Depois que os outros
partiram, Nicolas já pulou para uma cadeira da mesa de Sônia, pegando a sua
cerveja, que a garçonete já havia trago algum tempo, e o seu copo. Encheu o
copo dele e perguntou se ela queria, sendo que provavelmente a cerveja já
estava quente.
- Não, não quero não.
Eu já to meio bêbada, vou ficar de boa agora.
- Entendi, faz bem. Mas
que bom que você ficou, de fato deu pra notar que você estava reagindo de uma
maneira de diferente dos outros. Pois bem Sônia...
- Nossa, você lembra do
meu nome? – disse Sônia interrompendo-o.
- Claro que lembro.
Você foi a moça que me emprestou o isqueiro e que por sinal, pedi só para poder
puxar conversa com vocês.
- Olha! Então quer
dizer que a Júlia estava certa – disse isso finalmente sorrindo. De todos os
fatos narrados aqui, entre todos, Júlia era a que sempre permanecia mais séria –
e eu recriminando ela por pegar no seu pé.
- Mas com certeza, de
todos vocês ela foi a que mais implicou comigo. E que língua afiada que ela tem
hein. Caramba, aquela garota parece viver na ofensiva.
- É, ela é bem arisca
mesmo. Mas ela é uma pessoa maravilhosa, você tem que ver quando ela está mais
bêbada, ela vira um amor só. Não fala coisa com coisa e vive caindo – terminou
dizendo isso soltando uma risada curta porém muito espontânea e gostosa, Nicolas
também não se conteve e respondeu com o mesmo gesto.
- Mas como eu ia
dizendo Sônia, por que é que você não me diz o que se passa aí nessa sua
cabeça? O fato de você ter ficado aqui comigo me deixou bastante intrigado.
Vai, me fala. Me diz também o que você achou de todo o meu discurso eloquente?
– olhava pra ela com olhos de fascinação. Era uma garota muito bonita, com um
corpo bastante sensual, apesar da saia que ela usava não deixar ele visualizar
bem como era suas pernas. Mas com uma cruzada de pernas que ela deu, pode
perceber que tinha cochas grossas que pareciam ser bastante firmes. Quando
sorria formavam em suas bochechas duas pequenas covinhas, o sorriso era
pequeno, porém muito brilhante. Cabelos negros, olhos negros, muito vivos e
compenetrados. Toda aquela mulher era adornada por movimentos leves e sutis,
mas não delicados, eram firmes, só aconteciam em momentos muito precisos.
- Nossa! – exclamou ao
reparar tudo isso.
- Que?
- Nada não. E aí, você
não vai responder as coisas que te perguntei?
- Então ou.
Sinceramente eu acho que faz sentido muita coisa que você falou, só não
concordo muito da maneira como você falou. Mas tipo assim, isso tem me deixado incomodada
já faz algum tempo sabe? Por que tipo assim, são meus amigos sabe e eu gosto de
estar com eles e eu acho que muita coisa que eles fazem é boa, mas tem outras
que é foda, entende? E tipo assim, quem sou eu pra julgar também? Mas é isso,
sei lá, eu acho que to meio perdida no meio de tudo isso, às vezes eu olho e
não sei pra onde ir, o que fazer. Mas eu quero mudar as coisas sabe, eu sei que
precisa mudar, é por isso que eu tento, que eu me organizo coletivamente, mas
sei lá, as vezes parece tão distante. Ai... – parou e soltou um suspiro – e
tipo assim, parece tão distante por causa das próprias pessoas, as mesmas que
querem mudar as coisas, eu também devo fazer muita coisa errada, sei lá – mais
um suspiro.
Após ouvir tudo isso, a
fisionomia do rosto de Nicolas começou a mudar mais uma vez, estava ficando
parecido com a mesma de quando ele estava discursando energicamente em pé para
ela e seus amigos, isso de uma certa maneira assustava Sônia e lhe causava um
pequeno aperto no peito, talvez por medo.
- E se tudo isso fosse
uma grande bobagem Sônia? Tudo o que eu disse até agora, tudo que você acabou
de dizer – ele já estava mais uma vez dominado por aquela fisionomia
extremamente eufórica – Talvez minha querida a maior armadilha que a humanidade
criou a si mesma foi ter entre aspas, “evoluído” – disse isso simbolizando com
os dedos o sinal de aspas – Porque acabamos desenvolvendo a capacidade de
pensar sobre o próprio pensamento e consequentemente isso acaba nos colocando
em um estado de agonia eterna. Por que no fundo Sônia, pouco importa, a
natureza e o universo estão cagando e andando para todas as nossas questões
filosóficas. Num futuro distante por mais que alcancemos o comunismo, o
perfeccionismo, um dia o sol vai explodir e aí tchauzinho pra humanidade.
