“Desistir é para quem não sabe para que serve
uma luta” Mahiriri Ossuka
Entrevista
com Mahiriri Ossuka, primeiro participante internacional
em uma antologia do Bar do Escritor
Seu nome
artístico possui um significado todo especial, que une tradição e bravura;
encontrou na escrita a chave mestra para desvendar os mistérios da existência.
Sua poesia, inquire, perscruta, disseca a realidade e o que nos faz humanos.
Vem d´Àfrica o primeiro participante internacional de uma antologia do Bar do
Escritor. Apresentamos aqui algumas facetas do poeta moçambicano Mahiriri
Ossuka.
Por Sara Reis e Cristiano Deveras
Bar do Escritor – Como começou na
escrita?
Mahiriri Ossuka - Engraçado
que como comecei tem pouca ligação com a minha caça aos factos agora. Comecei
escutando músicas com mensagens de amor. E com elas comecei a compor os meus
primeiros poemas que também eram de amor. Nessa altura, por volta de 1998,
também gostava de imaginar cenários de amor e diálogos comigo mesmo. Depois
passei a gostar dos textos de alguns escritores que por coincidência encontrava
nos livros velhos que comprava de alguns escritores portugueses como o Luis de
Camões, o qual segui por algum tempo os seus estilos literários. Encontrei na
mesma estrada escritores moçambicanos que escreviam de outra forma que acabou
roubando a minha atenção, como o Grandal Nkpe, Jose Craveirinha, isso nos anos
subsequentes até por volta de 2003.
Ainda
nos meados de 2001 juntei-me a um grupo de amigos que mutuamente fomos nos
descobrindo até em 2003 quando criamos um grupo de escritores. Naquela altura
já me tinha encontrado distante do amor, específico por alguém. Dispersei a
minha escrita pelos olhares que lancei e dores ou alegais que vivi. Comecei a
cavar mais profundo a poesia. Já criticava e se necessário elogiava "o
sistema".
BdE – E seu processo de escrita?
M.O. - O
processo de construção da escrita, acelerou através de amigos, manos da OLEPA
(Organização Literária de Escritores e Princípios Artísticos) onde o olhar pela
injustiça compôs cada palavra dos meus poemas. A OLEPA foi a minha primeira
casa de orientação e combate literário em Nampula (minha província de origem),
e em Cabo Delgado (outra província do norte de Moçambique) formei a ComArte
(Combatemos com Arte) desde 2006 para juntos promovermos actividades culturais
de exaltação da literatura e outras expressões artísticas.
BdE
– Como você define sua poesia?
M.O – Minha poesia é um instrumento de caça,
aos factos.
BdE – Como está hoje a literatura em
Moçambique?
M.O. – A
literatura em Moçambique ainda não está como deveria ser mas está a crescer. No
entanto ainda há conflitos internos de oportunidades claras para publicações e
disponibilidade de recursos literários para acesso disponível a audiência. O
problema de acesso é um factor contribuinte para a redução de interesse de
leitura nas comunidades, principalmente rurais. Mesmo nos centros urbanos, as
famosas cidades, o interesse pela leitura não é invejável. As razões ainda
estão por ser devidamente descobertas, mas curiosamente há quem atribua o
problema ao acelerado e descontrolado ritmo da globalização em que as pessoas
interessam-se mais por outras coisas que livros, muito menos literários. Mas os
níveis de analfabetismo e qualidade do sistema de educação pública são os
factores determinantes desta batalha
Deveras – Neste ponto, assemelha-se a
uma grande parte do Brasil; sei disso pois sou do Centro-Oeste.
Sara – Exatamente o que ia afirmar. E
diria que em todas as partes do Brasil.
BdE – Quais seus autores prediletos ou
referências?
M.O. - Referências
minhas da literatura são várias. Mas de reconhecer a organização estrutural do
Luiz de Camões, A liberdade criativa da Paulina Chiziane (a grande contadora de
estórias com corpo e cara das nossas culturas Moçambicanas), Mia Couto (o
grande poeta e romancista, que não se trava com o fim das palavras, inventando
para isso as suas), Grandal Nkepe (dos poucos escritores de Cabo Delgado), Rui
Catoma (poeta impulsionador da OLEPA), Machado da Graça (a pesar da
multiplicidade das suas capacidades, reservou uma peculiaridade de escrever
grande para as crianças com sede de ouvir contos em livros adaptados a si),
Calane da Silva (com o seu especial envolvimento para a disseminação e educação
linguístico literária, a sua dinamização de grupos de escritores, e a sapiência
de recitação de um poema que transborda com a sua experiência), Azagaia (pela
poesia de combate frontal expressa na sua Música de Intervenção Social). Todos
eles e elas, com as quais cruzo em cada página desconhecida ou famosa dos
livros que andam por aí ou por acidentes cruzo na esquina sendo rasgadas as
páginas para embrulhar amendoim na rua.
