quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

O Passo Seguinte - Parte Final

Depois que os outros partiram, Nicolas já pulou para uma cadeira da mesa de Sônia, pegando a sua cerveja, que a garçonete já havia trago algum tempo, e o seu copo. Encheu o copo dele e perguntou se ela queria, sendo que provavelmente a cerveja já estava quente.
- Não, não quero não. Eu já to meio bêbada, vou ficar de boa agora.
- Entendi, faz bem. Mas que bom que você ficou, de fato deu pra notar que você estava reagindo de uma maneira de diferente dos outros. Pois bem Sônia...
- Nossa, você lembra do meu nome? – disse Sônia interrompendo-o.
- Claro que lembro. Você foi a moça que me emprestou o isqueiro e que por sinal, pedi só para poder puxar conversa com vocês.
- Olha! Então quer dizer que a Júlia estava certa – disse isso finalmente sorrindo. De todos os fatos narrados aqui, entre todos, Júlia era a que sempre permanecia mais séria – e eu recriminando ela por pegar no seu pé.
- Mas com certeza, de todos vocês ela foi a que mais implicou comigo. E que língua afiada que ela tem hein. Caramba, aquela garota parece viver na ofensiva.
- É, ela é bem arisca mesmo. Mas ela é uma pessoa maravilhosa, você tem que ver quando ela está mais bêbada, ela vira um amor só. Não fala coisa com coisa e vive caindo – terminou dizendo isso soltando uma risada curta porém muito espontânea e gostosa, Nicolas também não se conteve e respondeu com o mesmo gesto.
- Mas como eu ia dizendo Sônia, por que é que você não me diz o que se passa aí nessa sua cabeça? O fato de você ter ficado aqui comigo me deixou bastante intrigado. Vai, me fala. Me diz também o que você achou de todo o meu discurso eloquente? – olhava pra ela com olhos de fascinação. Era uma garota muito bonita, com um corpo bastante sensual, apesar da saia que ela usava não deixar ele visualizar bem como era suas pernas. Mas com uma cruzada de pernas que ela deu, pode perceber que tinha cochas grossas que pareciam ser bastante firmes. Quando sorria formavam em suas bochechas duas pequenas covinhas, o sorriso era pequeno, porém muito brilhante. Cabelos negros, olhos negros, muito vivos e compenetrados. Toda aquela mulher era adornada por movimentos leves e sutis, mas não delicados, eram firmes, só aconteciam em momentos muito precisos.
- Nossa! – exclamou ao reparar tudo isso.
- Que?
- Nada não. E aí, você não vai responder as coisas que te perguntei?
- Então ou. Sinceramente eu acho que faz sentido muita coisa que você falou, só não concordo muito da maneira como você falou. Mas tipo assim, isso tem me deixado incomodada já faz algum tempo sabe? Por que tipo assim, são meus amigos sabe e eu gosto de estar com eles e eu acho que muita coisa que eles fazem é boa, mas tem outras que é foda, entende? E tipo assim, quem sou eu pra julgar também? Mas é isso, sei lá, eu acho que to meio perdida no meio de tudo isso, às vezes eu olho e não sei pra onde ir, o que fazer. Mas eu quero mudar as coisas sabe, eu sei que precisa mudar, é por isso que eu tento, que eu me organizo coletivamente, mas sei lá, as vezes parece tão distante. Ai... – parou e soltou um suspiro – e tipo assim, parece tão distante por causa das próprias pessoas, as mesmas que querem mudar as coisas, eu também devo fazer muita coisa errada, sei lá – mais um suspiro.
Após ouvir tudo isso, a fisionomia do rosto de Nicolas começou a mudar mais uma vez, estava ficando parecido com a mesma de quando ele estava discursando energicamente em pé para ela e seus amigos, isso de uma certa maneira assustava Sônia e lhe causava um pequeno aperto no peito, talvez por medo.
- E se tudo isso fosse uma grande bobagem Sônia? Tudo o que eu disse até agora, tudo que você acabou de dizer – ele já estava mais uma vez dominado por aquela fisionomia extremamente eufórica – Talvez minha querida a maior armadilha que a humanidade criou a si mesma foi ter entre aspas, “evoluído” – disse isso simbolizando com os dedos o sinal de aspas – Porque acabamos desenvolvendo a capacidade de pensar sobre o próprio pensamento e consequentemente isso acaba nos colocando em um estado de agonia eterna. Por que no fundo Sônia, pouco importa, a natureza e o universo estão cagando e andando para todas as nossas questões filosóficas. Num futuro distante por mais que alcancemos o comunismo, o perfeccionismo, um dia o sol vai explodir e aí tchauzinho pra humanidade.
