sexta-feira, 30 de março de 2012

Convidado André de Leones


O piano não é óbvio e a bateria nunca está onde a gente espera que ela esteja



Ele estava realmente animado com o som daquela banda que conhecera por acaso navegando pela internet naquela tarde em pleno horário de expediente Quando comentou com ela não havia pelo menos não conscientemente qualquer indireta qualquer convite implícito para que eles deixassem a festa de aniversário do conhecido em comum na qual se encontravam e onde foram apresentados e zarpassem para o apartamento dele No entanto foi exatamente isso que aconteceu Ele falou sobre a tal banda porque ela usava uma camiseta de uma outra banda de que ele também gostava e cujo som era muito parecido com o som da banda que ele conhecera naquela tarde Ficou com medo de que ela achasse idiota um sujeito de vinte e tantos anos tão animado porque conhecera uma banda nova mas isso não aconteceu Ele também era péssimo em iniciar conversas com pessoas que recém-conhecera e apontou para a camiseta dela e disse banda legal Ela encolheu os ombros e disse mais ou menos Então ele perguntou você curte usar camisetas de bandas que acha mais ou menos Ela encolheu os ombros outra vez e respondeu mais ou menos Os dois riram e nada daquilo pareceu forçado Ele comentou sobre a banda que tinha acabado de conhecer e ela disse nunca ouvi falar e perguntou é legal Ele preferiu não dar uma resposta direta e disse o piano não é óbvio e a bateria nunca está onde a gente espera que ela esteja Ela riu disso também Ela era baixa e muito magra Tinha os cabelos pretos e lisos e o rosto meio arredondado como se tivesse um gene oriental perdido em algum ponto do DNA e esse gene de algum modo ecoasse em seu rosto Ele também era baixo e magro e parecia mais novo do que na verdade era Os dois parados ali na cozinha enquanto a festa acontecia na sala Eles eram da mesma altura e usavam roupas parecidas Jeans e camisetas de bandas e tênis surrados de cores chamativas Ela não usava maquiagem Ele sim Ela o beijou no momento em que ele pensou em beijá-la e eles foram embora discretamente como se tivessem roubado alguma coisa No apartamento dele eles se beijaram no sofá por um bom tempo ao som da banda cujo som ele conhecera naquele dia e depois foram para o quarto e transaram O aparelho de som continuou ligado na sala e do quarto eles ouviam uns acordes abafados como se tivessem mergulhado em uma piscina Continuaram deitados na cama depois de terminar embora ela dissesse que precisava ir ao banheiro Então fizeram de novo e continuaram deitados na cama depois de terminar embora ela dissesse que não ia poder passar a noite Mas ela passou a noite mesmo assim Dormiam um pouco e conversavam e transavam e dormiam mais um pouco No decorrer da noite eles transavam mais e mais devagar Era como se quisessem desacelerar o tempo e fazer a noite passar mais devagar ou não passar de forma alguma Pela manhã ele a acompanhou até a calçada Enquanto o táxi não chegava eles ficaram um de frente para o outro de mãos dadas e com as cabeças abaixadas como se estivessem envergonhados mas estavam apenas felizes As mãos dele se fecharam com as mãos dela dentro como se ele quisesse aquecê-las Então ele abriu uma das mãos e ela movimentou os dedos e sorriu para os dedos enquanto os movimentava quando na verdade sorria para ele Depois ela ergueu a cabeça e ele também e ela sorriu diretamente para ele e ele soube Meses depois ela morreria em um acidente de avião e meses e meses depois ele se casaria com a irmã dela Ou talvez tenha sido com uma prima não sabemos ao certo


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André de Leones - (Goiânia, 1980) é autor de "Dentes negros" (Rocco) e "Como desaparecer completamente" (Rocco), dentre outros.
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quarta-feira, 28 de março de 2012

Vem a mim Primavera!!

Vem a mim Primavera!

Vem a mim Primavera,
Trás o aconchego da vida em flor,
Encanta as almas adormecidas
Nos dias longos do Inverno.
No chilrear das aves,
Anuncias a edificação dos preliminares da vida.
O desabrochar das flores e seu néctar,
Reversão o poder da criação.
Vem a mim e trás a alegria
De tempos sem fim.

