Coisa de quase
um mês atrás, tive uma de minhas melhores experiências como escritor. E
divide-se em duas partes. A primeira, da viagem, trato agora. A segunda, de
considerações a respeito e seus desdobramentos, retorno daqui a pouco.
Arrisquei os pés
para fora do Brasil varonil, pela primeiríssima vez, diretamente na maior feira
de livros do planeta. Em Frankfurt. Para quem não havia ido nem ao Paraguai,
isso é uma caminhada e tanto. Ou voo, tanto faz. O legal da coisa foi que pude
levar meus escritos e de vários parceiros (pessoal do Bar do Escritor, Revista
Mitologias do Luiz Augusto de Souza, Histórias dos Sertões de Goiás, de
Herculano Wagner). Claro que tenho que lembrar que isso foi um convite super
bacana da Izaura Franco, da RF Editora.
Sair do árido clima
do Centro Oeste e nossas particularidades enquanto legítimos representantes de
uma nação emergente e desembarcar na calculada organização europeia é, no
primeiro momento, paradoxal. É perceber que as coisas podem e devem seguir um
método, um ritmo constante. Ok, não quero cair aqui na velha e manjada
constatação que “lá fora está tudo beleza e aqui é uma bagunça”. Não, nem
perto.
Mainz |
Mas
perceber as coisas funcionando como um relógio, é legal, bem legal. Pelo pouco
que lá estive e também por não ter andado muito fora do roteiro
“Feira-hotel-hotel-feira-(poucas)compras-hotel”, o aspecto que melhor pude
apreciar foi o do transporte público. É até irônico, vindo de alguém que não
utiliza, em sua própria cidade, deste recurso há uns dez anos, mas tenho que
dar a mão à palmatória: não conseguiria, nem lascando, participar da feira em
Frankfurt estando hospedado em Mainz. Palmas para o excelente serviço prestado
pela DB Bahn, com seus trens e bondes sempre no horário.
Pontualidade de pirar o cabeção. E sem funk no bonde... |
No que tange à
Feira, o negócio lá é mesmo de tirar o chapéu. O espaço da Messe (Feira, em
alemão) foi criado exclusivamente para isso. Há sempre uma feira acontecendo
por lá. Com sua própria estação de metrô, fica fácil de ir dali para qualquer
canto tanto da cidade, quanto nas vizinhanças. Havia stands de diferentes
países, simplesmente uma ONU literária, não sei lá quantos países. E, pelo fato
do Brasil ser o convidado de honra, recebemos visitantes de todas as partes,
fizemos vários contatos, conversamos, literalmente, com o mundo. Mesmo
utilizando meu inglês macarrônico e subnutrido. E ainda aproveitei para aprender
alguma coisa em alemão: Ich bin ein schriftsteller. Cortesia do pessoal do apoio, que nos ajudou pra caramba.
"Lisa, by the way" |
Mas nem tudo foram flores: por ficar sempre no
mesmo roteiro não tive a oportunidade para conhecer melhor a cidade onde estava
hospedado, o que me deu um baita arrependimento no último dia, quando já não
tinha tempo para mais nada: Mainz é simplesmente o berço de Gutenberg, o pai
da imprensa. Lá fica seu museu que não tive tempo de ir... Catzo. É também um
sítio arqueológico dos tempos do Império Romano, além de uma porrada de coisas
legais que não fui. Mas beleza, um dia ainda volto como turista em tempo
integral...
Schiller |
Como havia dito antes,
a segunda é sobre a Feira em si e algumas considerações. A primeira notícia
veio antes mesmo de desembarcar em solo alemão: a desistência da participação
de Paulo Coelho.
Gostos à parte, entendo seu ato, por uma questão
bem pessoal, em se falando da tal lista: já que era para se representar a
literatura brasileira, porque vários estados ficaram sem representação? Não vi o nome de nenhum goiano
na parada, assim como ninguém do Piauí, só para ficar em dois exemplos. Tá,
alguns dirão que é uma questão de representatividade e blá, blá, blá
intelectualóide, mas não vejo como nomes como Miguel Jorge (como lembrou-me
Ignácio de Loyola Brandão quando passou por nosso stand, ao ser informado que
de Goiás só haviam ido eu e a Izaura Franco, assim mesmo no maior estilo “tocando
o f...” com o limite do cartão), Delermando Vieira ou Augusta Faro, possam
estar de fora de uma lista dessas. E, se for para lembrar de prêmios e afins,
ainda temos o Edival Lourenço, que além de ser um dos ganhadores do último
Jabuti (com o Naqueles morros, depois da chuva), ainda é presidente da UBE –
GO. Achei no mínimo injusto com a
terrinha do pequi. Mas toda lista é feita para ser criticada mesmo, ainda mais
quando está em jogo uma viagem por conta como essa...