- Mas quem sabe a gente não se desenvolva tanto que consiga migrar para outra constelação.
- Há! Que perspicaz você Sônia. Eu ainda não perguntei, mas afinal que curso você faz?
- Eu faço filosofia e você o que faz da vida?
- Filosofia, sim filosofia. Não ensinam essas coisas no curso não é Sônia?
- Na verdade ensinar eu não sei, mas tem matérias sim que falam sobre, na verdade a maioria, só que de um modo diferente. Mas e aí o que você faz da vida?
- Eu vivo de bicos. É essa a lógica atual do mundo meu bem, empregos temporários, mas ficar de olho e se ligar no time deles, que quando acaba um você consegue outro.
- E onde você aprendeu todas essas coisas?
- Eu também já fiz faculdade um dia. Cursei direito provavelmente na mesma universidade que vocês, na pública.
- E você nunca pensou em seguir na área? O que aconteceu? Você criticou a gente, mas parece ter vindo da classe média também.
- Acho que não tão média assim, não tinha carro como vocês, dificilmente grana pra ir no bar com os amigos, se bem que eu não tinha muitos amigos... Mas caramba Sônia! A gente está se desviando do foco, a minha vida não importa, o que importa são as questões sobre as quais a gente estava dizendo.
- Humn sei, dá pra ver que você é meio fechado né.
- Menina, menina. Enfim, pra finalizar: mesmo sabendo que tudo isso um dia vai explodir e que não temos a certeza se vamos conseguir migrar pra uma outra galáxia ou não, a questão é que enquanto isso temos que tentar viver o melhor possível, não é? E com certeza o capitalismo não é a melhor pra isso? Mas o que fazer então? Me diz Sônia o que fazer?
- Sei lá. To começando a achar que você fala de mais e reproduz tudo o que critica.
- Provavelmente, mas acho que somente em partes, mas quem não? Somente aqueles que não criticam né. Mas é isso! Pra que criticar Sônia? O negócio acho que é dar o passo seguinte, fugir dos planos perfeitos, parar de querer ter a resposta, mas agir, agir no sentido de viver melhor, de que todos vivam melhor. Eu acho que nós dois demos o passo seguinte Sônia, eu não seguindo minha carreira, você só pelo fato de ter ficado aqui, boicotando essa porra toda. Até aonde a gente pode chegar? Agir livremente sem moralismos, até onde você consegue ir Sônia?
- Nossa, tem hora que você fala muito confuso. Não sei se eu to entendo. Mas sei lá, eu acho que é isso sabe, ter paciência e ir tentando do jeito que der, parar de perder tempo falando mal dos outros, enfim fazer o que acha certo fazer.
- Você se sente atraída por mim Sônia? Antes que você ache que tentei dar um golpe de mestre machista, não estou me referindo a uma questão sexual, mas sim enquanto personalidade. Você se sente atraída pela minha personalidade Sônia? Eu sinceramente achei a sua espetacular, acho que conseguimos desenvolver uma intimidade um com o outro, não profunda porque isso leva tempo, mas um laço íntimo interessante. Acho que a questão sexual deve ser meramente consequência disso tudo entre as pessoas.
O rosto da garota ruborizou. Olhando pra ele apesar de ter mais idade, dava pra notar que ainda era um homem bonito, mas não era essa a questão. Uma grande quantidade de sentimentos confusos girava em sua cabeça, enquanto eles falavam tudo isso, continuavam bebendo e bebendo rápido e a medida em que as cervejas iam acabando os garçons iam trazendo outras.
- Mas então você quer que eu transe com você? – disse Sônia inesperadamente.
- Não, claro que não, aliás, acho que depende – era ele agora que estava embaraçado e isso causava certa satisfação nela, por finalmente tê-lo deixado assim.
- Ah, deixa isso pra lá – respondeu ela.
Os dois ficaram calados durante algum tempo, ambos olhando para o chão.
- Talvez eu esteja muito mais perdido do que você Sônia. Olha pra mim Sônia, com certeza não tem ninguém aqui nesse bar parecido comigo. As vezes  dar o passo seguinte acaba nos deixando bastante isolados. Toma muito cuidado com tudo isso.
- Ué, então você está descartando tudo o que acabou de dizer – respondeu ela num tom de indignação.