Quito Arantes/Portugal

terça-feira, 27 de março de 2012

Notícia atual

Senta na cama, vê algumas cenas da televisão e a desliga com o controle remoto. Retira as balas do revólver e as analisa uma a uma. Elimina uma delas e se detêm nas outras cinco. Recoloca-as no tambor, gira e fecha. Prepara-se para engatilhar, mas muda de idéia. Olha para o lado. Vê o frigobar e pega uma cerveja. Toma apenas um gole. Liga de novo a televisão. O filme pornô que se passava em uma casa de campo o faz reparar melhor no quarto onde se encontrava: piso de mármore, frigobar cheio, dois quadros com casais se amando (ou apenas transando?). O motel recém-inaugurado também oferecia uma gama de brinquedos eróticos, cujo catálogo se encontrava ao lado da cama; “Peça pelo número!”, estava na capa. Tomou mais um gole da cerveja e voltou a desligar a televisão. Engatilhou o revólver e fez a mira em uma parede. Abaixa novamente a arma e a deixa sobre a cama, a sua frente. Mais uma vez retira as balas, apreciando os detalhes de cada uma. Põe apenas uma delas no tambor e o gira, fechando-o rapidamente.

Lembrou-se das vítimas estúpidas da roleta da morte.

Não, ele sabia bem o que queria.

Não era preciso, mas, como um símbolo de que sua decisão era concreta, preencheu os outros espaços do tambor com as balas restantes.

Dirigiu-se para a porta do quarto. Visualizou pela última vez o corpo da ex-noiva que, a contragosto, o acompanhara ao motel para conversar, negando mais uma vez o recomeço da relação. No seu peito esquerdo, a marca de sangue sinalizava o local de entrada do projétil.

Retirou do pescoço ainda quente da jovem a corrente de ouro com o pingente em forma de letra “M”, que ele dera de presente no dia do noivado, junto com a aliança, que Marcela já não usava.

Voltou para a cama. Retirou a bala já deflagrada dos lençóis e a examinou, como as outras. O pequeno cilindro dourado, sem o projétil que matara Marcela, foi colocado delicadamente em pé, no criado mudo. Em seguida mira o revólver em um quadro da parede, como a criar coragem. E rapidamente, voltou a arma para a própria cabeça. No átimo seguinte, apenas lamentou que o cartucho vazio de sua bala não fizesse companhia a outra.

Era, enfim, a última tentativa de unir-se a Marcela.

sábado, 24 de março de 2012

A DÚVIDA E A DÁDIVA

Enquanto você tiver dúvida, o universo não vai fazer nada por você.

Se você deixar a vida te levar, não adianta reclamar do seu novo espaço.

Tudo depende do que você determina para o universo.

Sempre quando você reclama, a dúvida é sua maior dádiva.

No final, se tudo parecer óbvio...

Recomece, faça tudo diferente! mas lembre-se que a dúvida e dádiva andam de mãos dadas.

(Lena Casas Novas)

quinta-feira, 22 de março de 2012

Lua de Chesire


A lua, deitada no céu, sorri um sorriso minguado

Ela sabe que, por estas ruas enevoadas, durante a madrugada, encontrará apenas os bêbados e os loucos







texto do livro Colcha de Retalhos, que será lançado no dia 31 de março, sábado, em São Paulo:


quarta-feira, 21 de março de 2012

Tempestade


Seu azul ondula com o vento,
Seu azul percorre espaços da lembrança.
Mistérios dos estudos da inconstância
Das cores sussurradas pelo corpo em chamas
Da lua, nas recordações do horizonte,
Vaporosamente afastando-se da minha vista.
Vejo seu azul pelo frágil espelho
Que quebra nas águas da retina
A se lançarem para as rochas.
Nem vinho, frutas frescas,
Nem vinte poemas e uma bela canção..., não.
Não despertarão do tempo o tempo que,
Passado, não adormecerá mais na areia úmida
A mesma cor azul.
Seus gritos de amor, seus gemidos
Partiram com a tempestade.


