Pintor barcelense Afmach
Momentos na vida de Paula
Paula refastelava-se na esplanada junto à
beira-mar, num café como outro qualquer, vazio de veraneantes, onde só ela
sabia o que esperava que acontecesse, naquela tarde de um dia de semana.
Aguardava, não sei porquê, talvez por um engate
feito por ela. Ao seu lado estava um homem, acabado de chegar. Era pequeno,
talvez dos seus quarenta anos, e uma farta barba preta em forma de pera. Já
calvo, de sinais do tempo, começou a observá-la. Paula era um bom pedaço de
mulher, belas pernas que se estendiam visíveis até a ante coxa. Ela não parava
de falar com o dono do café, também até ao momento da chagada do barbudo, não
tinha mais ninguém com quem falar. Era uma hora morta, onde só alguns carros passavam
perto sem significado relevante. O homem começou a interessar-se pela conversa
que ouvia de “espirito santo de orelha”. O dono do café já não respondia, Paula
tomara posse da conversa, todo o tempo de antena era para ela. O homem achava
que havia alguma coisa de diferente em Paula, mas não estava a conseguir saber
o quê. Até que chegou o momento de Paula meter conversa com o homem de pera.
Num começo de fala sobre o tempo, Depois de a conversa entrar no foro da
intimidade, trocaram contactos e marcaram um encontro à noite no mesmo café.
Paula gostava de beber umas cervejinhas, ou
então uns Bloody Mary. Naquela noite que estiveram juntos num recanto do café,
que há noite ficava na média luz, trocaram caricias fugidias, e onde o tema era
a terra de sua majestade. Jorge olhava as belas pernas de Paula, perfeitas a
pedir uma passagem breve de suas mãos, mas como ele era de bons modos, não se
atreveu, não fosse ela virar “a cabeça ao prego”. Já o café se preparava para
fechar, resolveram dar um passeio pela praia. Tudo rolava sobre rodas, já bem
bebidos, deitaram-se na areia fresca daquela noite quente de verão. Paula
prometia mundos e fundos a Jorge, em Londres. Ele começou a pensar; que as
coisas não podiam ser assim tão fáceis. Aquilo que ela prometia, tinha que ter
lacunas e isso era o que ele tentava descobrir. A partir de um momento que ela
já não estava muito católica, devido ao álcool que emborcara em toda a tarde e
noite, ele começou a dar cortes nos pensamentos dela. De um momento para o
outro, Paula começou um discurso em desconexão, não deixava Jorge falar, falava
por cima dele. A situação começou a criar quezílias entre ambos, e de um mar de
rosas, passaram a discutir. Ela tornara-se agressiva, amarrava os braços dele
com violência, ficara histérica. Jorge queria sair daquele filme, tentou
acalmá-la, e ao fim de uma hora, já exausta, prostrou-se de braços estendidos e
pernas, como se de uma rosa-dos-ventos se tratasse. Os cabelos encaracolados de
um negro azeitonado, percorriam o seu rosto ao sabor de uma brisa leve. Jorge
pensou que se passaria naquela cabeça de uma mulher tão bonita e ao princípio
tão acolhedora. Paula adormecera de exaustão, e Jorge cobrira-a com o seu
casaco. Ficaram ali os dois, o resto da noite. De manhã, regelados da madrugada
fria, Paula acordou e num salto enérgico, levantou-se dizendo para ele: - que é
que estou eu a fazer aqui? – Conhecemo-nos?
Jorge ficou atónico, com mais aquela reação
dela. Pensara que tinha sido o álcool da noite passada que a levara àquelas
reações, mas não. A mulher não batia mesmo bem, fugiu a toda a velocidade pela
praia fora, para nunca mais voltar a ser vista.
Jorge aprendera uma lição; “nem tudo o que
parece é aquilo que vemos”.
Naquela bipolarização de sentimentos, nem
Jorge, nem Paula ficaram bem, cada um pelas
suas razões.
Havia, realmente algo de misterioso naquela
mulher, que Jorge não compreendia. Tinham trocado contactos e quando menos
esperava, recebeu um telefone; era Paula a dizer que queria encontrar-se com
ele para lhe pedir desculpa do outro dia.
Jorge queria saber, concretamente qual era a
personalidade dela, e o que a movia naquele desenfrear de emoções. Aceitou o
pedido de encontro, no mesmo bar que se tinham conhecido. Nesse mesmo dia
marcaram encontro ao fim da tarde; era uma tarde amena. O vento soprava ao de
leve, e o sol apesar de quente era suportável.
Jorge chegou ao bar e já Paula se refastelava,
sentada na esplanada, apanhando sol nas suas belas pernas bronzeadas. Parecia
ter ficado um pouco inquieta, quando deu pela presença dele.
Paula deu um sorriso tímido, e começou o
discurso de pedido de desculpas: - Jorge! Desculpa a minha atitude no outro
dia, mas estava um pouco fora de mim, o álcool falou mais alto.
Jorge ouvia, observando o seu olhar
comprometido, e respondeu: - Paula! Não te preocupes, por vezes as coisas não
correm como queremos, só quero que estejas bem contigo e em paz.
Paula sorriu, passou a mão pela face dele e
disse: - Penso que não me enganei que tu eras um bom homem, e não mereces
aturar os meus desatinos.
Jorge tranquilizou-a mais uma vez: - Sossega
que encontrarás alguém que te complete.
Ela viu que ele não estava definitivamente
interessado numa relação amorosa, simplesmente amizade, e isso, ela teria que
se conformar.
Paula buscava companhia para ir para Londres,
vai se lá saber porquê. Numa tentativa desesperada, voltou à carga: - Sabes,
estava a pensar que talvez quisesses vir comigo para Londres, lá é fácil de
arranjar trabalho e podias seguir uma carreira lá.
Jorge, queria sair daquele filme, e sem rodeios,
teve que dar por terminada o fim daquela relação precoce.
- Paula! Agradeço o convite, mas não está nos
meus planos emigrar, seja lá para onde for.
Os olhos dela começaram aficar húmidos, os
dedos que seguravam o cigarro, tremiam e por fim lá foi dizendo: - Sempre
pensei que podíamos fazer um bom par, mas enganei-me, não tenho sorte nenhuma
na vida.
Agora as lágrimas corriam-lhe pelo rosto, Jorge
olhava para todo o lado, na esplanada cheia de gente, não queria que pensassem
que era uma quezília de namorados. Pousou uma nota de cinco euros, encima da
mesa para pagara despesa e pegando-lhe por um braço, ao de leve, foram caminhar
pela praia ali ao pé.
Paula não reconhecia que tinha um problema de
dependência com o álcool e barbitúricos, tentava esconder de tudo e de todos.
Mas Jorge que não era nenhum ignorante, sabia que algo não batia certo com ela.
Reparava que bebia demais, isso, ele já se tinha dado conta, mas quando se
apercebeu que ela ia constantemente à carteira, mexer em tabletes de medicamentos,
viu que algo se passava. Tentou abordar o assunto enquanto passeavam pelas
areias finas da praia. Talvez o momento fosse o ideal para essa abordagem.
Parecia tudo tranquilo, o mar estava sereno, e as ondas deslizavam suavemente
naquela tarde veraneante.
Depois de passearem duas centenas de metros em
pleno silencio, como que meditando os seus problemas, Jorge pôs-se de frente
para ela e questionou-a:- Paula! Eu sei que tu tens um problema de saúde, ou
antes um problema de dependência, queres falar sobre isso?
Paula ficou um pouco apreensiva, olhou-o nos
olhos como procurando um ar de reprovação, e lá foi desabafando: - Sabes!
Realmente não consigo controlar a bebida e ainda por cima viciei-me em
calmantes, estou um trapo.
Jorge apertou-a junto ao seu peito, como fosse
um conforto para ela, e disse: - Ouve! Tu podes vencer isso, não é um problema
irremediável, tens que ser forte, como és para os homens, mostrar que és mais
forte que o vício.
- Mas Jorge, não tenho conseguido! Sinto-me
perdida nesta miséria.
- Tu vais conseguir, se assim o desejares de
corpo e alma.
Continuaram, agora abraçados, até ao fim da
praia, e na volta, Paula já sorria, esquecera-se do álcool e dos calmantes.
Estava bem com Jorge, ele era a droga saudável que ela precisava. Era uma
mulher carente de afetos, isso estava visto por Jorge, que não sendo a mulher
que ele queria para viver, podia sempre ser uma amiga, e os amigos ajudam-se
mutuamente.
Naquele verão, Paula encontrara um amigo
verdadeiro, e foram as palavras amigas e o afeto que este lhe deu, que a levou
a mudar os seus comportamentos. Depois de vários encontros, chegara a hora de
ela ir para Londres, e apesar de voltar a insistir com, não conseguiu
convencê-lo. Fora um romance de verão e os dois aprenderam como nós somos
frágeis, muito embora não pareça. E não custa nada tentar ajudar quem de nós se
aproxima com a vontade de ser nosso amigo.
In “ Contos de Encantos “
Quito Arantes/Portugal
A editar
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