- Não, claro que não, é só que às vezes todas essas decisões malucas pesam, mas o que é que não pesa nessa vida né?
- Pois é.
- Quer saber, tá afim de dar mais um passo? – disse Nicolas recuperando suas energias – que tal parar de escutar essas porcarias de música e ouvir algo decente, aliás algo decente ainda mais em vinil.
- Nossa! Aí sim hein, onde?
- Lá em casa. Eu tenho uma coleção interessante de vinis lá. A maioria de música clássica e jazz, qual você prefere?
Sônia titubeou ao ouvir aquela proposta. O aperto de medo em seu coração estava maior naquele momento, mas como uma fagulha tomou uma decisão dentro de si sem pensar muito nas consequências, parecendo que sua boca agiu mais rapidamente do que seus próprios pensamentos.
- Eu prefiro jazz, mas se a gente for tem que ser agora então.
Nicolas já se levantou pegando a comanda para poder pagar a conta, ela só apanhou a sua bolsa e foi atrás dele e foram até o balcão e acertaram o que tinha que acertar.
- Você tá de carro?
Nicolas apenas sorriu dizendo com a cabeça que não.
- Então a gente vai no meu. Vem tá aqui bem pertinho.
E realmente estava. Não demoraram nem dois minutos para chegarem e entrarem no carro.
- Já vou colocar uma pra gente ir aquecendo então – colocou então o álbum My Favorite Things de John Coltrane.
- Uau! Esse álbum é maravilhoso, um dos meus favoritos dele – ambos riram com esse comentário por causa do próprio nome do álbum – é um som muito educado e extremamente relaxante.
- Nossa com certeza, eu adoro ele também. Ou você tem que me guiar até onde é sua casa, é aqui perto?
- É sim, é ali no Santa Maria, você pode fazer o contorno, pegar a Belarmino para poder cair na João Naves, dae depois do posto você desce e algumas pra baixo você vira, a hora que for pra virar eu te aviso, dae anda só mais um pouco e a gente chega.
E assim aconteceu, não demoraram nem dez minutos para chegarem à casa dele. Era uma casa de portão bege, porém em várias partes a tinta já estava descascada. O muro era de tinta branca, mas também havia várias manchas escuras no mesmo. Entraram e após o portão havia uma pequena garagem e no fundo dela uma porta pintada também de tinta bege e também descascada que dava acesso à sala. Pelos ornamentos da porta e quando entrou na sala, Sônia pode notar que devia ser uma casa um pouco antiga, provavelmente construída na década de 80, ao menos os ornamentos indicavam isso e parecia que fora reformada poucas vezes. Era pequena, a cozinha era separada da sala apenas por um balcão.
- Posso ir ao banheiro?
- Claro. Fica dentro do quarto, é só virar aqui a direita que você vai ver a porta do quarto e lá dentro se você olhar a esquerda você vai ver a porta que dá acesso ao banheiro.
Sônia se dirigiu ao banheiro e antes de entrar nele não pode deixar de reparar no quarto. Continha apenas uma cama de casal, com lençóis bastante amarrotados e dois travesseiros bem gordos, todos na cor verde escuro, um guarda-roupas pequeno e uma escrivaninha do lado da cama. Entrando no banheiro viu que era todo azulejado na cor azul, aquilo causava até um impacto na visão. Viu também que apesar de pequeno estava bastante limpo e pensou “bom, ao menos com a higiene, ele não é um porco”. Fez a sua toalhete e saiu deparando-se com Nicolas, parado em pé, olhando fixamente pra ela. Aquele olhar era penetrante, fazia com que ela se fixasse nele, parecia que seus olhos vasculhavam o íntimo dela. Isso fez com que Sônia lembrasse toda a situação diferente em que estava. Provavelmente nunca vivera algo parecido e isso causava cócegas internas nela ao mesmo tempo aquele aperto no peito ainda permanecia.
Nicolas então lhe puxou pela cintura, sua mão era grande e grossa. Isso fez com que ela soltasse um grito fino e praticamente inaudível e antes que terminasse o mesmo ele a beijou. Ambas davam beijos de extrema gana e desejo, mordiam com força a boca do parceiro de uma maneira que podia sangrar, mas não chegava a acontecer. Entrelaçavam suas línguas com voracidade e intercalavam esses momentos de força com momentos em que apenas ficavam parados abraçados, se olhando e ofegantes. A troca de olhares entre eles parecia que servia de combustível para que voltassem a se devorar e logo para além dos beijos, começaram a beijar também os pescoços um dos outros dando mordidas e às vezes uns chupões bem forte.
