Robisson
Sete
Já há
alguns anos os cronistas esportivos apontam que a crescente especulação
imobiliária nas cidades brasileiras vem produzindo um efeito nocivo na formação
de novos atletas e jogadores de futebol, devido ao desaparecimento dos diversos
campinhos de várzea espalhados pelos terrenos baldios das, principalmente,
periferias do país.
O fim
do toque sutil na bola, do drible matemático e da ginga de quem joga descalço
arrancando a tampa do dedão ao tentar uma finta ou um elástico, é imposto,
invisivelmente, a todo o tempo em contraponto de um treinamento mecânico e
moderno. Essa nova lógica vem interferindo diretamente no rendimento e no
próprio talento concentrado da juventude esportista. Sem os campos de várzea
mais garotos buscam as escolhinhas “profissionais” e um certo tipo de homogeneização
no tratamento dos fundamentos e da técnica é dado. Antes de sentirem as
intempéries e dificuldades do futebol amador, os garotos já são incensados a
mini-profissionais e, enfim, um bundamolismo futebolístico se implanta na identidade
desses atletas, tão jovens e já tão desprovidos, muitas vezes, tão cedo, de
chama e de alma.
Enfim,
futebol no ‘país do futebol’, é uma religião composta de amores, ódios,
futricas e disse-me-disses, fogo-amigo e muita gaitada. E violência desmedida
também, nas últimas décadas principalmente, e dinheiro, muito dinheiro.
Falo
sobre o futebol para poder falar de arte. Pois o que quero tratar nesse texto,
na verdade não é sobre o esporte bretão, mas sim sobre os últimos suspiros da
mítica República Maloca, situada na antiga Rua Nove no bairro Santa Mônica, bem
em frente ao portão da UFU na Avenida Segismundo Pereira.
Essa
república que tem, mas há controvérsias, por volta de quinze a vinte anos de
existência e que já abrigou tantas e diversas almas; estudantes, professores,
artistas, músicos, poetas, malucos de toda estirpe, bandas, coletivos
artísticos e políticos e nos últimos tempos, também fanáticos jogadores de
videogame, chega ao fim. Será demolida, juntamente com a antiga casa ao lado,
para que no espaço dos dois terrenos seja erguido um ‘simpático’ prédio de dois
ou três andares, onde os vizinhos não se cumprimentam pela manhã.
A
especulação imobiliária corrói a cidade e como ocorre com os campos de ‘pelada’
pelo país, realoca os espaços conforme a lógica do capital e do interesse
financeiro. Não é a primeira e nem será a última república ou casa bonita e
espaçosa, com árvores, terra e grama, que será destruída nos arredores da
Universidade Federal de Uberlândia. Mas é que com a Maloca não devia acontecer
isso, não devia acabar, morrer e ficar somente na memória. É um sentimento que
ocorre quando pensamos sobre nossas mães, - “Mãe nunca devia morrer”- devia ser
algo permanente, e até quando estivéssemos velhinhos nossas mães ainda estariam
com trinta e poucos anos nos amparando para a vida cotidiana não nos esvair a
seiva primal, que compõe o homem e a mulher.
Mas infelizmente
não é assim, tanto com nossas mães, como com outros amores. As coisas acabam,
findam, é um processo químico dessa nossa vida no planeta Terra. Quem sabe em
outros mundos, algo possa ser eterno. Aqui, não.
A
Maloca, que ao que parece, ganhou esse nome de seus últimos moradores, nos
quatro ou cinco anos recentes, é como um campinho de várzea artístico e
fervilhante, com sua sala de ensaios, com seu espaço amplo, suas árvores e
sombras, onde, após as aulas, conferências infindáveis sobre conteúdos
acadêmicos foram “digeridos” e debatidos, ao som de Jethro Tull ou de Nelson
Cavaquinho. Onde amores se formaram, e também terminaram, filhos foram gerados,
viagens à Congressos e manifestações foram combinadas, passeios à cachoeiras foram
arquitetados, discussões políticas foram travadas, Coletivos montados, teses de
Mestrados e Doutorado suadas dentro das noites, além do tradicional sexo,
drogas & rocknroll!!!
Tantas
festas que já ocorreram; de aniversário, de fim de ano, de começo de semestre,
pra juntar uma grana pro aluguel, um chá de bebê pros amigos que esperam filhx
que está por vir; de Carnaval, a Festa da Transa, enfim a república sempre foi
um palco aberto pra arte, pra música, para os artistas.
Quem
nunca beijou na boca ou passou um certo tipo de vexame num fim de festa?
Não é
um privilégio da Maloca ser esse espaço tão prolífico em termos de criação,
arte, política e música. Há sim, várias outras repúblicas que percorrem essa
cartilha, mas é que a Maloca é especial, vai acabar e vai fazer falta.
Quem
sabe, os novos moradores, ouvirão misteriosamente, no meio da noite, como que
assentados sobre um antigo cemitério indígena assombrado, risos e gargalhadas,
retumbando nos cômodos.
Serão
nossas vozes ecoando no espaço infinito buscando sempre a expressão, numa festa
interminável. E nenhuma taxa de condomínio ou síndico competente, poderá dar
jeito nisso!
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