BdE – Bom, como estamos no “Bar do
Escritor, temos que perguntar: drink predileto?
M.O. - Nos drinks atingi a reforma (aposentadoria). Hahahaha...!
Mas se for para fazer a noite cantar ou chorar dependendo da ocasião, uma boa
poesia com música acústica seria um grande drink e petisco misturado. Se vier
no copo, que seja algo com doçura natural (risos).
BdE
– Tu tens uma temática preferida em teus poemas?
M.O.
- Bom não tenho uma temática específica. Mas muitas das vezes me descubro
escrevendo em protesto das várias injustiças contra quem não pode lutar por si.
BdE
– Segues um modelo estético ou tua poesia é livre de regras acadêmicas?
M.O.
- Quase sempre, opto pelo gozo da minha liberdade. Tenho esse defeito de pensar
que as palavras não podem estar presas sobre regras. Mas nalgumas vezes tenho
também me juntado nalguns modelos estéticos.
BdE
– Classificarias tua poesia como “contemporânea”?
M.O.
- Bom, contemporânea talvez arrisque-me classificar assim. Mas tenho alguns
receios acadêmicos sobre isso.
BdE
– Tens influência, ao escrever, de algum de teus poetas favoritos?
M.O.
- Tenho muito pouca influência actualmente. Mas carrego a liberdade expressa de
cada um deles na origem do meu pensamento.
BdE – Na tua opinião, qual o melhor
poeta de todos os tempos, se é que se pode escolher apenas um?
M.O. - Não consigo escolher um poeta,
como o melhor que não sejam as pessoas do meu circulo de amizades, colegas de
trabalho e companheiros de guerra contra o sistema. O cidadão comum é meu
melhor poeta, pertencente a este povo com o qual aprendo, luto e cresço.
Sara
– Boa!
BdE
– Que alcance tem teu conhecimento a respeito de poetas brasileiros em geral?
M.O.
- Tenho
apreciado bastante a poesia brasileira também. Um dos grandes nomes que fixei e
segui é o Vinícius de Morais. Principalmente na sua peculiaridade de construir
uma personalidade política de elite e que é também da massa. Já também viajei
momentos com os escritos da Clarice Lispector pela sua forma múltipla de
escrever transparecendo uma realidade e uma imaginação que sem parar querem se
encontrar.
BdE
– Mahiriri Ossuka é teu nome ou pseudônimo?
M.O.
– É meu pseudônimo. O meu nome é Leopoldino Jerónimo.
Sara
– Adorei teu pseudônimo.
M.O.
– Que bom! Mahiriri Ossuka quer dizer, “Banho tradicional antes da caça protege.”
Sara – Banho tradicional antes da caça
para proteger?
M. O. – Sim. Antigamente, se não até agora nas zonas onde ainda sobrou
pelo menos um caçador, antes da ida a caça havia um ritual baseado num banho de
água tratada com algumas plantas tradicionais e invocação dos espíritos dos
antepassados, que protegia o caçador para não ser atacado por animais ferozes
ou para não regressar sem comida para sua família.
Sara – Amei! O meu é Magmah, inspirado
no “magma” do vulcão. Ok, voltemos...
Deveras – Este que é um dos grandes
baratos na conversação com outros escritores. Isso que nos move neste campo: a cooperação entre autores.
Tive conhecimento de Mahiriri por conta da Bienal do Livro de Volta Redonda;
ele foi um dos convidados. O legal é que para lá fui convidado pela Regina
Vilarinhos, que está nesta edição da antologia também. Mas voltemos ao prumo da
prosa.
BdE – As novas regras ortográficas que
agora valem para nós, brasileiros, são as mesmas para vocês?
M.O. - Moçambique ainda não ratificou o acordo. Então ainda usamos
a antiga ortografia.
BdE – Mahiriri Ossuka por ele mesmo.
M.O.