- Mas quem sabe a gente
não se desenvolva tanto que consiga migrar para outra constelação.
- Há! Que perspicaz
você Sônia. Eu ainda não perguntei, mas afinal que curso você faz?
- Eu faço filosofia e
você o que faz da vida?
- Filosofia, sim
filosofia. Não ensinam essas coisas no curso não é Sônia?
- Na verdade ensinar eu
não sei, mas tem matérias sim que falam sobre, na verdade a maioria, só que de
um modo diferente. Mas e aí o que você faz da vida?
- Eu vivo de bicos. É
essa a lógica atual do mundo meu bem, empregos temporários, mas ficar de olho e
se ligar no time deles, que quando
acaba um você consegue outro.
- E onde você aprendeu
todas essas coisas?
- Eu também já fiz
faculdade um dia. Cursei direito provavelmente na mesma universidade que vocês,
na pública.
- E você nunca pensou
em seguir na área? O que aconteceu? Você criticou a gente, mas parece ter vindo
da classe média também.
- Acho que não tão
média assim, não tinha carro como vocês, dificilmente grana pra ir no bar com
os amigos, se bem que eu não tinha muitos amigos... Mas caramba Sônia! A gente
está se desviando do foco, a minha vida não importa, o que importa são as
questões sobre as quais a gente estava dizendo.
- Humn sei, dá pra ver
que você é meio fechado né.
- Menina, menina. Enfim,
pra finalizar: mesmo sabendo que tudo isso um dia vai explodir e que não temos
a certeza se vamos conseguir migrar pra uma outra galáxia ou não, a questão é
que enquanto isso temos que tentar viver o melhor possível, não é? E com
certeza o capitalismo não é a melhor pra isso? Mas o que fazer então? Me diz
Sônia o que fazer?
- Sei lá. To começando
a achar que você fala de mais e reproduz tudo o que critica.
- Provavelmente, mas
acho que somente em partes, mas quem não? Somente aqueles que não criticam né.
Mas é isso! Pra que criticar Sônia? O negócio acho que é dar o passo seguinte,
fugir dos planos perfeitos, parar de querer ter a resposta, mas agir, agir no
sentido de viver melhor, de que todos vivam melhor. Eu acho que nós dois demos
o passo seguinte Sônia, eu não seguindo minha carreira, você só pelo fato de
ter ficado aqui, boicotando essa porra toda. Até aonde a gente pode chegar?
Agir livremente sem moralismos, até onde você consegue ir Sônia?
- Nossa, tem hora que
você fala muito confuso. Não sei se eu to entendo. Mas sei lá, eu acho que é
isso sabe, ter paciência e ir tentando do jeito que der, parar de perder tempo
falando mal dos outros, enfim fazer o que acha certo fazer.
- Você se sente atraída
por mim Sônia? Antes que você ache que tentei dar um golpe de mestre machista,
não estou me referindo a uma questão sexual, mas sim enquanto personalidade.
Você se sente atraída pela minha personalidade Sônia? Eu sinceramente achei a
sua espetacular, acho que conseguimos desenvolver uma intimidade um com o
outro, não profunda porque isso leva tempo, mas um laço íntimo interessante.
Acho que a questão sexual deve ser meramente consequência disso tudo entre as
pessoas.
O rosto da garota
ruborizou. Olhando pra ele apesar de ter mais idade, dava pra notar que ainda
era um homem bonito, mas não era essa a questão. Uma grande quantidade de
sentimentos confusos girava em sua cabeça, enquanto eles falavam tudo isso,
continuavam bebendo e bebendo rápido e a medida em que as cervejas iam acabando
os garçons iam trazendo outras.
- Mas então você quer
que eu transe com você? – disse Sônia inesperadamente.
- Não, claro que não, aliás,
acho que depende – era ele agora que estava embaraçado e isso causava certa
satisfação nela, por finalmente tê-lo deixado assim.
- Ah, deixa isso pra lá
– respondeu ela.
Os dois ficaram calados
durante algum tempo, ambos olhando para o chão.
- Talvez eu esteja
muito mais perdido do que você Sônia. Olha pra mim Sônia, com certeza não tem
ninguém aqui nesse bar parecido comigo. As vezes dar o passo seguinte acaba nos deixando
bastante isolados. Toma muito cuidado com tudo isso.
- Ué, então você está
descartando tudo o que acabou de dizer – respondeu ela num tom de indignação.
- Não, claro que não, é
só que às vezes todas essas decisões malucas pesam, mas o que é que não pesa
nessa vida né?
