—
Matilda, faz tempo que eu não vejo a Carminha, por onde
ela anda? – perguntou Fifi enquanto se alojava em sua cadeira de praia.
—
Operou a vesícula menina! Mas já tá em casa, com três
buracos na barriga. Dois para as pinças e um no umbigo, para a câmera.
—
Vídeo-laparoscopia. Em também já fiz. Sou uma membro do
Movimento dos Sem-vesículas.
—
Como é que é? – espantou-se Matilda.
—
Movimento dos Sem-vesículas. A turma que tirou fora
este orgãozinho que a gente nem sabe bem pra que serve. Já notou garota, o
montão de gente que extraiu a vesícula nos últimos anos? Rosilda, Heloísa, a
Paula mulher do Germano, Seu Oscar meu vizinho, eu, e agora a Carminha. Me
empresta seu protetor solar Matilda.
—
Eu também já arranquei a bicha, mas o doutor fez na
faca mesmo, não teve este negócio de lapa-não-sei-o-quê – berrou Seu Antônio do
seu ponto de aluguel de barracas e cadeiras de praia.
—
Mais um sócio do clube – sentenciou Fifi.
—
Nunca tinha notado que havia tanta gente sem vesícula –
espantou-se Matilda – Você Fifi, que sabe tudo, tem alguma opinião para o
fenômeno?
—
Tenho uma teoria...
—
Lá vem você com suas idéias, cuidado para não assustar
a Jeniffer com alguma maluquice. Você sabe que a menina é impressionável
A garota
de programa, que sempre se bronzeava perto daquelas simpáticas anciãs, fez um
gesto de “deixa pra lá” com a mão direita e manteve-se deitada de bruços,
exibindo suas generosas formas para algum eventual cliente que pelas areias da
praia se aventurasse.
—
Lucros, nada mais que lucros – disse Fifi ao mesmo
tempo em que chamava o vendedor de Biscoitos Globo – Estes médicos que atendem
por planos de saúde querem mais é ganhar o deles. Devem fazer operações a rodo,
desnecessárias. O sujeito vai lá com uma dor do lado e pronto: “O senhor tem um
pequeno pólipo na vesícula. É melhor a gente operar logo pois ele pode crescer
a causar problema. A recuperação é rápida e o paciente vai poder levar uma vida
normal”. Aí neguinha, já era. Quando a gente vê, já na mesa de operação com aqueles
braços mecânicos remexendo a gente por dentro.
—
Que exagero Fifi...
—
Exagero? Hoje em dia, tem gente capaz de tudo.
Jeniffer,
lagarteando ao sol em cima de uma canga, dourando as carnes e imprimindo a já
sua famosa “marquinha de biquíni” anunciada nos classificados dos jornais,
gesticulou em apoio a FiFi.
—
Mas se você preferir, o meu neto Lucas têm uma opinião
mais radical sobre os Sem-vesícula.
—
Mande aí – intrometeu-se na conversa Seu Antônio lá de sua base avançada nas
areias copacabanianas ao mesmo tempo em que atendia um casal de dinamarqueses
rosados pelo sol como uma página do Jornal dos Sports.
—
Pois é Seu Antônio. Segundo o Lucas, tudo não passa de
uma conspiração alienígena. Todas as pessoas que tiram a vesícula são na
verdade ETs e não sabem. A extração da vesícula seria uma forma de marcar estas
pessoas para quando a Terra fosse invadida
pelos discos-voadores, eles serem poupados da grande chacina espacial e
em seguida abduzidos.
—
Abi o que? – Assustou-se o barraqueiro.
—
Abduzidos, levados pelas naves extraterrestres.
Jeniffer
levantou a cabeça e baixou os óculos escuros, revelando um olhar de
incredulidade. Seu Antônio riu e berrou dizendo que conspiração por
conspiração, preferia a dos médicos gananciosos. Já Matilda saiu-se com esta:
—
Vou sentir sua falta Fifi, afinal, você não tem
vesícula. E o Seu Antônio também.
E os
quatro explodiram numa uníssona gargalhada.
Do livro "Pastel de Vento" (crônicas)
Um comentário:
E eu conheço muita gente sem vesícula. Vou sentir falta deles também.
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