- Eu sou radical muitas das vezes. Foi a instrução que ganhei no percurso dos
dias que já vi o sol nascer, passar e deitar. Aprendi que a única forma de
acabar com um problema é eliminando a causa desse mesmo problema. Não me deixo
ficar pelos meios, no conforto de que "ninguém é perfeito" porque
essa frase foi inventada exactamente para confortar as pessoas de não fazer o
melhor de si. Um segredo: amo meu filho, Kevin e a minha caça é mesmo por ele.
E por fim, oxa-la que o amanhã nos cure as chagas que o sistema não para de nos
causar.
BdE – Agradecemos a cortesia e simpatia.
Tens algum link que gostarias que a gente acrescentasse? Alguma foto? Algo mais
que tu gostarias de dizer e nós não perguntamos?
M.O. - www.facebook.com/communitycbuilding este
é o link de alguns trabalhos que realizo com as crianças e pessoal do meu
bairro e aldeias que visito. Bom, actualmente coordeno a implementação de
actividades da Oficina de Arte, para orientação literária, introdução a pintura
artística e introdução a olaria para crianças do ensino primário numa Escola
Primária (EPC de Natite) todos sábados das 10-12h. Este é um projecto gerido em
Moçambique pelo Grupo Voluntariado Civil italiano (GVC).
Iniciei, um programa radiofônico designado "Tjampranttani",
termo em Emakhua que significa "Era uma vez", a frase que se usa para
iniciar contar estórias a volta da fogueira, onde trabalhamos com
"Activistas do saber Antigo", as Avó Helena e Auagi (Residentes do
Bairro de Ingonane, em Pemba). Naquele programa Tjampranttani, junto das
activistas do saber antigo trazemos poetisas, poetas e artistas do futuro que
apresentam as suas poesias e contos também. E por de trás a música acústica com
a Banda local "Myuna”.
Sara
– Gostaria de escutar isso... Tem como ouvi-lo na internet, o programa? Em que
link?
M.O.
- Em
paralelo, tenho realizado, sempre com amigos e combatentes da mesma trincheira
"Noite de poesia e contos" nas aldeias e bairros, onde batucadas
locais juntam-se a volta da lareira também. Posso preparar algumas faixas para
semana e lançar na página. Neste momento não lancei online os programas
radiofônicos. Irei fazê-lo em breve.
Também colaboro
para uma rádio comunitária "Rádio Sem Fronteiras" produzindo e
apresentando o programa "Histórias de Amor" desde 2006 e recentemente
criamos a página www.facebook.com/historias.de.amor.RSF. Todas as 5as
Feiras das 19-21h30. Neste espaço recebemos mensagens e chamadas telefônicas de
gente apresentando problemas de seus relacionamentos, curiosidades ou mesmo
experiências de sucesso. E outras pessoas nos escrevem ou ligam a dar a sua
opinião sobre uma determina questão que um "coração ouvinte colocou".
Praticamente, um programa de inter ajuda. Também posso preparar faixas para postar
online. Por enquanto só lá postamos as mensagens que recebemos.
Sara
– Uau!
Deveras
– Que barato! A cada momento fica mais interessante.
M.O. – Isso é que é exagerado. Não? (risos). Sobre a foto, irei enviar outra. Infelizmente cortei o cabelo. Mas penso que não fará diferença do conteúdo. Não?
Deveras
– Muda-se a embalagem, mantem-se o conteúdo.
BdE
– E sobre a participação na Antologia do Bar do Escritor, quais as
expectativas?
Mahiri
Ossuka –A
participação desta 5a Antologia, primeiro me entrance e me enche de muito
orgulho de poder estar junto duma turma que cozinha, serve come e bebe em
conjunto o mundo da literatura. Gostaria de poder levar para minha turma Moçambicana
este espírito de dinamização de outras formas de fazer viver a literatura. Ao
BdE, não pare, e que venham mais antologias envolvendo mais autores dispersos.
Convido os amigos que conheçam também meu blog: "Revolução Literária:
ossuka.blogspot.com"
6 comentários:
Que bom ver bebuns de outras paisagens com a gente nesse projeto. Gostei muito da sua entrevista Mahiri Ossuka e com certeza vou tentar ouvir teu programa, quem sabe não arrisco e escrevo pedindo uma mensagem de amor, hehehe. Seja bem vindo!
Adorei. Bebuns internacionais sejam todos muito bem vindo. Grande abraço Mahiriri Ossuka.
Eu nao conto como internacional? Ahaha!
Proudly, the one and only, Mahiriri Ossuka!! Congrats!
que bacana.
muito interessante a entrevista e o autor.
★★★★
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