Wallace era o cara do contra. Até onde se sabia, NINGUÉM era tão do contra quanto Wallace. Se esta categoria de ser humano entrasse para o Guinness, Wallace seria um forte candidato a fazer parte do livro dos recordes. Mesmo tendo pouquíssimos amigos, para não dizer nenhum, Wallace insistia em manter contato com pessoas, afinal, a sua motivação maior na vida era ser o cara do contra.
Pois foi num coquetel com colegas de Faculdade que o diálogo de logo em seguida ocorreu. Laura, uma nova aluna do curso, ficara sabendo da fama de Wallace. E logo ela percebeu que Wallace não conseguia ficar com mulheres, exatamente por sua mania de contrariar a tudo e a todos. O que Wallace não sabia, era que Laura tinha um fetiche por homens que normalmente não atraíam outras mulheres...
Após serem apresentados, o papo tomou o rumo que Wallace gostava. Laura disse:
- Não suporto política.
- É interessante. Não gosto dos políticos brasileiros. Mas o tema política é interessante...
- Eu também não gosto dos políticos brasileiros. Nem um pouco – disse Laura categoricamente.
- Bem, na verdade, tem alguns que eu gosto. O Getúlio, por exemplo. Um grande político. O João Goulart também.
- Também curto o Jango. Foi um grande cara, injustiçado.
Wallace, desconfiado, falou:
- Não... Acho que você não gosta dele não, Laura. Acho melhor você refletir a respeito do que está falando...
Laura levou a conversa para outra direção:
- E de quais esportes você gosta, Wallace?
- Não tenho um favorito em particular... E você?
- Gosto de hóquei no gelo.
- Hum... Muita brutalidade. Não é para mim.
- Sou fã também de nado sincronizado, nas olímpiadas.
- É bonitinho, mas para mim isso não é esporte. É arte. Está no lugar errado.
- Perfeitamente.
- Hum?
- Também acho.
Nisso, Wallace pegou mais um canapé na bandeja que estava ao seu lado, e comeu. Laura emendou:
- Estão uma delícia estes canapés, hein Wallace?
- Não acho. Só estou matando a fome.
- O que você mais gosta de comer?
- Depende do momento, depende o dia.
- E música? Você gosta de MPB?
- Bem... – Wallace olhou bem para Laura, tentando decifrar se ela gostava ou não de MPB. Sem sucesso. Aí disse, na defensiva:
- Por que, você gosta?
- Não tenho uma opinião formada. Preciso ouvir mais esse estilo. As críticas são as melhores, não?
- Não dou bola pra críticas. São só opiniões individuais. Assim como eu e você, qualquer um pode falar o que quiser de MPB. Vai pedir, por exemplo, para algum retardado tipo, sei lá, o Supla, se ele gosta de MPB.
- O irmão dele é músico e toca MPB.
- E daí? Já soube de irmãos que um era padre, o outro assassino de aluguel. Novamente, gostos diferentes. O que eu quero dizer é que há muitas opções, não tem como...
Enquanto Wallace vinha, como sempre, tentando provar seu ponto de vista, o garçom passou por eles; Laura aceitou uma dose de uísque, já Wallace, olhando bem ao seu redor e vendo que ninguém pegara o único copo de Martini da bandeja, não hesitou e se agarrou ao copo.
- E o cinema americano clássico? Film noir, os musicais da Metro... Isso sim era bom. – disse Laura, após um gole imenso no seu uísque on the rocks.
- De clássico, prefiro um western.
- Nossa, você é fã de John Wayne então?
- Sou mais Roy Rogers.
- E entre Marylin Monroe e Audrey Hepburn? Qual das duas?
- Sophia Loren. Sem dúvida.
- Cinema italiano, hum... Sabia que você tinha uma queda por cinema europeu, Wallace...
- Na verdade, não. Gosto de cinema europeu como gosto de qualquer outra coisa.
- Como o quê?
- Como, sei lá, comer pera. Tanto faz. É uma boa fruta e tal, mas não vou morrer se não comer uma pera. Só isso.
Nisso o garçom passava por eles mais uma vez. Laura pegou para si duas doses de uísque, desta vez a caubói, e disse:
- Pelo seu papo Wallace, vejo que você não vira uma dose de uísque dessas nem aqui, nem na China. Certo?
- Me dá aqui. – Wallace virou a dose num gole só, depois tossiu e por fim, limpou uma lágrima que saía de seu olho.
- Uau... Bem, eu vou tomar essa minha aqui bem devagar... – disse Laura, com um olhar penetrante nos olhos agora vermelhos de Wallace. -... já que detesto beijar a boca de alguém com hálito de uísque puro, assim, no seco, quente...
Quando os demais colegas se deram por conta, Wallace estava atracado aos beijos com Laura. Que, esperta como ela só, havia apostado com mais de uma dúzia de colegas ali presentes que ficaria com o turrão do Wallace, e por iniciativa do próprio.
Touché!
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