Imagem da web: 'Sirius' de Victor Vasarely.

witch girl

“Não sei se te trouxe ao lugar certo”, disse, duvidando impressioná-la com algo menos sofisticado. Peça rara inclinou-se às folhas verdes que lhes cobriam do sol naquela tarde quente, dando-lhe à entender tudo estar completo e suficiente. Encantou-se. Alguma conversa até chegarem às conclusões que queriam.
Entusiasmada, mostrava-lhe fotos: da sobrinha amada, da casa que construíra. Como poderia o garoto imaginar? Vertiginosa, cobra venenosa. “O oceano, todo seu”, dizia. E gostava, muito embora.
Malucos criam nos astros, em números, são movidos por eles. No rosto pálido de pele estreita e delicada esticada sobre os ossos da face percebia sua avidez adormecida. Ó, dama de honra dos festivais. Jamais viu graça na abundância das beldades, garoto inteligente prefere a não vulgaridade que acompanha os aromas da essência. Dar-lhe-ia, decidiu. O amor, dizia ele. Talvez fosse este o grande legado, o pecado que iria infernizá-lo. O amor. Olhava-o com esquisita ternura, como se escondesse algo, a sibila que encontrara o servo. Como poderia ele imaginar? Garoto complicado esse, que de nada entendia. Anos de luta haveriam de recompensá-la, mas não entendia.
Inebriados de vinho faziam planos, analisavam os números e a movimentação astral. Ela sabia. Debruçada sobre seu colo, prometia-lhe as vontades. Quase um sadismo mútuo. Então, o brinde que precedesse à entrega e mais uma garrafa vazia de vinho no canto do quarto. Amorinho, dizia, como se encontrasse dentro dos olhos cristalizados na córnea de criança o seu diamante eterno que ansiava, fica mais, vai ficando. Para ele uma flor. Uma flor que haveria de regar e cuidar pelo resto dos dias. Com amor, porém, insistia.
Admirava-a com muita força, o garoto. Fruto de um meio amável, sem querer politizou-se. Aprendeu sobre os Maias, Incas e tudo que não prestou atenção no colégio. Onde entraria o amor? As guerras, fria, mundiais, os motivos. Já sabia demais, o garoto. Em sua inércia porém, lamentava-se o passado insólito. Amorinho, ela então vinha, me deixa não. Claro que não deixaria, ele, tamanha sua adoração. Eu não quis, desculpava-se, desviando o pensamento por segundos sobre alpha, marte. Como a naja que tem sua presa à mercê, hipnotizava com a ciência. Nada do que se desculpar, vem cá, vem, e então cedia. Outra garrafa de vinho vazia. “O amor, não se esqueça”, lembrava-lhe, insistente, desejando que o relógio parasse. E ambos entorpeciam-se com seus venenos.

terça-feira, 20 de março de 2012

Convidado José Carlos Vieira

nuvens cor de chumbo e um continho

como foi legal aquela noite... bebemos uma garrafa de vinho... falamos de kerouak, de t. s. eliot, dos mandarins e das vidas loucas de dom pedro primeiro e dona leopoldina. a lua, quase azul, nos acompanhava embrulhada em nuvens cor de chumbo. caminhamos de mão dadas pela praça dos três poderes... ela queria porque queria “passear na praça dos três poderes” (coisa de jornalista)...
num banco distante, um grupo de estudantes cantava e dançava renato russo... “quando penso em alguém, só penso em você”... estava frio, apesar do gosto de vinho quente em nossas bocas e de nossos olhos vermelhos... ela, linda, soltou minha mão e fingiu voar... parecia uma bailarina pronta para subverter a gravidade e decolar do cimento úmido... ela era linda... pensei em milhões de poemas de amor para dizer... poemas-clichês sim, porque o amor é um clichê… bobo, lírico, embriagado, fantasioso, mentiroso e brincalhão... o amor...
do seu apartamento, conseguia ver um sinal de trânsito piscando um amarelo triste... outra garrafa de vinho... transamos no tapete mesmo ao som de charlie parker... havia uma vela acesa ao lado do incenso de maçã.... um quadro azul de iolovitch dormia triste na parede amarela... sua pele era alva, alva como a neve... neve no cerrado? sim, ela era quente, doce e molhada como a neve de las leñas... nua, era uma paisagem de dalí... minha menina mais querida com algumas pintinhas nas costas magras...
já era madrugada quando deixei sua casa... liguei o carro e sapequei mick jagger, “it’s only rock and roll, but a like it”... eu, que sempre me achei um poeta, não conseguia traduzir aquela noite de truffaut... eu... estava com medo... felicidade é uma coisa estranha...
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 José Carlos Vieira
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sábado, 17 de março de 2012

