terça-feira, 15 de outubro de 2013
Reunião
Escrito por
Sergio Vinicius Ricciardi
Irineu verificou os lugares à mesa. Seis, com o seu à cabeceira. Esperava a chegada dos convidados ansiosamente. Uma pontada no peito, uma sensação de zonzeira na cabeça o deixavam inquieto. A reunião, no entanto, era o mais importante, o mais urgente. Finalmente cumpriria com seus compromissos há tanto adiados. Sentou à mesa da grande sala de jantar da fazenda e esperou. Eles chegaram todos juntos, em silêncio, e ocuparam seus lugares. Aquela sensação de algo errado era cada vez mais forte. Antes de servir o almoço ele tinha que comunicá-los da decisão que tomou. Precisava aliviar aquele peso no peito de uma vez. Tinha que ser agora.
- Meus queridos, tomei uma decisão muito importante. Não vou esperar até minha morte para dividir os bens de todos esses anos obtidos aqui na fazenda. Tive que guardar durante muito tempo para que não ficássemos sem nada. A economia e o zelo são a chave para as bênçãos no futuro. Mas agora resolvi legar a cada um sua parte, e quero que a usem da melhor forma. Pra mim deixarei apenas o suficiente para minha subsistência nesses anos que me restam, que não hão de ser muitos.
- Pra ti minha velha Ester, te deixo a quantia suficiente para que consultes os melhores médicos na capital pra tratares essa tua persistente dor no baixo ventre. Para o meu neto Zequinha, uma quantia que pague os médicos e a fisioterapia para a pólio, para que ele volte a andar. Para minha filha Larissa o suficiente para acompanhar o Zequinha onde quer que ele tenha que ir. Ao meu genro Manoel, ajudarei a abrir aquela venda aqui na província, onde poderá finalmente ter um trabalho decente. E ao final, não menos importante, ao meu velho capataz Laurêncio, que sempre administrou a fazenda da melhor forma, deixo o suficiente para que se aposente e viva o resto de seus dias com dignidade. Sinto que agora cumpri com meu dever para com vocês. Poderei, quando chegar minha hora, morrer em paz...
Os convidados permaneciam quietos, imóveis, fitando Irineu de uma maneira desconcertante. Aquela sensação de desconforto em seu interior aumentou demasiadamente. De repente, num lance de vista, o velho deu com a mesa vazia, os lugares intocados. Então a memória, que estava embaçada e perdida em algum lugar, despejou suas lembranças de forma impiedosa: Ester morrera de câncer de útero, sem que o marido chamasse um médico para assisti-la. Zequinha morrera pelo agravamento da pólio, seguido da mãe que se foi por desgosto. Manoel terminou seus dias no fundo de uma garrafa. Quanto ao capataz Laurêncio, já muito velho e ainda na lida para garantir o pão da família, teve um infarto fulminante em meio às rezes e foi enterrado como indigente.
Irineu começou a chorar copiosamente e a pelejar contra a realidade. Pensava que, se fosse lá pegar o dinheiro há muito guardado e o trouxesse, eles apareceriam novamente e então poderia corrigir tudo o que havia feito de errado. Pegou o facão de cortar churrasco e dirigiu-se ao seu quarto, em direção ao grande colchão de sua cama. Cravou-lhe a lâmina e abriu-o às cegas. Junto ao pano e aos flocos de espuma, estava uma grande quantidade de notas de diferentes épocas. Amareladas, amassadas, sem valor algum. O velho olhou para suas economias de tantos anos, ciente agora de que não passavam de pedaços de papel, apenas. A consciência libertadora e ao mesmo tempo pungente de que em qualquer tempo, não eram de fato nada mais que pedaços de papel, lavou seu rosto com as últimas lágrimas antes que a dor do derrame fatal reverberasse por seu crânio e sua alma encontrasse a escuridão.
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