Foi questão de tempo para que Nicolas descesse do pescoço de Sônia para os seus seios e quando começou a beijar e a morder eles na região do decote dela puxou com força para baixo a blusa revelando assim os dois seios de Sônia. Eram grandes e firmes, os mamilos pequenos e roxeados, logo Nicolas passou a beijá-los também, chupava-os com uma força que ia crescendo progressivamente e intercalava com carinhos com sua língua. Nisso Sônia começou a soltar pequenos gemidos, passou a mão nos cabelos dele puxando com força para trás, de uma maneira que ele olhou para cima fitando novamente o olhar dela.
Ela então se afastou e começou a tirar toda roupa, ele fez o mesmo, eram lindos os dois nus ali se olhando, mas isso já não importava mais. Voltaram aos beijos vorazes e Nicolas a jogou sobre cama, começando a lhe fazer sexo oral não com a mesma pungência, mas bem de vagar. Os gemidos dela iam crescendo, mas de repente ele parou.
- Não! Por que você fez isso? Continua – perguntou ela, mesclando indignação e graça.
- Vou colocar uma música pra gente. Desculpa, espera só um pouco – respondeu limpando um pouco a boca. Então levantou da cama, de pé, olhou mais uma vez pra Sônia, ela respondia seu olhar e mordiscava os lábios. Antes de sair do quarto, Nicolas apagou a luz, o que deixava a garota mais ansiosa ainda.
Na escuridão e passando suas mãos pelos lençóis que estavam um pouco gelados, Sônia escutou os primeiros ruídos de um aparelho de vinil sendo ligado e de quando a agulha está para cair sobre o disco. Quando o disco começou a tocar, percebeu que era um disco da Janis Joplin e a primeira música era Piece of My Heart. A música tocava e Nicolas não retornava ao quarto, percebendo isso ela já estava ficando impaciente.
- Ei! Você morreu aí? Foi abduzido? – Perguntou Sônia.
Acabando de dizer isso, a segunda música do disco começou, era Summertime, ouvindo os ruídos dos passos, notou que Nicolas voltava ao quarto e parou na beira da cama. Ela se arrastou até lá, ele a puxou e ficaram os dois juntos de pé, beijavam-se e faziam carícias no mesmo compasso da música.
- Pensei que você só tivesse discos de jazz e música clássica.
- A maioria é, mas nada como um bom rock n roll/blues para esses momentos.
Ela somente sorriu satisfeita diante disso que ele respondeu. Percebendo que a música estava chegando ao final, Nicolas a conduziu para cama e colocando seu corpo entre as pernas dela, penetrou num gesto que no inicio foi um toque delicado e que depois se concluiu num movimento rápido e forte. Sônia respondeu apenas com um suspiro curto, como se tivesse tomando um susto.
A terceira música começava, era Cry Baby. Os movimentos do sexo continuavam acompanhando o compasso da música, quando chegava o refrão, ficavam mais fortes, não só os próprios movimentos como os gritos e gemidos dos dois e a medida que o tom da música ficava mais calmo, eles também se controlavam um pouco. Sônia cedia seu pescoço para que Nicolas o mordesse, ele fazia isso, transitava também sua língua entre os seios dela, sua boca e seus ombros. Mudaram de posição quando mais um refrão se anunciava, ela agora estava por cima e os movimentos estavam mais rápidos e fortes, ele apertava a cintura dela com toda força que tinha.
Era linda a visão daquela mulher em cima dele, parecia uma deusa ancestral que conduzia aquele mero mortal com extrema perfeição. Isso significava para ele, estar unido não somente com Sônia, mas com um todo, parecia viver um momento de transe e talvez de fato estivesse. Seus gemidos juntos com os dela formavam uma harmonia perfeita. Nicolas sentou-se, agora acariciava lhe o rosto, passava as mãos em seus cabelos e ela devolvia os carinhos. A próxima música virou no tocador, era Get It While You Can. Nessa posição de fato, pareciam unidos, agora ela gritava mais do que ele, talvez porque o sentisse por completo. Transavam tão forte nessa hora que as estruturas da cama tremiam bastante, a fisionomia do rosto dela parecia refletir dor e satisfação. Gritava com os olhos fechados com o rosto inclinado para o teto e de vez em quando, voltava-o na direção de Nicolas, com um olhar que parecia devorá-lo. Não se sabe se o que chegou primeiro foi a próxima música ou orgasmo deles, ambos muito belos. Seus corpos se contorceram, como se tivessem sendo eletrificados, cravaram as unhas nas costas de ambos e mesclaram suas vozes num último gemido roco que esvaiu suas energias.
