quinta-feira, 7 de maio de 2015

À beira da queda


Um bom poema
te pega pela garganta já na primeira linha
subitamente, nas linhas seguintes, como um
boxeador costa-riquenho, te acerta mais dois golpes
a partir disso você se interessa pelo combate
limpa o canto da boca e se torna mais ligeiro e astuto

Seus olhos se fixam nas palavras, seguindo as linhas
e você continua a luta, as pupilas se dilatam
há eletricidade no ar e um zumbido surdo começa a ecoar
no oco de seu crânio, como se abelhas, trêmulas e inquietas
cantassem um novo hino, numa invisível colmeia
dependurada atrás de sua orelha esquerda

As palavras, como um valentão injusto, começam
a golpear, lhe arranham a goela como uma bebida forte e amarga
te acuando num desfiladeiro íngreme, sem saída, à beira da queda
te encurralando enquanto as imagens passam em frente aos seus olhos
como uma manada de animais selvagens fugindo do fim do mundo,
e é como uma febre intensa e você engole seco; são vertigens

Um bom poema
nunca te abandonará,
ele te perseguirá,
te impedirá de saltar a ponte,
de investir na Bolsa de Valores,
de se envolver com Deus

Você poderá morrer abraçado
a um bom poema
ele te guiará ao encontro de Caronte e te impedirá de,
durante a travessia, atirar seu corpo nas águas do rio
ou enfiar sua cabeça dentro do forno e respirar o gás
depois de escrever seu último verso na fria palma da mão

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