sábado, 29 de novembro de 2014

Índio não quer cachimbo só e fumaça. Índio quer fogo!

(Emerson Wiskow)

A fumaça atrapalhava a visão dos que entravam, era assim todas as noites no Bar do Escritor, os que estavam lá não se importam, encharcados pelo álcool, sem distinguir o que era fumaça de cigarro ou do gelo seco que vinha do palco. A rotina era essa, corpos alcoolizados, música ambiente, risos... A garçonete olhava tudo com olhos diferentes, especialmente nessa noite estava diferente, como se repensasse toda sua vida.
-Ei Me! Traz meu conhaque. Está de moleza mulher? Era Véio China, sempre mal acostumado, achava que ela tinha que esperá-lo com o copo à mesa.
-Olha o jeito caboclo... Eu não bato em véio e nem bebum, mas tenha respeito com minha nega. Disse
Doctor, sempre tomando as dores da moça, como se fosse seu dono. Ela tinha grande carinho por ele, o chamava de Guapeca, cão vira lata no dialeto gauchêz.
-Ao trabalho. Sirva a mesa do fundo, eu cuido desses bebuns. Querem tratamento de primeira? Eu dou!  O Barman depositou com força o copo de conhaque na mesa do velho. Ele percebera o olhar perdido da moça e sabia que não estava bem. Se o Bar não tivesse tão cheio até a dispensaria, ele era um bom patrão.
Começa uma briga... Ossip, assíduo freqüentador, vendo o Fernando, maloqueiro conhecido, se Insinuar para uma freguesa, interveio. Cadeiras voaram, copos foram arremessados, gritos histéricos das moças do reservado, Thaís, Alessandra, Larissa, Jimenna, Flávia e Rosália, e o Barman sem saber onde acudir primeiro.
Um grito de mulher entoa e todos fazem silêncio: Me, a garçonete, fora atingida por uma garrafa na cabeça. A cena parecia congelada. Todos ficaram mudos.
-Acertaram a Me! Foi o único som que se ouviu no Bar. Todos queriam socorrer a moça. O sangue
Jorrava no chão sujo.  Seria seu fim? Morrer de uma garrafada num Bar de quinta categoria? O Barman ficou histérico:
-Quem foi o filho da puta que fez isso?
-Esquece disso e vem estancar o sangue... Disse Leonardo, o segurança que entrara depois de ouvir a
gritaria. Pegaram uma toalha e amarraram firme em sua cabeça.
-Tem algum médico aqui? Paulão Fardadão,  policial assíduo do boteco,  perguntou aos curiosos.
-“Mim ser” - Um cara minguado, cor de burro quando foge, cabelos escorridos, parecia descendente de índio brasileiro, todo feinho de dar dó.
-É médico, fera?
-“Ser sim, lá na tribo dos Tupiniquins da Amazônia”.
-Faz alguma coisa então seu índio de uma figa! O Barman estava descontrolado! Sempre presenciava brigas no seu Bar, mas nunca o prejuízo ultrapassava o lucro. Dessa vez sabia, era peça primordial essa garçonete, ia ser a falência na certa se morresse, além de que, seu orgulho de macho estava atacado, afinal todos pensavam que ele a comia e,  que importava a mentira se isso o fazia ser visto como um garanhão? O coitado vivia para o Bar, sem muito tempo para relacionamentos, só de vez em quando uma puta ali, outra aqui...
-“Índio precisar privacidade, levar moça pro reservado. Índio usar ervas e cachimbo milagreiro”. Levaram a moça e índio se trancou no quarto.
Depois de duas horas saiu com cara de felicidade e disse:
-“Moça bem, vai viver”. A garçonete veio logo atrás, toda desalinhada e com um sorriso sem vergonha na cara. Todos se aproximaram para vê-la.
-“Deixem moça ... Ela precisar  sossego... Agora ser Lua Morena, noiva de índio Cavalo Malhado”.
-O que?
-“Mim dizer: Moça branca ir pra tribo casar com índio. Tudo muito rápido, igual nuvem de fumaça”.
-Que tribo caralho?...
-Desculpa chefinho, eu vou sim, encontrei o amor da minha vida...Falou a moça agarrando o braço do índio.
Saíram em disparada sob os olhares atônitos de todos.
O faxineiro Kaspa varria os cacos quando reparou na garrafa que tinha acertado a garçonete.
-Que estranho chefe. Essa marca de bebida eu nunca vi por aqui. Cachaça de Manaus.
-Deixa ver. O barman leu no rótulo: Fabricação artesanal da Tribo dos Tupinanquins da Amazônia.

-Mas que porra é essa...



Textos de Me Morte
(esse velhinho foi retirado do Bar do Escritor em meados de 2007)

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