Deitaram ao lado um do outro, ambos olhando para o teto e de mãos dadas, a última música daquele lado do vinil era Maybe. Os dois quando escutaram a música, abriram sorrisos largos, como duas flores brancas desabrochando num escuro jardim e no mesmo instante suas pétalas voam na direção uma da outra. Não tardou para que adormecessem antes mesmo que a música acabasse. Por estarem dormindo não perceberam que a agulha não voltou automaticamente e por isso continuou chiando, arranhando o final do vinil.


Sônia despertou, estava bastante suada pelo calor que fazia ali. Continuou deitada e observou todo aquele quarto, bastante simples. Olhou para o lado e viu Nicolas nu, deitado de bruços, roncando levemente, quase inaudível. Observava agora a si mesma, olhou entre suas pernas e um pouco do sêmen dele escorria dali. Como fizera aquilo? Como transou sem camisinha com um homem desconhecido? Mas não se tratava somente disso, ela tomava remédio e muitas outras pessoas cometem esse tipo de atitude. A questão era que homem estava ali. Depois de tudo aquilo que ela assistiu no bar, mesmo assim Sônia estava ali. Levantou-se, vestiu sua calcinha e caminhou até a sala. Percebeu a agulha arranhando no tocador de vinil e desligou o aparelho. Pegou o celular na sua bolsa e viu que tinha várias chamadas não atendidas de Júlia e também da sua mãe.
O que ia dizer pra elas? Poderia inventar uma mentira. Pra sua mãe, dizer que dormiu na casa de Júlia e pra esta, dizer que foi pra casa logo depois que eles foram embora e que pegou no sono e não viu as ligações. Mas sua mente estava nebulosa. Ter dormido com aquele homem transgredia uma certa moral que Sônia tinha até então, mas ela mesmo já vinha colocando essa moral em cheque há algum tempo. De repente, sua mente passou a operar friamente. Naquele caso era fácil, ninguém sabia que estava ali e quem era aquele homem? Se quisesse no mesmo instante sufoca-lo com um travesseiro, provavelmente demorariam bastante a descobrir o corpo, pois parecia que ele não tinha ninguém. Será que não tinha mesmo? De acordo com a intuição dela, não.
Mas então, do estado de frieza sua cabeça subitamente voltou-se para uma angústia dilacerante. O passo seguinte estava dado, mesmo que secreto estava dado. E se esse homem começasse a querer se encontrar com ela frequentemente? Pior ainda: e se ela é que quisesse isso? E se ele a rejeitasse? E caso não. E se os dois quisessem estar um com o outro, como seria lá fora? Aí todo o segredo cairia por água abaixo. Mas pra quem tinha chegado até ali, por que não continuar? Qual era a diferença? A opinião alheia? “Que se foda a opinião dos outros”, pensou ela.
Foi até a cozinha, abriu a geladeira e visualizou uma garrafa de vinho tinto. Tirou a rolha que estava fácil de ser removida, procurou um copo por ali e encheu. Virou de uma vez e tornou a encher. Sentiu frio, lembrou nesse momento que estava só de calcinha e observou que a janela da sala estava aberta. “Quando que ele abriu essa janela? Quando veio colocar a música? Ou ela sempre esteve aberta?”.
Com o copo na mão voltou para o quarto. Olhou para a cama, Nicolas estava praticamente na mesma posição. Sônia então se aproximou mais da cama, bebeu um pouco mais do vinho e mais uma vez perdida em seus pensamentos lembrou-se que uma pequena atitude, mesmo que não seja errada, pode significar muita coisa, ela já havia passado por isso antes. Geralmente a decisão sobre tal atitude aparece subitamente e você tem que decidir ali na hora, se falar não, provavelmente será uma oportunidade que nunca mais voltará, e sua vida continuará calmamente. Mas caso diga sim, essa mesma vida pode ter todas suas estruturas mandadas pelos ares e as vidas das pessoas em sua volta também. Quando esse momento de decisão apareceu pra ela, titubou bastante, mas acabou no fim dizendo não.
Voltando a si, recuou e encostou seu corpo na parede e terminou de beber o vinho. Nesse instante conseguiu lançar um olhar tanto para a cama como para a porta do quarto praticamente ao mesmo tempo. Suspirou e fechou os olhos, dando um passo adiante...


Nenhum comentário: