Alicerces do Tempo
Capítulo 1 - Ventos de Agosto
Era início de setembro de 1959, o céu estava num tom azul clarinho e
intenso. Os ventos de agosto ainda sopravam como se não quisessem dar
vez à primavera que se aproximava. A família Santos vivia mais um dia de
sua rotina humilde e feliz. O pai, seu Geraldo, sertanejo de Arcoverde,
homem de bem e pedreiro de mão cheia, nunca deixava faltar nada em casa
e cuidava bem da esposa, dona Marlene, grávida e de seus três filhos,
Vicente de 14 anos, Vilma de 12 e Valter de apenas cinco. “O que vem se
for menino vai ser Valdir e se for menina, Marlene quer o nome de
Valéria. Com saúde é que importa”, dizia ele radiante aos conhecidos, ao
imaginar como seria a criança que sua senhora trazia no ventre.
A
propriedade era modesta, mas caprichada. Tratava-se de um terreno de
bom tamanho, cerca de 20x20, fruto de uma invasão mesmo, que findou
formando uma rua. Afinal, na época muita gente fez isso e com eles não
foi diferente. Tinha bom solo, quase às margens do rio Morno, braço do
Beberibe, onde vez por outra os moleques da região pescavam piabas para
assar na lenha e catavam betas para servirem de gladiadores em garrafas
com água.
A
casa, seu Geraldo tinha construído com as próprias mãos, sem dispensar é
claro, a mão de obra de seu fiel ajudante Lourival, um rapaz meio leso
que viera de Gravatá sem eira nem beira, procurar trabalho em Recife.
Seu Geraldo o acolheu em casa por um tempo até ensinár-lhe o suficiente
para que participasse de suas empreitadas, além de fazer vez por outra,
alguns bicos por conta própria em troca de uns cruzeiros.
A
construção tinha apenas dois quartos, mas a sala espaçosa compensava.
Tinha também um banheiro largo e cozinha caprichosa, que aproveitava
toda a luz do Sol que pudesse passar pelos combogós. Atrás da casa, seu
Geraldo ainda plantou uma muda de aroeira. “é pra fechar talho”, dizia
ele destacando a propriedade cicatrizante da planta. Já no terreno
restante da frente, permaneceu a sombra presenteada pela velha mangueira
que já existia no local.
Numa
manhã rotineira, quando os primeiros raios de sol se espremiam pelas
brechas da janela do quarto, o cheiro do café quentinho já tomava conta
de toda a casa. Na verdade à mesa já estava posto um belo cuscuz feito
no bafo ao fogo de lenha e banana cozida, comprada na banca do
verdureiro que negociava na Praça da Convenção e pão comprado na barraca
de seu Martiniano. O leite era fresquinho e trazido na porta de casa,
oriundo de uma criação em Linha do Tiro.
Enquanto
seu Geraldo se preparava para o trabalho, Vicentinho dava um pulo da
cama acordando os outros, pois dormiam todos juntos. O caçula, Valtinho
ainda resistia catando sono, mas a fome fazia a vez.
Então
dona Marlene tomava uma boa fatia do cuscuz macio, ainda fumaçando e
despejava no prato de cada um, decorando com uma boa colherada de
manteiga, que derretia lentamente ensopando a massa. Vicentinho ficava
olhando o pai comer. Tamanha era a admiração daquele menino, que se
esquecia de olhar para o próprio prato como se esperasse autorização.
Quando seu Geraldo percebia e o encarava, Vicentinho sorria e seu
Geraldo franzia a testa dizendo: “coma que vai esfriar”. Só assim o
menino dava as primeiras garfadas, enquanto seus irmãos já se
esbaldavam. Ele sabia o quanto era trabalhador, honesto e dedicado
aquele pai e quanto era amado por ele, ainda que o mesmo não
demonstrasse a todo o momento. Ele sabia, sentia.
Ivo Costa
icostalivro@gmail.com
Um comentário:
Adorei a narrativa. Lembrou-me muito meu pai Ruy e meu tio Rajo, irmão de meu pai. A forma que você utiliza para narrar não deixa escapar os detalhes. Muito bom. Adorei ler.
Parabéns.
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