O piano não é óbvio e a
bateria nunca está onde a gente espera que ela esteja
Ele estava realmente animado
com o som daquela banda que conhecera por acaso navegando pela
internet naquela tarde em pleno horário de expediente Quando
comentou com ela não havia pelo menos não conscientemente qualquer
indireta qualquer convite implícito para que eles deixassem a festa
de aniversário do conhecido em comum na qual se encontravam e onde
foram apresentados e zarpassem para o apartamento dele No entanto foi
exatamente isso que aconteceu Ele falou sobre a tal banda porque ela
usava uma camiseta de uma outra banda de que ele também gostava e
cujo som era muito parecido com o som da banda que ele conhecera
naquela tarde Ficou com medo de que ela achasse idiota um sujeito de
vinte e tantos anos tão animado porque conhecera uma banda nova mas
isso não aconteceu Ele também era péssimo em iniciar conversas com
pessoas que recém-conhecera e apontou para a camiseta dela e disse
banda legal Ela encolheu os ombros e disse mais ou menos Então ele
perguntou você curte usar camisetas de bandas que acha mais ou menos
Ela encolheu os ombros outra vez e respondeu mais ou menos Os dois
riram e nada daquilo pareceu forçado Ele comentou sobre a banda que
tinha acabado de conhecer e ela disse nunca ouvi falar e perguntou é
legal Ele preferiu não dar uma resposta direta e disse o piano não
é óbvio e a bateria nunca está onde a gente espera que ela esteja
Ela riu disso também Ela era baixa e muito magra Tinha os cabelos
pretos e lisos e o rosto meio arredondado como se tivesse um gene
oriental perdido em algum ponto do DNA e esse gene de algum modo
ecoasse em seu rosto Ele também era baixo e magro e parecia mais
novo do que na verdade era Os dois parados ali na cozinha enquanto a
festa acontecia na sala Eles eram da mesma altura e usavam roupas
parecidas Jeans e camisetas de bandas e tênis surrados de cores
chamativas Ela não usava maquiagem Ele sim Ela o beijou no momento
em que ele pensou em beijá-la e eles foram embora discretamente como
se tivessem roubado alguma coisa No apartamento dele eles se beijaram
no sofá por um bom tempo ao som da banda cujo som ele conhecera
naquele dia e depois foram para o quarto e transaram O aparelho de
som continuou ligado na sala e do quarto eles ouviam uns acordes
abafados como se tivessem mergulhado em uma piscina Continuaram
deitados na cama depois de terminar embora ela dissesse que precisava
ir ao banheiro Então fizeram de novo e continuaram deitados na cama
depois de terminar embora ela dissesse que não ia poder passar a
noite Mas ela passou a noite mesmo assim Dormiam um pouco e
conversavam e transavam e dormiam mais um pouco No decorrer da noite
eles transavam mais e mais devagar Era como se quisessem desacelerar
o tempo e fazer a noite passar mais devagar ou não passar de forma
alguma Pela manhã ele a acompanhou até a calçada Enquanto o táxi
não chegava eles ficaram um de frente para o outro de mãos dadas e
com as cabeças abaixadas como se estivessem envergonhados mas
estavam apenas felizes As mãos dele se fecharam com as mãos dela
dentro como se ele quisesse aquecê-las Então ele abriu uma das mãos
e ela movimentou os dedos e sorriu para os dedos enquanto os
movimentava quando na verdade sorria para ele Depois ela ergueu a
cabeça e ele também e ela sorriu diretamente para ele e ele soube
Meses depois ela morreria em um acidente de avião e meses e meses
depois ele se casaria com a irmã dela Ou talvez tenha sido com uma
prima não sabemos ao certo
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André de Leones - (Goiânia, 1980) é autor de "Dentes negros" (Rocco) e "Como desaparecer completamente" (Rocco), dentre outros.
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Um comentário:
Viver é meio desse jeito
ou pelo menos deveria SIMPLES ASSIM:
(...)Enquanto o táxi não chegava eles ficaram um de frente para o outro de mãos dadas e com as cabeças abaixadas como se estivessem envergonhados mas estavam apenas felizes (...)
Texto gostoso e história dos que se
per
mi
tem
viver entre sonhos e delírios e o depois
bem esse só pra depois
Bjins
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