Era um condomínio de prédios onde Allen morava, no último andar de um deles. Para ser mais preciso, no último bloco, que ficava no extremo do grande terreno fechado, próximo ao muro que o separava do morro.
Seu anti-stress era olhar à janela. Com um binóculo, atentava à movimentação de algumas daquelas pessoas que, vistas à olho nu, pareciam formiguinhas subindo, descendo e se enfiando nos becos.
De joelhos sobre o sofá encostado à parede, debruçava-se sobre o para-peito da janela e, curioso, observava os passos que eram dados por alguns desses transeuntes.
Naquela tarde, sensibilizou-se com a senhorazinha que levava o peso de uma sacola de feira sem a ajuda de ninguém, admirou o trabalhador que voltava do expediente e viu graça nas crianças que brincavam de pique esconde. Preocupou-se, eis que, especialmente, com um rapaz que dobrara uma das esquinas que estavam em seu campo de visão e, agora, subia a rua íngreme. Era de uma torcida organizada. Por algum motivo aquele sujeito lhe chamou a atenção, fosse pela vestimenta, ou a maneira como caminhava cambaleando. Viu-o parar à frente de um bar, onde então se pôs a dançar. Começou a dançar sem motivo para ele e, pelo que pôde perceber, para ninguém mais. Não foi por falta de opções: bem poderia ter ido às lotéricas quitar seu carnê de mercadorias do baú, se benzido ao passar em frente à igreja na rua que dobrou antes, mas não, o que ele fez foi dançar. “Este é interessante”, pensou Allen.
Lançou o binóculo de lado e enfiou a mão no vão entre o sofá e a parede onde havia a criança. Uma relíquia que herdara do avô. Allen jamais soube o modelo ou o ano de fabricação daquela beleza, mas apenas que era silenciosa o suficiente. Enquanto a acomodava, ouviu seu celular tocar. Não podia se concentrar com aquele barulho, de modo que foi atendê-lo.
“Oi Linda, espera só um minutinho aí...”
Voltou com os joelhos ao sofá e rapidamente acomodou-a sobre o ombro, posicionando e localizando-o com maestria. O sujeito continuava a dançar, dificultando um pouco a vida de Allen. De qualquer maneira conseguiu num tiro simples: a bala introjetada na região do cocuruto propagou um rombo de onde emanou um jorro que tomou a forma de um meio círculo no ar à medida que o crânio era lançado pra frente com o nariz por acabar no asfalto. Deu um suspiro, recolheu-se e fechou a janela.
“Oi Linda...” (...) “No próximo final de semana? É claro!”
No mesmo dia Allen receberia a visita de seu cunhado, que também voltava do jogo dominical. Perceberia nos olhos dele algo estranho, o que provavelmente o levou a dizer: “num falei que era zica?”
Allen ficou matutando naquela palavra durante semanas à fio... “zica... zica...” O que seria? Tampouco o dicionário sabia responder.
Allen não bate muito bem das bolas, não tem a capacidade para compreensão.
“Vou precisar de um revólver!”, pensou.
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