- Pois é.
- Quer saber, tá afim
de dar mais um passo? – disse Nicolas recuperando suas energias – que tal parar
de escutar essas porcarias de música e ouvir algo decente, aliás algo decente
ainda mais em vinil.
- Nossa! Aí sim hein,
onde?
- Lá em casa. Eu tenho
uma coleção interessante de vinis lá. A maioria de música clássica e jazz, qual
você prefere?
Sônia titubeou ao ouvir
aquela proposta. O aperto de medo em seu coração estava maior naquele momento,
mas como uma fagulha tomou uma decisão dentro de si sem pensar muito nas
consequências, parecendo que sua boca agiu mais rapidamente do que seus
próprios pensamentos.
- Eu prefiro jazz, mas
se a gente for tem que ser agora então.
Nicolas já se levantou
pegando a comanda para poder pagar a conta, ela só apanhou a sua bolsa e foi
atrás dele e foram até o balcão e acertaram o que tinha que acertar.
- Você tá de carro?
Nicolas apenas sorriu
dizendo com a cabeça que não.
- Então a gente vai no
meu. Vem tá aqui bem pertinho.
E realmente estava. Não
demoraram nem dois minutos para chegarem e entrarem no carro.
- Já vou colocar uma
pra gente ir aquecendo então – colocou então o álbum My Favorite Things de John
Coltrane.
- Uau! Esse álbum é
maravilhoso, um dos meus favoritos dele – ambos riram com esse comentário por
causa do próprio nome do álbum – é um som muito educado e extremamente
relaxante.
- Nossa com certeza, eu
adoro ele também. Ou você tem que me guiar até onde é sua casa, é aqui perto?
- É sim, é ali no Santa
Maria, você pode fazer o contorno, pegar a Belarmino para poder cair na João
Naves, dae depois do posto você desce e algumas pra baixo você vira, a hora que
for pra virar eu te aviso, dae anda só mais um pouco e a gente chega.
E assim aconteceu, não
demoraram nem dez minutos para chegarem à casa dele. Era uma casa de portão
bege, porém em várias partes a tinta já estava descascada. O muro era de tinta
branca, mas também havia várias manchas escuras no mesmo. Entraram e após o
portão havia uma pequena garagem e no fundo dela uma porta pintada também de
tinta bege e também descascada que dava acesso à sala. Pelos ornamentos da
porta e quando entrou na sala, Sônia pode notar que devia ser uma casa um pouco
antiga, provavelmente construída na década de 80, ao menos os ornamentos
indicavam isso e parecia que fora reformada poucas vezes. Era pequena, a cozinha
era separada da sala apenas por um balcão.
- Posso ir ao banheiro?
- Claro. Fica dentro do
quarto, é só virar aqui a direita que você vai ver a porta do quarto e lá
dentro se você olhar a esquerda você vai ver a porta que dá acesso ao banheiro.
Sônia se dirigiu ao
banheiro e antes de entrar nele não pode deixar de reparar no quarto. Continha
apenas uma cama de casal, com lençóis bastante amarrotados e dois travesseiros
bem gordos, todos na cor verde escuro, um guarda-roupas pequeno e uma
escrivaninha do lado da cama. Entrando no banheiro viu que era todo azulejado
na cor azul, aquilo causava até um impacto na visão. Viu também que apesar de
pequeno estava bastante limpo e pensou “bom, ao menos com a higiene, ele não é
um porco”. Fez a sua toalhete e saiu deparando-se com Nicolas, parado em pé,
olhando fixamente pra ela. Aquele olhar era penetrante, fazia com que ela se
fixasse nele, parecia que seus olhos vasculhavam o íntimo dela. Isso fez com
que Sônia lembrasse toda a situação diferente em que estava. Provavelmente
nunca vivera algo parecido e isso causava cócegas internas nela ao mesmo tempo
aquele aperto no peito ainda permanecia.
Nicolas então lhe puxou
pela cintura, sua mão era grande e grossa. Isso fez com que ela soltasse um
grito fino e praticamente inaudível e antes que terminasse o mesmo ele a
beijou. Ambas davam beijos de extrema gana e desejo, mordiam com força a boca
do parceiro de uma maneira que podia sangrar, mas não chegava a acontecer.
Entrelaçavam suas línguas com voracidade e intercalavam esses momentos de força
com momentos em que apenas ficavam parados abraçados, se olhando e ofegantes. A
troca de olhares entre eles parecia que servia de combustível para que
voltassem a se devorar e logo para além dos beijos, começaram a beijar também
os pescoços um dos outros dando mordidas e às vezes uns chupões bem forte.
