segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A geladeira desligada

As janelas fechadas faziam entrar uma luz difusa do fim da tarde. Não havia ninguém vivendo ali. Os móveis também já não estavam.

A casa vazia se percebe pela geladeira desligada, pensou. Olhou por uns segundos antes de abrir. Aberta, contemplou as prateleiras vazias. Nenhum sinal de vida.

Fechou os olhos e tentou sentir o cheiro da comida no fogão. Não havia cheiro ou fogão. Só um espaço vazio.
Insistia na procura. Procurava por alguma coisa esquecida. Havia muitas.

Pequena, puxou o banco e subiu. Abriu o armário: pratos, copos, um escorredor. Tudo empoeirado. Pensou que o armário não impedia a poeira do tempo. Concentrando-se de novo na busca, não achou nenhum eletrodoméstico.

Não estava lá.

Desceu do banco e procurou embaixo da pia.

Um liquidificador. Pegou, organizou as coisas sobre a pia e ligou na tomada. Apertou o pulsar.

Pulsava.

Pensou em colocar gelo, cachaça e suco de frutas. Mas a geladeira estava desligada, não havia gelo. Cachaça, só no bar da esquina. E suco de frutas nunca havia entrado naquele apartamento.

Imaginou um milkshake. Mas lembrou da geladeira desligada. E leite, se houvesse, estaria azedo.

Melhor seria colocar ali a geladeira desligada, que parecia tão diferente iluminada por aquela luz difusa. Ou todas as suas mágoas. Sem escolher muito, decidiu pelas mágoas: a geladeira não caberia. Teve medo de transbordar. Apesar disso, ligou o liquidificador.

Mas não aconteceu nada.

As mágoas não poderiam ser trituradas. Até tentou.

Então, decidiu enfiar a mão na lâmina que girava.

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