sustentaram sonhos saborosos.
Agora não estou tão só,
Detrás de tua voz infantil
Existe uma mulher amável.

Com linguagem mansa,
Tuas palavras extasiam,
Como se eu nunca amasse
Nessa vida breve.

Em mistérios de teu íntimo
Faço-me um detetive
E descubro tuas facetas
Enquanto as horas passam.

Penso em nossa inconstância
E busco-te entre tantos rostos.
Liberemos agora nossos instintos
Para viver o indefinido.


- Mensageiro Obscuro.
Abril/2005.


Foto: "Dance" por Alphonse Mucha, 1898.

O Silêncio que Cala

(Sonia Cancine)


Do novelo de fatos estranhos
O maceramento dos olhares
Do exílio, intacta indignação.

É limítrofe
(a insanidade e a lucidez)
Nos ventos álgidos
Que encobrem meus passos
Entre ruas laceradas da Terra.

Queria um Silêncio absurdo

De gritos lascados
De lágrimas gritantes
De cada gota de sangue
De cada lágrima derramada
Da arena da vida

Mas um silêncio profano e de pupilas ardentes
Pôs-se a caminho, tendo às costas a ninhada.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Café com biscoitos




Pressionando as mãos sobre os olhos e teria que encarar mais um dia invadindo a sala, o quarto. O som das crianças brincando lá fora a irritava. Estava com azia e sem abrir os olhos procurava o despertador para calar aquela campainha maldita.
Esfregou o rosto sobre o travesseiro e finalmente abriu os olhos, as sombras pareciam dançar e as crianças lá fora ainda gritavam. O espelho em frente ao canto da cama exaltava seus olhos imperfeitos abrigando as pálpebras caídas, quase desistentes - via semelhanças com os olhos de César, ainda menino e ao lembrar-se dele esboçava um sorriso que logo desapareceria.
Lá estava ela, depois de mais uma noite que não se lembrava de nada, o que seria dessa vez? Pílulas? Láudano? Vinho? Que impulso era aquele que a levava incansável rumo ao fim.
Precisava apenas de seus cigarros e uma boa xícara de café, o que a matava aos poucos era a sua feição humanóide, onde se estampava toda a previsibilidade de suas ações. Vestia um peignoir azul celeste que combinava perfeitamente com a manhã, que insistia em entrar pelas portas de vidro, as cortinas quietas davam o tom da quentura que tomava o quarto àquela hora, não havia brisa.
Seus pés brancos, unhas pintadas de carmim, descalços, não lembravam em nada os pés sujos de lama, os mesmos da fuga, que sangravam com brita do asfalto encarnada nas solas. E estavam agora lisos, alvos e limpos como pezinhos de princesa.
Mas sentia-se ainda naquela praça, com os pés machucados, confinados em sapatos vermelhos, que roubara duas quadras antes dali. Talvez não se percebesse como um personagem dum conto de fadas, em busca de uma estrada amarela, por onde caminharia e alcançaria seu verdadeiro lar.
Será que algum dia sentir-se-ia em casa?
Todos os dias a sensação de que na noite anterior havia feito algo horrível, imperdoável. Desistira de ser ela que deflagrara fugas alucinadas e restava-lhe a falta de vontade de prosseguir, o ostracismo se encarregando de devolvê-la para a cama.
Não gostava de pensar em suas vítimas, em quantas pessoas arruinou até estar ali, envolvida em seus lençóis de cetim e em sua camisola de seda, à espera do café da manhã.
As paredes de tão brancas ficavam amareladas pela força do sol que invadia a sala e o quarto e a acordava, acompanhada da impressão de que estava no lugar errado, mas não poderia contar isso a ninguém. As outras pessoas não a consideravam uma estrangeira.
─ Senhora, posso entrar? – chamava uma voz feminina doutro lado, enquanto batia à porta.
─ Sim, claro, entre! – respondeu Cecília ainda atordoada.
─ Senhora, café, biscoitos, pão, torradas, melão, suco de laranja e requeijão! Bom apetite! – dizia gentil, enquanto ajeitava os travesseiros, para Cecília se recostar,
─ Obrigada, querida! – disse se acomodando entre os travesseiros
─ Se terminar antes que eu volte só toque este sino para que venha ajudá-la!
─ Prazer em servi-la, senhora! – disse a moça saindo do quarto.
Como comer alguma coisa? Seu estomago revirava-se, mas não se lembrava de sua última refeição decente. Como recusar, estava tudo tão bem preparado naquela bandeja?
A porcelana estava reluzente, o café muito bom, pedia um cigarro. Quando criança adorava molhar o pão no café, embora sua mãe ralhasse e dissesse não ser higiênico, qual o problema em molhar o pão no café? Não era higiênico pensar que tudo se misturaria no estômago, virando uma só pasta e depois excremento!
Como estavam bons os biscoitos deliciosamente preparados que pareciam de mentira, recobertos com uma fina camada de cream cheese e geléia de goiaba e com o gosto do café era algo indescritível, o doce e o amargo, mesclados com o frugal, tocavam um momento encoberto pelo tempo.
Será que aquela moça tão delicada teria preparado seu café com carinho, ou feito como todos os dias? Teria a noção de que ela e Cecília eram feitas da mesma matéria? E que aqueles sabores traziam à boca uma lembrança quase perdida e fizeram Cecília chorar?