O que o Letes não apaga



mesmo se mergulhasse
no letes
todos os dias

e vestisse o véu
escuro e faminto
do esquecimento
que a tudo consome,

ainda assim
te encontrarias

sem sequer saber
os nossos nomes.

André Espínola

quinta-feira, 15 de março de 2012

Adágio para breve sumiço


tem dias que mundo não me cabe
não me adentra
escorre-me tal breu sobre pele
e perde-se antes da imagem primeira

hoje uma coruja me engoliu com seus olhos de rapina
depois seu pio emudeceu
no canto escuro
de uma noite qualquer
onde eu sumi

(Celso Mendes)

quarta-feira, 14 de março de 2012

A Candeia & Alqueires

(Sonia Cancine)
.

Do alvedrio espelhado
- pela candeia -
Um cheiro de rosas
Um brilho nos olhos
Ilumina-me os lábios
Na taba sombria.

Derramo a lágrima oculta
Uma fotografia à tua alma

Um cheiro de canela, pimenta e chocolate no ar.

Sorrio
- como pequenina pétala de cristal
Como se fosse partir devagarzinho
[ao leve contacto com o ar]

Como se tudo fosse parar agora -

E cantos baixinhos me aconchegam
- como se quisessem me embalar -
Sussurros
- saltitam de lá para cá –

E bailo com as mãos
- e como se me escondesse
fecho os olhos
e contemplo o amanhecer -

O vento acaricia-me a face.

O cheiro da terra
O frescor da bruma
O sabor do vento
Trazem-me um sorriso.

Vislumbro
Passos, tatuados à beira-mar
Segredos, numa caixinha de pandora
O bater das asas dos pássaros
O curso dos rios e mares
Os saltos das águas em cachoeiras
O brilho da Lua...

Colho dos cestos floridos, o passado.
E sei que nada disto me é eterno, nada é meu.

terça-feira, 13 de março de 2012

Fale somente o indispensável


Dentro de um ônibus, ela está sentada em um banco.
Ele entra e, ao passar pela roleta, vê ela sentada. Sente um frio na espinha. Quando ela percebe a entrada dele, congela. Desvia o olhar, esperando que ele não perceba sua presença ali.
Tarde demais: ele vai em direção ao banco onde ela está, fazendo-a olhar pela janela, numa tentativa de ignorar a aproximação dele.
- Oi.
- Oi...
- Queria te dizer algumas coisas.
Ele senta ao lado dela. Ela tenta resistir.
- Mas não quero que você me interrompa. É só um pedido.
Silêncio.
- Quero te pedir hoje pra me deixar sair da sua vida. É, normalmente, espera-se que alguém peça pra não ser abandonado. Eu quero que você me deixe sair da sua vida. Eu só sei viver sem você. Você me consumiu, sugou minha alma durante a nossa relação. Hoje, vivo muito feliz. E, ainda que eu esteja triste, sempre estou mais feliz do que quando estávamos juntos. Não tem um dia em que eu não pense nisso. Sou muito mais feliz sem você. E você acha que fazer esse tipo barato de terrorismo psicológico faz de você uma vingadora das mulheres oprimidas. Desculpa, não faz. Isso só te faz idiota. Não, não te faz infantil. É realmente idiota. As mulheres oprimidas deveriam se envergonhar de você. Das suas ações e dos papeis aos quais você se presta. Mas, convenhamos, isso é um problema seu, não é? Seu e das mulheres oprimidas. Você nunca foi genial. Não vai ser agora, em meio a esse surto, que vai se tornar. Concorda comigo? Só acho que você devia procurar ajuda. Mas isso é só a minha opinião. Deixa eu ficar completamente fora da sua vida. Arruma alguém que te aguente, que suporte esses seus problemas. Sua vida vai ser muito melhor. Isso, sem parar pra pensar na minha. Lá atrás, quando tudo isso começou, ou deveria ter acabado, você disse que eu não prestava, que estava te abandonando, quando, na verdade, você quis acabar com tudo. Acabou e você resolveu me transformar em um monstro. Tá certo, aceito o papel. Mas, porra, por que você não me ignora, esquece de mim, sei lá, qualquer coisa? Me joga no esquecimento. Vou te pedir, em nome da sua sanidade, antes que você fique completamente louca, antes que você precise de internação, porque acho que já precisa de remédios, deixa eu sair da sua vida. Você quis que eu saísse. Deixa eu cumprir sua vontade. Em paz.
Ela abaixa a cabeça.
Todos ao redor observam a cena, incrédulos. Faz-se um silêncio interminável. É quando um sinal sonoro o faz despertar. A cobradora pede que ele passe logo pela roleta. Ele passa.
Olha novamente pelo corredor.
Ela está lá, sentada no banco. Ele caminha até um banco ao lado dela e senta. A partir daí, tem início mais um silêncio interminável. Ela tenta manter os olhos na janela, enquanto ele olha fixamente na direção dela, como em uma provocação.
É quando percebe que seu destino.
Ele levanta e toca a campainha. O ônibus para e ele desce.
Sem olhar para trás.


