De começo foi imperceptível e estranha
infecção, daquelas que espreitam corpos desavisados, trechos não vistos e
períodos decompostos. Amigavelmente, ia atingindo um setor, um membro, daí se
espalhando para todo o corpo. Ou a maior parte dele.
Isto em geral poderia resultar em
uma atividade febril, na suspensão de sensações ou, em casos mais extremos, a
morte do organismo. E os órgãos sabem que morrem coletivamente; o problema
nunca é somente dos outros... Cada um tem sua parcela, a falência individual
acaba tornando-se múltipla. Morrer é fácil, viver é fácil, o difícil é
conviver, como já disse o poeta...
Não que estivesse já nos estertores:
por fora ainda brilhava o lume do uso diário, de aventuras passadas e outras
atividades recentes que sempre refrigeravam, traziam um frescor de vida e
beleza que areja lugares insalubres. Assim como o tifo, aparece quase sem
querer.
Austregésilo do Perpétuo Amparo tremia
convulsivamente no meio da birosca mal ajambrada onde havia se refugiado,
estrofes e parágrafos estragados nas mãos, um sem número de rostos, rodopiando
em sua volta, sussurravam sibilantes: “Lindo”, “Maravilhoso”, “Belíssimo”, fora
os “Bravos” e “Bis”. O pobre sabia estar nu e todos aplaudiam. Austregésilo
tremia e tremia e tremia... Sabia estar infectado com o vírus do elogio
gratuito.
Foi salvo por um ornitorrinco
resmungão, que aplicou-lhe vocabulária vacina:
− Tu não escreveu nada! Não disse
alhos com bugalhos e ainda quer palmas?
O pobre quedou ali sem entender, mas sentindo os tremores cederem,
enquanto o Ornithorhynchus
anatinus saiu gingando no melhor estilo
Bogart e ao som dos maiores sambas da velha guarda barnasiana.
− Sincerol 500 miligramas, direto na veia. O melhor remédio para o
nhe-nhe-nhem...
Austregésilo, de súbito atingido por inclemente chuva de tomates podres,
sentiu que se não estava curado, ia no caminho da cura. E pôs-se a reescrever
tudo aquilo que já havia dito um dia, sem dramas, nem dracmas, nem choro, nem
lágrimas...
* Em homenagem aos 10 anos de Bar do Escritor, um aperitivo publicado na quarta antologia do BdE: Tomo IV.
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