quarta-feira, 19 de novembro de 2014

De pai para filho


Ednei havia sido intimado por sua esposa Cláudia a ter uma conversa de ‘homem para homem’ com seu filho adolescente, o Edinho. Já era hora para isso. Ednei vinha dizendo as coisas que julgava melhor para o seu filho, mas tudo assim, ao vento, ou no calor da hora. Era necessário essa conversa mais demorada, pois é na adolescência que surgem as inquietações, as dúvidas, as polêmicas da vida. Ednei puxou pela memória uma conversa marcante que teve com seu pai, seu Ediomar, mais ou menos quando tinha a mesma idade que Edinho tem hoje.
Pensando em ter mais argumentos para com o filho, Ednei perguntou para seu pai Ediomar se ele também havia tido uma conversa com o seu avô Edenílson; para grata surpresa, seu Ediomar lembrava muita bem da tal conversa. Certo de que isso já se tratava de uma tradição em sua família, Ednei visitou seu idoso avô Edenílson, que morava junto de uma de suas tias, a tia Edna. Mesmo com o avô bastante debilitado de saúde, foi possível Ednei ouvir, bem de pertinho, a conversa que seu Edenílson tivera com seu Edelson, o bisavô de Ednei – que ele só conhecia por velhas fotos de família. Por respeito a ordem cronológica das conversas, veremos aqui como se transcorreram estas ‘conversinhas’ de pai para filho:

Anos 30. Seu Edelson, após enrolar seu palheiro para fumar, chama o jovem Edenílson, na época com 15 anos, para uma conversa. Após uns minutos de conversa fora, este é o recado de seu Edelson para o seu filho: “Edenílson meu filho. Lá fora, nas cidades, a vida não é tão fácil quanto parece. Se você reclama de ir para a lavoura com seus irmãos e irmãs, imagina se não tiver trabalho para você nessas indústrias que existem nas cidades; você poderá morrer de fome. Aqui temos fartura, nunca falta comida para a gente. O negócio é você ter cabeça, tentar garantir seu pedaço de terra e cultivar o que nela puder. E também...” sentenciou por fim Edelson “tome cuidado com es bebidas que você tomar por aí, especialmente as da cidade. Você nunca sabe o que esse povo urbano põe lá dentro!”

Início dos anos 60. Seu Edenílson, após acender um cigarro Continental, chama o jovem Ediomar, na época com 15 anos, para fumarem juntos e terem uma conversa. Após uns minutos de conversa fora, este é o recado de seu Edenílson para o seu filho: “Ediomar meu filho. Lá fora na cidade grande, a vida não é tão fácil quanto parece. Se você reclama de ir para a escola pela manhã e de trabalhar como contínuo à tarde, imagina se você não achar trabalho nessas cidades grandes; você poderá parar numa favela. É, toda cidade grande tem favela. Aqui levamos uma vida humilde, mas nunca falta um bom teto pra gente. O negócio é você ter cabeça, tentar garantir seu pedaço de terra e construir seu cantinho por aqui. E também...” sentenciou por fim Edenílson “tome cuidado com os cigarros que você fumar por aí, especialmente na cidade grande. Você nunca sabe se esse povo põe alguma droga lá dentro ou não!”

Fim dos anos 80. Num entardecer ensolarado de verão, seu Ediomar, após acender um cigarro Hollywood, chama o jovem Ednei, na época com 15 anos, para sentarem juntos e terem uma conversa. Numa prova de maturidade mas também de confiança, seu Ediomar divide com o filho pela primeira vez uma garrafa de Antarctica, estupidamente gelada. Após uns minutos de conversa fora, este é o recado de seu Ediomar para o seu filho: “Ednei meu filho. Lá fora nesse mundão de Deus, a vida pode não ser tão fácil quanto parece. Se você reclama de ir para a escola pela manhã e de lavar meu carro e cortar a grama uma vez por semana em troca de mesada, imagina se você não tiver ninguém para lhe dar uma mão por aí; você poderá se perder na vida... Aqui levamos uma vida decente e apesar de você reclamar que ganha pouco, você sempre tem tudo à mão, Ednei. O negócio é você ter cabeça, terminar o ensino médio e entrar numa boa faculdade, a fim de ter um belo emprego quando se formar. E também...” sentenciou por fim Ediomar “tome muito cuidado com as drogas. Essas porcarias estão acabando com a juventude. E não quero te ver fumando cigarros. Não cometa a mesma idiotice que eu!”

Dias atuais. Ednei espera pacientemente o filho Edinho terminar seu game online com um oponente dos Estados Unidos. Jogo terminado, Ednei começa o papo após tomar um remédio para enxaqueca e um relaxante muscular. Para deixar o clima mais ‘entre amigos’, Ednei pede permissão ao filho para fumarem juntos no narguilé de Edinho, enquanto Ednei presenteia o filho com duas essências de fumo, uma de chocolate e outra de menta com limão. Após uns minutos de conversa fora e muita fumaça, este é o recado de Ednei para o seu filho: “Edinho meu filho. Aqui neste país, a vida pode não ser tão fácil quanto parece. Se você reclama de ir para a escola pela manhã, em ficar ‘apenas’ a tarde inteira na Internet, por não ter o último Iphone, por ganhar menos do que merece de mesada, entre outras coisas que você reclama, imagina se você não tiver ninguém para lhe dar esse conforto que lhe damos; será que você saberia fazer algo que não fosse ficar em frente à um computador? Aqui levamos uma vida boa e apesar de você não fazer nada do que te pedimos para fazer, ao menos queremos o teu bem. O negócio é você ter cabeça, e se quiser sair deste país, é bom ter um pouco mais de atitude, reclamar menos e aprender mais coisas para você ter qualificação lá fora, em algum país desenvolvido. Se quiser ficar aqui nesse oba-oba, é melhor ter muitos amigos, e tentar, quem sabe, a política. Acho que é o único jeito de se dar bem sem fazer nada. E além disso...” sentenciou por fim Ednei “se for usar drogas, caso você já não tenha experimentado alguma, fique só na maconha, meu filho”. Nessa hora Edinho, que já estava com a maior cara de tédio, abriu um pequeno sorriso. Ednei pensou bem e concluiu “E se sua mãe lhe perguntar sobre nosso papo, apenas não comente com ela isso que acabei de te dizer sobre maconha. Combinado?”
Edinho rapidamente concordou com a cabeça, simultaneamente enquanto verificava as mensagens do whatsapp em seu smartphone.


2 comentários:

Valéria Mares disse...

Olá! Belíssimo texto, muito talento.
E aí, acha que dá pra ganhar dinheiro escrevendo? Dê uma olhada nesse artigo que escrevi no meu novo blog falando sobre isso ;)

http://entaovoceescreve.blogspot.com.br/2014/11/vale-pena-trabalhar-com-escrita.html

Cleide disse...

Parabéns querido, interessante o texto!
É complicado orientar os adolescentes nos dias atuais com tantas informações...mas, será sempre bem vinda as orientações de um pai que podemos confiar e com tantas experiências a nos transmitir.