Saída de Yosemite


Saída de Yosemite (Danilo Berardo)

                Aquela viagem em 1998 tem muita história, história para antes, durante e depois. De certa forma, mudou o rumo da minha vida, de forma lenta e consistente. Mas um pequeno pedaço dela foi inusitado.
                A ideia era passar a noite em Yosemite, não me lembro muito bem se vinha de São Francisco ou outra cidade, posso conferir isso depois, mas não é o mais importante agora. Lembro que o caminho já era cheio de emoções, com o Escort Sedan cheio de comidinhas da California e carregando toda a bagagem de novidades e descobertas na primeira viagem internacional sozinho.
                É claro que tinha mais bagagem que comidinhas, mas elas afetaram a possível parada em Yosemite. Ao passar pelo portão do parque, recebi um panfleto mostrando os possíveis riscos de deixar comidas no carro ou por perto de onde estivesse hospedado. Algo como ursos bem famintos. Segui esperando poder conseguir um quarto seguro, mas ao chegar na recepção da hospedagem, só havia barracas de lona. Era pegar ou largar. Era fim do dia.
                Achei que ir embora de lá não seria tão ruim, tinha mais coisas para ver pela California, não tinha muita noção de quais cidades teria pela frente. Sabia que o carro tinha só meio tanque de gasolina e postos não eram muito fáceis na região. Tinha que decidir logo. Naquela época não tinha celular, nem GPS, nem Google Earth!
                Decidi sair do parque e continuar rodando como era o plano do dia seguinte, caso tivesse o quarto melhor. O sol começava a se esconder por trás das árvores. Eu já estava lá e queria dar uma olhada rápida, pelo menos. A olhada rápida tinha que ser de no máximo uns 30 minutos, segui rodando um pouco.
                Depois dos 30 minutos, o sol já era quase apenas alguns raios. Pensei que era o limite, tinha que sair do parque. Comecei a tentar achar a saída, mas parecia que não via o caminho correto. Algumas partes tinham opções de 3 ou 4 caminhos, havia perdido um pouco a noção tentando olhar rápido no tempo que tinha, mas não percebi por onde havia passado.
                Não podia gastar muita gasolina, não tinha onde me hospedar, tinha o panfleto dos ursos famintos na minha mente e o dia indo embora, chegando a noite. Nada pior que estar perdido ao cair da noite, se com luz não sabe-se onde está, imagine sem luz. E em estrada sem postes...
                Ficar preocupado com esse tipo de desconhecido nunca foi algo muito preocupante para mim, gosto do novo, das possibilidades de caminhos inusitados, mas ali algo estava pior e começando a ficar aterrorizador.
                Escuro na floresta, sem ninguém por perto, era o cenário perfeito para começar a pensar coisas desagradáveis. Fiz uma oração silenciosa. Preciso sair daqui. Preciso de ajuda.
                Há quem acredite, há quem não.
                Vi uma pessoa andando na beira da estrada, acelerei até ela, não pensei em mais nada. Era uma pessoa, sim. Parei do lado, acenei e perguntei diretamente: Como saio do parque? Me perdi e não acho a saída. O braço indicou a estrada e disse apenas: Por ali! Não tinha tentado aquela opção ainda. Acelerei, gritei: Obrigado.
                Olhei para a estrada, tinha que ser ali. Olhei pelo espelho, não vi mais ninguém. Por um momento percebi que não podia lembrar do rosto da pessoa. Não lembrava mais nada da pessoa, apenas me lembrava da voz. Que coisa, seria um sonho? Continuei na estrada, não lembrava da pessoa, só da voz. Ela ecoava sem rosto para lembrar. A estrada apontada me levou para o portão de saída.
                Fui em frente, uma estrada escura, solitária. Eu precisava parar, descansar. Pararia no primeiro lugar. Eu ainda lembro da voz, mas não do rosto, lembro do espelho vazio. Quem esteve ali?
                Mariposa. Sim, a primeira cidade era a pequena Mariposa. Pousei nela, dormi e segui o caminho. Sem nunca saber quem apontou a estrada. Ou talvez sim...