Sobre a barraco mor
que rolou por lá, acabei perdendo o início: como cheguei no dia da inauguração,
perdi o já famoso e muito debatido discurso do Luiz Ruffato. Só na manhã
seguinte pude chegar lá, mas o debate estendeu-se por toda a semana, com prós e
contras. Pessoalmente, acho que foi muito corajoso em sua postura, mesmo que
para alguns estivesse lavando roupa suja em público. Bateu na canela: somos um
paradoxo. O grande país belo, simpático e ao mesmo tempo violento e cruel. O
pior é que somos mais cruéis com nós mesmos...
Mas nem só de polêmica
foi feita a participação brazuca na parada. Concorridíssimas foram as
participações de Giselle Tigre, soltando o vozeirão (canta muito!), bem como a
palestra do Maurício de Souza. Extremamente simpático, esbanjou simpatia e
carisma. E, putz, deixei-me levar pelos anos e anos de leitura dos quadrinhos
da Tuma da Dentuça (O Cebola sempre foi meu personagem predileto) e vivi meu
momento de fã incondicional. Rolou até uma foto meio espremido ao lado dele,
devido ao acumulo de pessoas. O lado irônico da coisa foi que no outro dia ele
apareceu por lá numas de simples mortal. Aproveitei para apertar-lhe a mão
devidamente e dirigir-lhe o apreço pelo trabalho. Ao saber que era uma de
minhas influências e que acabei escrevendo por ler demais, mandou um “Agora é
com você”. Bem Capitão Planeta.
No frigir dos ovos, o
que conta mesmo é que colocamos a cara à tapa e mesmo levando a parada na
tosquice de inglês de segundo grau, com migalhas de alemão para cá e para lá,
um tanto de mímica, algumas caipirinhas e afins, conseguimos levar um pouco da
cultura de Goiás lá pro Velho Mundo, bem como as letras dos parceiros do BdE e
afins. Agradecimentos ao pessoal do Sebrae-GO que nos salvou com uma das
passagens, caso contrário a ida seria quase impossível, bem como os contatos na
Secult que pavimentaram essa ponte.
Finalizo aqui citando
parte do já falado discurso do Ruffato, só para salientar a dor e a delícia de
ser escritor em terras tupiniquins: “Sucumbimos à solidão e ao egoísmo e nos
negamos a nós mesmos. Para me contrapor a isso escrevo: quero afetar o leitor,
modificá-lo, para transformar o mundo. Trata-se de uma utopia, eu sei, mas me
alimento de utopias.”
fiquemnapaz
P.S.
Não podia deixar de lado uma parada que
acabou rolando por lá:
Homem da Máfia? Não, o homem da pizza... |
Acima é a frente de uma pizzaria que fica em Mainz, a Pizzaria do Dato, um italiano super gente fina. Na primeira noite lá por aquelas bandas, sem saber onde bater um rango, acabamos (depois de errar o endereço umas três vezes) baixando por lá para arrebentar uma pizza, salva vidas em qualquer lugar do planeta. Por conta do papo que fomos trocando com um dos garçons, um português que foi muito bem vindo para o auxílio com os pedidos, ficamos trocando um papo legal assim que a redonda saia. Daí que o dono, o próprio Dato acabou se achegando e, numa mistura de diversos idiomas fomos falando sobre todas as paradas. Ainda sob efeito da longa viagem e da mistura de sons, Izaura ficava meio à parte da conversa, que nessa hora roda entre times de futebol e a maldição do Paolo Rossi em 1982.
Vai que para estreitar
laços acabei perguntando ao italiano de onde ele vinha na bota.
─ Sicilia! ─ respondeu esfuziante, com o
característico sotaque.
─ A terra da
Máfia? ─ Izaura interveio.
─ Non ─ respondeu Dato, didático ─ La Máfia está em Brasília, capiche?
Tive nem como
discordar...
2 comentários:
Dá-lhe Cris!!!
hahaha.
sim, mas aqui em brasília se chama maPThia.
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