Foi questão de tempo
para que Nicolas descesse do pescoço de Sônia para os seus seios e quando
começou a beijar e a morder eles na região do decote dela puxou com força para
baixo a blusa revelando assim os dois seios de Sônia. Eram grandes e firmes, os
mamilos pequenos e roxeados, logo Nicolas passou a beijá-los também, chupava-os
com uma força que ia crescendo progressivamente e intercalava com carinhos com
sua língua. Nisso Sônia começou a soltar pequenos gemidos, passou a mão nos
cabelos dele puxando com força para trás, de uma maneira que ele olhou para
cima fitando novamente o olhar dela.
Ela então se afastou e
começou a tirar toda roupa, ele fez o mesmo, eram lindos os dois nus ali se
olhando, mas isso já não importava mais. Voltaram aos beijos vorazes e Nicolas
a jogou sobre cama, começando a lhe fazer sexo oral não com a mesma pungência,
mas bem de vagar. Os gemidos dela iam crescendo, mas de repente ele parou.
- Não! Por que você fez
isso? Continua – perguntou ela, mesclando indignação e graça.
- Vou colocar uma
música pra gente. Desculpa, espera só um pouco – respondeu limpando um pouco a
boca. Então levantou da cama, de pé, olhou mais uma vez pra Sônia, ela
respondia seu olhar e mordiscava os lábios. Antes de sair do quarto, Nicolas
apagou a luz, o que deixava a garota mais ansiosa ainda.
Na escuridão e passando
suas mãos pelos lençóis que estavam um pouco gelados, Sônia escutou os
primeiros ruídos de um aparelho de vinil sendo ligado e de quando a agulha está
para cair sobre o disco. Quando o disco começou a tocar, percebeu que era um
disco da Janis Joplin e a primeira música era Piece of My Heart. A música
tocava e Nicolas não retornava ao quarto, percebendo isso ela já estava ficando
impaciente.
- Ei! Você morreu aí?
Foi abduzido? – Perguntou Sônia.
Acabando de dizer isso,
a segunda música do disco começou, era Summertime, ouvindo os ruídos dos passos,
notou que Nicolas voltava ao quarto e parou na beira da cama. Ela se arrastou
até lá, ele a puxou e ficaram os dois juntos de pé, beijavam-se e faziam
carícias no mesmo compasso da música.
- Pensei que você só
tivesse discos de jazz e música clássica.
- A maioria é, mas nada
como um bom rock n roll/blues para esses momentos.
Ela somente sorriu
satisfeita diante disso que ele respondeu. Percebendo que a música estava
chegando ao final, Nicolas a conduziu para cama e colocando seu corpo entre as
pernas dela, penetrou num gesto que no inicio foi um toque delicado e que depois
se concluiu num movimento rápido e forte. Sônia respondeu apenas com um suspiro
curto, como se tivesse tomando um susto.
A terceira música
começava, era Cry Baby. Os movimentos do sexo continuavam acompanhando o
compasso da música, quando chegava o refrão, ficavam mais fortes, não só os
próprios movimentos como os gritos e gemidos dos dois e a medida que o tom da
música ficava mais calmo, eles também se controlavam um pouco. Sônia cedia seu
pescoço para que Nicolas o mordesse, ele fazia isso, transitava também sua
língua entre os seios dela, sua boca e seus ombros. Mudaram de posição quando
mais um refrão se anunciava, ela agora estava por cima e os movimentos estavam
mais rápidos e fortes, ele apertava a cintura dela com toda força que tinha.
Era linda a visão
daquela mulher em cima dele, parecia uma deusa ancestral que conduzia aquele
mero mortal com extrema perfeição. Isso significava para ele, estar unido não somente
com Sônia, mas com um todo, parecia viver um momento de transe e talvez de fato
estivesse. Seus gemidos juntos com os dela formavam uma harmonia perfeita. Nicolas
sentou-se, agora acariciava lhe o rosto, passava as mãos em seus cabelos e ela
devolvia os carinhos. A próxima música virou no tocador, era Get It While You
Can. Nessa posição de fato, pareciam unidos, agora ela gritava mais do que ele,
talvez porque o sentisse por completo. Transavam tão forte nessa hora que as
estruturas da cama tremiam bastante, a fisionomia do rosto dela parecia
refletir dor e satisfação. Gritava com os olhos fechados com o rosto inclinado
para o teto e de vez em quando, voltava-o na direção de Nicolas, com um olhar
que parecia devorá-lo. Não se sabe se o que chegou primeiro foi a próxima
música ou orgasmo deles, ambos muito belos. Seus corpos se contorceram, como se
tivessem sendo eletrificados, cravaram as unhas nas costas de ambos e mesclaram
suas vozes num último gemido roco que esvaiu suas energias.