sábado, 10 de março de 2012

Convidada Yan Masetto

Arrepio

Minha noite se acabara.Meu rosto, pesado e cansado, grudava na cama, conseguindo apenas abrir um de meus olhos, bem pouco, e olhar a bagunça do quarto.Não se distinguia mais os líquidos, nem o que era garrafa, o que era vestimenta, ou mesmo, o que era real ou imaginário.Mas, não entendes nada, já que comecei do fim.Ao lado, uma companhia, linda, esbelta, maravilhosa, ardente, em seus belos sorrisos e resmungadas, durante seu sono.Ao fundo, o disco rodava, já com a agulha levantada, fazendo barulho diante do eterno silêncio local.Volto ao passado, para explicar-lhes.
Era fim de tarde.Após uma cansativa estadia no interior do carro, com ar-condicionado e o "cd player" ligado, cheguei em casa.Recordo de me despir e ligar o chuveiro.Minutos passados, saí, envolto à toalha.Fui ao quarto, abri a porta esquerda do armário e analisei, friamente, quais vestimentas haviam ali.Sem pestanejar, retirei o cabide com o mais belo conjunto meu : calça social básica e uma camisa azul-marinho, não tão escura, mas naquele tom misterioso celeste.Coloquei sobre a cama, joguei a toalha no chão e comecei a me vestir.Após o primeiro passo completo, fui ao canto esquerdo do quarto amplo, deparei-me com uma prateleira branca, com vários frascos de perfume em cima.Fiz a escolha do mais forte e amadeirado dos odores.De algum modo, sabia que a noite proporcionaria inúmeras surpresas.Mais minutos silenciosos, de espera.Em um canto de minha sala de jantar, havia um balcão de madeira linda e reluzente, bem lustrada, e atrás, uma belíssima seleção de garrafas e gostos.Num copo quadrado, joguei duas pedras de gelo e virei três dedos de scotch doze anos mais próximo.Voltei-me de costas ao local de madeira, olhando para cima.Gole a gole, o teto parecia mais distante, mais maleável que o normal.O ding-dong da campainha desfez toda viagem psíquica que me encontrava.Peguei as chaves, tilintaram, porta aberta.A tão esperada dama chegara.Vistosa, esbelta, morena, com seus longos fios de cabelo jogados para o lado direito de seu corpo, com belas ondas longas e brilhantes.Mais abaixo, belos lábios carnudos e bem realçados pelo rubro do batom.O olhar, bem delineado, firme e predador.Os olhos, escuros como o misterioso prosseguimento.Sobre o corpo, um lindo vestido preto, longo, de material único.O seu perfume era marcante, sem dúvida, envenenava minha mente, já ébria.Um rápido abraço, que nos aproximamos, nos tornamos íntimos.Meu braço direito, na parte mais baixa das costas; o esquerdo, afagava a pele lisa e delicada de seu rosto.Eterno.Esse momento se eternizou em nossos olhares, em nossos fôlegos perdidos.Não havia mais nada, apenas um.Os móveis eram obstáculos de um amor lancinante, delirante e intenso.Se ouvia apenas o salto da bela amante, os objetos decorativos caindo, os suspiros leves de lábios se tocando.Era incendiário.Não havia mais mente, não havia mais pensamentos, apenas o instinto comandava.Desesperadamente, a coloquei em mim, com suas pernas transpassando minhas costas, minha mão direita segurando seus longos cabelos, e o braço esquerdo apoiando as costas dela.Lembro-me de jogá-la contra a parede, logo ao lado da entrada do quarto, para ligar a vitrola com a música mais excitante.O embalo do contrabaixo, o ritmo dos quadris, loucura a procura de um espaço, de um momento para retomar seu ar.Cada segundo, uma eternidade.Cada afago, o amor crescia.Era eu e ela, não dois, mas um.Um, apenas um.E com o auge da noite, mais e mais garrafas se espalhavam, mais e mais sorrisos, respirações ofegantes, olhos fechados, bagunça.
O Sol toca o chão.Entre o pequeno espaço que consigo abrir de um dos meus olhos, vejo a bagunça deixada, o desespero acalmado, o instinto acalentado, o amor, enfim, realizado.
Fecho o olho.Cansaço.Fim de noite, adeus!

