(Emerson Wiskow)
A fumaça atrapalhava a visão dos que entravam, era assim todas as noites no Bar do Escritor, os que estavam lá não se importam, encharcados pelo álcool, sem distinguir o que era fumaça de cigarro ou do gelo seco que vinha do palco. A rotina era essa, corpos alcoolizados, música ambiente, risos... A garçonete olhava tudo com olhos diferentes, especialmente nessa noite estava diferente, como se repensasse toda sua vida.
-Ei Me! Traz meu conhaque. Está de moleza mulher? Era Véio
China, sempre mal acostumado, achava que ela tinha que esperá-lo com o copo à
mesa.
-Olha o jeito caboclo... Eu não bato em véio e nem bebum,
mas tenha respeito com minha nega. Disse
Doctor, sempre tomando as dores da moça, como se fosse seu
dono. Ela tinha grande carinho por ele, o chamava de Guapeca, cão vira lata no dialeto
gauchêz.
-Ao trabalho. Sirva a mesa do fundo, eu cuido desses bebuns.
Querem tratamento de primeira? Eu dou! O
Barman depositou com força o copo de conhaque na mesa do velho. Ele percebera o
olhar perdido da moça e sabia que não estava bem. Se o Bar não tivesse tão cheio
até a dispensaria, ele era um bom patrão.
Começa uma briga... Ossip, assíduo freqüentador, vendo o
Fernando, maloqueiro conhecido, se Insinuar para uma freguesa, interveio. Cadeiras voaram,
copos foram arremessados, gritos histéricos das moças do reservado, Thaís, Alessandra,
Larissa, Jimenna, Flávia e Rosália, e o Barman sem saber onde acudir primeiro.
Um grito de mulher entoa e todos fazem silêncio: Me, a
garçonete, fora atingida por uma garrafa na cabeça. A cena parecia congelada. Todos
ficaram mudos.
-Acertaram a Me! Foi o único som que se ouviu no Bar. Todos
queriam socorrer a moça. O sangue
Jorrava no chão sujo. Seria seu fim? Morrer de uma garrafada num Bar
de quinta categoria? O Barman ficou histérico:
-Quem foi o filho da puta que fez isso?
-Esquece disso e vem estancar o sangue... Disse Leonardo, o
segurança que entrara depois de ouvir a
gritaria. Pegaram uma toalha e amarraram firme em sua
cabeça.
-Tem algum médico aqui? Paulão Fardadão, policial assíduo do boteco, perguntou aos curiosos.
-“Mim ser” - Um cara minguado, cor de burro quando foge,
cabelos escorridos, parecia descendente de índio brasileiro, todo feinho de dar
dó.
-É médico, fera?
-“Ser sim, lá na tribo dos Tupiniquins da Amazônia”.
-Faz alguma coisa então seu índio de uma figa! O Barman
estava descontrolado! Sempre presenciava brigas no seu Bar, mas nunca o prejuízo
ultrapassava o lucro. Dessa vez sabia, era peça primordial essa garçonete, ia
ser a falência na certa se morresse, além de que, seu orgulho de macho estava
atacado, afinal todos pensavam que ele a comia e, que importava a mentira se isso o fazia ser
visto como um garanhão? O coitado vivia para o Bar, sem muito tempo para
relacionamentos, só de vez em quando uma puta ali, outra aqui...
-“Índio precisar privacidade, levar moça pro reservado.
Índio usar ervas e cachimbo milagreiro”. Levaram a moça e índio se trancou no
quarto.
Depois de duas horas saiu com cara de felicidade e disse:
-“Moça bem, vai viver”. A garçonete veio logo atrás, toda
desalinhada e com um sorriso sem vergonha na cara. Todos se aproximaram para
vê-la.
-“Deixem moça ... Ela precisar sossego... Agora ser Lua
Morena, noiva de índio Cavalo Malhado”.
-O que?
-“Mim dizer: Moça branca ir pra tribo casar com índio. Tudo
muito rápido, igual nuvem de fumaça”.
-Que tribo caralho?...
-Desculpa chefinho, eu vou sim, encontrei o amor da minha
vida...Falou a moça agarrando o braço do índio.
Saíram em disparada sob os olhares atônitos de todos.
O faxineiro Kaspa varria os cacos quando reparou na garrafa
que tinha acertado a garçonete.
-Que estranho chefe. Essa marca de bebida eu nunca vi por
aqui. Cachaça de Manaus.
-Deixa ver. O barman leu no rótulo: Fabricação artesanal da
Tribo dos Tupinanquins da Amazônia.
-Mas que porra é essa...
Textos de Me Morte
(esse velhinho foi retirado do Bar do Escritor em meados de 2007)
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