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Inquebrantável - Flá Perez

Não pergunte a lógica do amor.Amor explicável, não o é...
Amor com lista de virtudes é frágil sentimento.
Não se ama o espelho ou o reverso, se ama e pronto.
Quem amou em desmesura, não se arrepende jamais.
(Amar em desmesura é pleonasmo).
Depois de anos, eles de encontram num lugar qualquer.
Não há mais tempo, mas a lembrança está lá, à espreita.

- Você vai sempre ser o meu amor...
- E você o meu...
- Tchau.

- Tchau.

domingo, 1 de novembro de 2009

A sinfonia

O coração tinha garras de metal, afiadas e penetrantemente profundas, o sangue bombeado não era visível, sem cor a olho nu, nem palpável, sem forma, corria ao tato com um interessante magnetismo inverso. O sangue saía do átrio e corria direto aos pulmões: ia a atmosfera e voltava succionado pelo vigor da vida, era filtrado pelo fígado, toda a sua pureza era eliminada junto com a inocência, ele tinha que estar preparado para ver o que iria enxergar ao irrigar os olhos daquele corpo. Olhos foscos, secos, já sem lágrimas sem nem mesmo ter esgotado-las, a asfixia não estava em si. O que via não era o bastante para a razão, e a a razão não bastava para o ambiente.

Seu corpo ainda tinha mãos para inalcançar, nem lembrava mais que tinha unhas, e muito mesmo que as lascas do que elas arranhavam permaneciam sobre a carne, escondidas como ladrões, chamadas inúteis, chamadas desnecessárias, chamadas impossíveis. Não o eram, estavam ali e não foram excomungadas. As mãos viraram engraxates de botas... lustravam os sapatos velhos de pés fedorentos. O couro deles era sintético [assim como a pele dos corpos que os comprara], não eriçava ao toque humano, sua sensibilidade era reduzida a si. Seu maior pecado foi atrair o amor, ele atravessara a armadura e lá envenenara tudo, arrancara a alma do corpo, e saiu; na verdade o amor não saiu, foi vendido a preço de ouro a um mendigo. Este virou o maior milionário, tinha que o ser para pagar tantas dívidas advindas de sua compra.

Minha alma é morta, sou uma carcaça sem dentes, uma fera sem unhas, um sorriso sem face, sem classe, um impasse de ser o que não quero, e não poder escolher meus sapatos, minhas pegadas me foram impostas. Não são minhas digitais.

—Hoje eu não sou
—E ontem?
—Ontem eu era.

Tramitação involuntária da aorta na coluna vertebral, são os sentimentormônios governando as sinapses. Paralisando as pernas quando apenas atacara o sistema nervoso. Sem pernas, sem pés. O tempo não passa mais, a vida não vive mais, é o calcanhar de Aquiles de Hades. No final das contas, eu perco de todo jeito.