Deitaram ao lado um do
outro, ambos olhando para o teto e de mãos dadas, a última música daquele lado
do vinil era Maybe. Os dois quando escutaram a música, abriram sorrisos largos,
como duas flores brancas desabrochando num escuro jardim e no mesmo instante
suas pétalas voam na direção uma da outra. Não tardou para que adormecessem
antes mesmo que a música acabasse. Por estarem dormindo não perceberam que a
agulha não voltou automaticamente e por isso continuou chiando, arranhando o
final do vinil.
Sônia despertou, estava
bastante suada pelo calor que fazia ali. Continuou deitada e observou todo
aquele quarto, bastante simples. Olhou para o lado e viu Nicolas nu, deitado de
bruços, roncando levemente, quase inaudível. Observava agora a si mesma, olhou
entre suas pernas e um pouco do sêmen dele escorria dali. Como fizera aquilo?
Como transou sem camisinha com um homem desconhecido? Mas não se tratava
somente disso, ela tomava remédio e muitas outras pessoas cometem esse tipo de
atitude. A questão era que homem estava ali. Depois de tudo aquilo que ela
assistiu no bar, mesmo assim Sônia estava ali. Levantou-se, vestiu sua calcinha
e caminhou até a sala. Percebeu a agulha arranhando no tocador de vinil e
desligou o aparelho. Pegou o celular na sua bolsa e viu que tinha várias
chamadas não atendidas de Júlia e também da sua mãe.
O que ia dizer pra
elas? Poderia inventar uma mentira. Pra sua mãe, dizer que dormiu na casa de Júlia
e pra esta, dizer que foi pra casa logo depois que eles foram embora e que
pegou no sono e não viu as ligações. Mas sua mente estava nebulosa. Ter dormido
com aquele homem transgredia uma certa moral que Sônia tinha até então, mas ela
mesmo já vinha colocando essa moral em cheque há algum tempo. De repente, sua
mente passou a operar friamente. Naquele caso era fácil, ninguém sabia que
estava ali e quem era aquele homem? Se quisesse no mesmo instante sufoca-lo com
um travesseiro, provavelmente demorariam bastante a descobrir o corpo, pois
parecia que ele não tinha ninguém. Será que não tinha mesmo? De acordo com a
intuição dela, não.
Mas então, do estado de
frieza sua cabeça subitamente voltou-se para uma angústia dilacerante. O passo
seguinte estava dado, mesmo que secreto estava dado. E se esse homem começasse
a querer se encontrar com ela frequentemente? Pior ainda: e se ela é que
quisesse isso? E se ele a rejeitasse? E caso não. E se os dois quisessem estar
um com o outro, como seria lá fora? Aí todo o segredo cairia por água abaixo.
Mas pra quem tinha chegado até ali, por que não continuar? Qual era a
diferença? A opinião alheia? “Que se foda a opinião dos outros”, pensou ela.
Foi até a cozinha,
abriu a geladeira e visualizou uma garrafa de vinho tinto. Tirou a rolha que
estava fácil de ser removida, procurou um copo por ali e encheu. Virou de uma
vez e tornou a encher. Sentiu frio, lembrou nesse momento que estava só de
calcinha e observou que a janela da sala estava aberta. “Quando que ele abriu
essa janela? Quando veio colocar a música? Ou ela sempre esteve aberta?”.
Com o copo na mão
voltou para o quarto. Olhou para a cama, Nicolas estava praticamente na mesma
posição. Sônia então se aproximou mais da cama, bebeu um pouco mais do vinho e mais
uma vez perdida em seus pensamentos lembrou-se que uma pequena atitude, mesmo
que não seja errada, pode significar muita coisa, ela já havia passado por isso
antes. Geralmente a decisão sobre tal atitude aparece subitamente e você tem que
decidir ali na hora, se falar não, provavelmente será uma oportunidade que
nunca mais voltará, e sua vida continuará calmamente. Mas caso diga sim, essa
mesma vida pode ter todas suas estruturas mandadas pelos ares e as vidas das
pessoas em sua volta também. Quando esse momento de decisão apareceu pra ela,
titubou bastante, mas acabou no fim dizendo não.
Voltando a si, recuou e
encostou seu corpo na parede e terminou de beber o vinho. Nesse instante
conseguiu lançar um olhar tanto para a cama como para a porta do quarto
praticamente ao mesmo tempo. Suspirou e fechou os olhos, dando um passo
adiante...
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