Odisseia de uma Publicação
João acabara de escrever seu primeiro
livro. Foram duas semanas para escrevê-lo, e na semana seguinte, João mandou
uma cópia por e-mail para sua mãe, professora de Língua Portuguesa e Literatura
Brasileira, para que ela corrigisse eventuais erros de concordância,
acentuação, etc. Quando recebeu a cópia corrigida, João queria saber a opinião
de algumas pessoas a respeito de seu primeiro livro, e enviou cópias para a
Daiana e para a Bia, duas ex-colegas de trabalho; para o Miro, grande amigo de
João desde a adolescência e que estava morando no Rio Grande do Sul; e até para
o Walter, um jornalista que fazia comentários diários na TV local; e como não
poderia deixar de ser, para sua companheira Sônia.
Todas as pessoas falaram coisas boas
a respeito do livro. Insistiam que João o publicasse que seria um sucesso. João
gostou do que ouviu, e tomou coragem de enviar o original para a editora que estivesse
disposta a fazer a publicação. João buscou, dentre inúmeras editoras, aquela
que tivesse o perfil para o seu livro. João constatou que um bom número de
editoras publicavam livros como o que ele escrevera - um romance – e então,
João se informou através dos respectivos sites a respeito de como enviar o seu
original. Para surpresa de João, algumas editoras simplesmente o ignoraram por
completo; outras deram suas respostas, justificando o porquê de não aceitarem o
livro; e algumas aceitaram o envio, ou via e-mail ou por correio, deixando bem
claro que não teriam compromisso nenhum em publicar o livro.
A cada resposta recebida, João
sentia-se cada vez mais desacorçoado. E cada vez que ele encontrava uma das
pessoas que leram o seu livro, João sempre era questionado a respeito da
publicação: “Já saiu? Ainda não? Por quê? Mas o que houve, será? Não se esqueça
de me convidar para a sessão de autógrafos quando o livro for lançado”. Tudo
isto foi transformando João em uma pessoa mais fria, e a cada resposta negativa
recebida das editoras, João, de uma forma muito mordaz, fazia o que ele chamou
de “tradução para leigos”; era se como cada resposta tivesse uma mensagem
subliminar, que só João conseguia decifrar. E como as respostas foram variadas,
para cada uma João fez a sua “tradução para leigos”. Vejamos alguns exemplos:
Original:
“Caro João
No momento não estamos aceitando o
envio de originais. Atenciosamente...”
Tradução:
“Caro João
No momento estamos muito bem
financeiramente. Nossos ativos financeiros, numericamente falando, certamente
ultrapassam em larga escala a sua quantidade de neurônios multiplicada por cem.
Atenciosamente...”
Original:
“Caro João
Devido ao grande volume de originais
que recebemos, estipulamos o prazo de até seis meses para lhe darmos uma
resposta. Caso neste período você não obtenha uma resposta, garantimos que sua
cópia do original será completamente destruída após o prazo mencionado.
Atenciosamente...”
Tradução:
“Caro João
Devido ao hábito da leitura ser raro
em nosso país nos dias de hoje, nossos colaboradores que leem os originais (um
total de dezessete pessoas, aproximadamente) provavelmente não terão tempo
suficiente para ler seu original por inteiro no prazo de seis meses. Com todo o
devido respeito, João, nós da editora duvidamos muito quando o senhor diz que
escreveu um livro de cem páginas em duas semanas, e os motivos que nos levam a
crer nesta hipótese são: 1º) sua idade pouco avançada e 2º) sua inexperiência
no meio literário. Quanto à destruição do seu original, podemos lhe garantir
que será destruído por nosso pessoal especializado: apenas contratamos pessoas
que consigam rasgar uma lista telefônica da cidade de São Paulo por inteiro,
com capa e tudo. Atenciosamente...”
Original:
“Caro João
No presente momento, não estamos
aceitando novos autores, por este motivo não recebemos originais, exceto de
quem já tem obras previamente publicadas. Atenciosamente...”
Tradução:
“Caro João
No presente momento, absolutamente
nada do que você possa ter escrito trará algum tipo de benefício para a nossa
editora. Nós já sabemos disso. Não existem novos talentos, esta é uma classe
inexistente nos dias de hoje. Quem tem talento já publicou, não está à procura
de editoras. Além do mais, se você fosse de alguma forma popular, uma figura
conhecida certamente teria uma chance conosco – mas você não é. Verificamos o
seu perfil no Facebook, e constatamos
que você tem apenas 476 amigos; destes, provavelmente metade você nunca viu na
frente, o que reduz o seu número para modestos 238 amigos. Perdoe-nos a nossa
sinceridade, mas você não passa de um verme insignificante. Atenciosamente...”
Original:
SEM RESPOSTA: A editora simplesmente
ignorou o e-mail por completo.
Tradução:
Há muitos anos atrás, era praxe nas
cartas escritas por pessoas públicas conhecidas a seguinte sentença ao final da
carta: “Ditado, mas não lido”. Para as editoras que não querem responder aos
e-mails referentes ao envio de originais, poderia ser encaminhado automaticamente
um e-mail resposta padrão, com o seguinte texto: “Recebido, mas não lido”.
Original:
“Caro João,
Atualmente estamos apenas traduzindo
obras estrangeiras que obtiveram sucesso comercial no exterior. Atenciosamente...”
Esta resposta deu uma ideia a João. E
se o original fosse enviado diretamente para o exterior? João ligou para
Philip, um amigo americano que morava há anos no Brasil e era um leitor
contumaz. Philip leu o livro todo em um dia, e numa conversa com João, se
dispôs a traduzir a obra toda para o inglês, desde que ele pudesse agenciar
João na busca por uma editora internacional. Trato feito, em cerca de 20 dias
Philip havia feito a tradução para o inglês e estava apto para mandar a obra
para o estrangeiro. Ficou acordado também que João usaria um pseudônimo, no
intuito de facilitar a comercialização do livro.
Mesmo recebendo algumas negativas, o
leque de opções agora era muito maior: Philip encaminhara o livro de João não
apenas para os Estados Unidos, mas também para o Canadá, a Austrália, a Nova
Zelândia, a África do Sul e para todo o Reino Unido. Ao término de apenas um
mês, João e Philip se sentaram para analisar cinco diferentes propostas. E
ambos optaram pela editora de maior renome, pois obviamente queriam lucrar alto
com a publicação da obra.
O tempo passou e João começou a
receber os royalties pelo livro, e Philip a sua porcentagem como agente e
tradutor de João. Mais um tempo se passou, até um dia que João avistou em seu
correio eletrônico, entre centenas de e-mails enviados por leitores do mundo
todo, um e-mail do editor-chefe da editora que havia respondido a João que só
traduzia obras estrangeiras. No texto do e-mail, o editor-chefe fazia inúmeros
elogios a João, e pedia educadamente se João poderia interferir em seu favor
para que a sua editora conseguisse adquirir o direito de tradução para o
português, pois havia uma disputa acirrada pelos direitos da obra no Brasil; o
editor-chefe disse também que seria um prazer se João fosse o tradutor para o
português, e ofereceria uma soma de dinheiro para tal, segundo ele: “sem
precedentes na história de nossa editora”. João leu, refletiu por um instante e
respondeu:
“Caro editor-chefe
Atualmente estou apenas respondendo a
e-mails do estrangeiro.
Atenciosamente,
João Brasil”
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André Bortolon
https://www.facebook.com/andre.bortolon.1
3 comentários:
Escrevo há mais de 40 anos e não tenho livro publicado. Eis ilusão que eliminei em detrimento da conclusão de que quando puder, se é que poderei, tornar-me-ei editor do que escrevo.
Cadinho RoCo
Reflexo de uma país sem cultura que só valoriza baixaria. Parabéns pelo texto!
Felipe Bortolon
Realmente a media anual de leitura dos brasileiros é uma das mais baixas do mundo... talvez esse seja o reflexo de ter pessoas que nao lideram esse meio pelo cultura ou pelo proprio amor a leitura e sim por status e dinheiro. Belo texto Andre...
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