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sexta-feira, 9 de março de 2012

LIBERDADE

LIBERDADE
Liberdade emocional
Gera
Homem maior
Fraquezas
Responsabilidades intrínsecas
Mentiras culturais enfiadas garganta a baixo
Desde o...
... Nascimento
Até a...
... Morte
Não merecem valor
Devendo ficar abandonadas
Inconscientes

“Desconsiderar é ganhar consideração” - Schopenhauer.

Não vivamos a emoção condicionada
Sejamos espontâneos
Não dominados...
... Pelos...
... Tabus inventados
Amores criados
Estereotipados
Por...
... Meios e...
... Fins
Cheios de sentimentos
Enorme desilusão
Culpas
Posses
Inseguranças
Todas as negações sexuais do instinto humano
Frustrações
Moralidades
Obrigações
Fidelidades
O amor forjado

“Não existe fato moral, mas sim interpretação moral dos fatos” – Nietzsche.

O que é fidelidade sexual?
Hoje digo pra minha companheira com peito aberto de liberdade:
- Te amo do jeito que nem sei quem você é!
Não vejo falarem do amor verdadeiro
Livre de culpas
Amando o outro como ele é e quer ser
Dando liberdade de escolha
Tirando os medos
Incentivando os instintos
Aceitando os desejos
O amor sublime não cobra!
O amor se dá!
Quem disse que amor é renúncia?
NÃO É
Amor é liberdade de ser quem você é

“Cada um sabe a dor e a delicia de ser o que é” – Caetano Veloso.

Não vejo esse amor ser louvado
Amor fiel sexualmente
Livre para exercer sexualidade
Plenamente
Onde ambas as partes do relacionamento são livres para experimentar
Seja com uma
Duas
Mil parceiras
Eee...
Experimentadas essas liberdades
Saber ser do outro
O outro saber ser seu
Permitindo viver sem negações
Crescendo
Envelhecendo
Juntos
O ser humano masturbar-se!
Putarias negadas
Causando doenças
Aforismos masturbatórios
Somos nossos pensamentos masturbatórios!
Não tendo coragem de praticar nossas sujeiras
Somos frustrados
Pessoas frustradas têm câncer!

Gosto quando Herman Hesse diz:

“Nada posso lhe oferecer que não exista em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo além daquele que há em sua própria alma. Nada posso lhe dar, a não ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visível o seu próprio mundo, e isso é tudo”.

Entendo
O ser humano mentir pra preservar e proteger
Não concordo
Entendo

“Mentira é não querer enxergar o que se vê, não querer enxergar algo de modo como o vemos, não importa se a mentira ocorre na frente ou não de testemunhas. A mentira mais comum é aquela com que mentimos a nós mesmos. Mentir aos outros é relativamente uma exceção." - Nietzsche.


