“Zagueiro bonzinho acaba como
babá do filho do atacante”. Pensava assim o beque Roberval até o dia em que
vitimara Zeca com avassalador carrinho. O artilheiro flamenguista e ídolo da
seleção brasileira ficou quase um ano no estaleiro com tíbia e perônio
fraturados. Em conseqüência, Zeca, perdeu a Copa do Mundo e Roberval a paz de
espírito corroída pelo remorso.
Viveu assim tempos difíceis o
Roberval, beque conhecido pelo estilo viril aliado a certa malvadeza para com
os adversários. Fora criticado por toda a imprensa futebolística, virando um
bandido perante a opinião pública que antes o endeusava por sua demonstração de
raça em campo. O
zagueirão só não capitulara porque Jesus entrou de sola em sua vida quando
Bernardo, meio-campo e Atleta de Cristo, o presenteou com uma Bíblia mandando
que ele a lesse. Em
semanas Roberval largou as noitadas, carros importados,
marias-chuteiras e tomou ojeriza pela violência nos gramados. Virou um zagueiro
clássico, daqueles de tirar a bola dos adversários como se houvessem pinças em
seus pés. Nas entrevistas após as partidas, parafraseava Jesus ao justificar o
sumiço de suas botinadas: “Não faça com os outros o que não quiser que façam
com você”.
Brasil, celeiro de craques,
viu nesta época surgir nas Minas Gerais Dentinho, para os especialistas da
crônica esportiva, o novo Pelé. Dentinho humilhava os marcadores com sua
técnica apurada e talento de malabarista com a bola nos pés. Zagueiros
renomados perdiam o sono na véspera dos jogos contra o Cruzeiro, temendo a
vergonha de serem entortados pela jovem revelação mineira.
Quis o destino que Cruzeiro
e Botafogo decidissem o Campeonato Brasileiro em jogo único no Maracanã.
Rádios, jornais e a televisão vomitaram durante toda a semana o duelo entre o
malvado arrebanhado por Jesus e o novo deus da bola tupiniquim. Roberval passou
a noite em claro.
Cristão antes de ser zagueiro, tinha a obrigação moral de não
machucar aquele menino prodígio.
Maracanã cheio, um clima de
euforia intoxicando o ar. Antes do jogo, Roberval fez questão de presentear
Dentinho com uma Bíblia.
A partida transcorreu
nervosa como uma digna final de campeonato. Aos 35 minutos do primeiro tempo, o
Botafogo fizera o seu gol e segurava a vantagem no marcador com um desempenho
sólido de Roberval que, apesar de tomar alguns dribles de Dentinho, não deixava
o atacante levar perigo à meta botafoguense.
Acontece que, a natureza do escorpião
revelou-se e ele picou a sua vítima.
Eram 44 minutos do segundo
tempo. Em um contra-ataque, a bola foi esticada para Dentinho que ganhou na
corrida de um zagueiro e rumou em direção ao gol. Roberval partiu para a
cobertura e, temendo o empate cruzeirense, atingiu barbaramente o joelho
direito de Dentinho.Um palmo fora da área. O atacante saiu de maca direto para
a mesa de cirurgia, Roberval foi expulso e o Botafogo sagrou-se campeão.
Enquanto a festa alvinegra
tomava a cidade, Roberval isolou-se em um templo evangélico. Chorando, Bíblia
segura na mão direita, o zagueiro rogou a Deus para que perdoasse seus pecados.
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