Mentir no mundo interno é inaceitável

LIBERDADE!
Pablo Treuffar
Licença Creative Commons
Based on a work at http://www.pablotreuffar.com/.
A VERDADE É QUE EU MINTO

A VERDADE É QUE EU MINTO

quinta-feira, 8 de março de 2012

era uma vez...


era uma vez...

num desses dias
em que o tempo caía assim
vadio e morno

tudo parecia mortiço
azul e estridente
afundávamos num silencio movediço

num desses dias
repleto de verdades latentes
reticente e terno

fingia lotear abismos
quando nos vimos
nos inventamos

sombras que somos

fantasmas vagos
impenitentes  guerreiros

armados de medo e versos nus
meus olhos  acordaram
e alheios seguiram a música

tua língua
teus malabarismos

inventei uns risos frágeis
eram quebradiços, bem sei

sem cor , cheios de vícios
desfaziam-se ao sol

mas, ao meio dia
enchiam precipícios

terça-feira, 6 de março de 2012

Luces de Lunes



Oigo el melancólico canto del pájaro
negro, compañero leal de las mañanas
Lo oigo, aunque el sonido de las bocinas
estridentes, de los coches que pasan
como rayos fugaces y perversos
se esfuerce por sofocarlo...

Oigo un lejano pitido de un tren
sobrecargado con los vicios
de los hombres adinerados y sus obreros muertos
Oigo los gritos felices del lechero moreno:
"La leche! La leche blanca y buena!"
La ciudad se despierta...


El sol, implacable, dispara sus dardos
de luz, por las rendijas y calienta...
¡Calienta, sol! ¡Calienta!

Me despierto, a disgusto
La cabeza, todo el cuerpo me duele
Me acuerdo de la noche
las charlas animadas, las tonterías
la borrachera, las sonrisas fáciles
los espíritus bailantes en el humo del tabaco y maría

Me acuerdo de la mujer reluciente y flotante
Su sonrisa rubra, sus ojos ardientes
su bailado frenético y suave, su olor de jazmín
Me acuerdo del descompaso de mi corazón
del ardimiento de la sangre, de la parálisis del cuerpo
Del magnetismo irresistible, mi cuerpo, mi alma clamaban: La quiero!

Extasiado, precipitado, me acerqué a ella
Pero nada dije, ni fue necesario
Mis ojos lo contaban todo, desnudaban mi corazón sin pudor
El beso hizo bajar el cielo, oí la sinfonía de los ángeles
Mientras el fuego del infierno incendiaba mis órganos
Me hice lava, hielo, huracán, tormenta, rocío, todo y nada


Me acuerdo de la noche, ¡esta noche!
el encuentro desenfrenado, húmedo, estruendoso
de nuestros cuerpos en llamas
llamas de deseo, pasión, necesidad apremiante de tenernos
mutuamente, aspirar nuestros olores, nuestra transpiración,
aspirarnos, consumirnos, ahogarnos en un océano de amor

Pero, la noche dio lugar al día, la noche se ha ido
La mujer resplandeciente se ha ido, se ha disipado
como la niebla del invierno por la mañana
como un sueño bueno al cual intentamos, inútilmente
apegarnos, pero se nos escapa, huye para lejos
Dejándonos solos, medio tristes, medio felices

Otra noche vendrá... Y yo allá estaré, sumergido,
enamorado, loco soñador, a buscarla...

Carlos Cruz - 02/09/2009
* Pintura: "Bal du Moulin à la Gallette" de Pierre Auguste Renoir.


domingo, 4 de março de 2012

CUIDADO!

(Enquanto não monto as informações do lançamento da Terceira Antologia do Bar do Escritor, vai aí um dos poemas do livro "99 poems to die")


Ei, você aí empregado
você,
embaixo do ar-condicionado
toma cuidado, barnabé
a foice do corte se aproxima
e amanhã, talvez
pode ser que você esteja aqui
ao meu lado, pedindo trocados,
na Goiás com a Quatro
sentindo o olhar desdém
que outros como você
(ou como eu antigamente)
lança ao sujeitos das sarjetas

Como pode o único animal racional
cognitivo e pensante (também auto-limpante)
que entrega Oscars®
que entrega Nobels®
que entrega, putz, Pulitzers®!
deixar seus semelhantes
jogados às traças
como trapos velhos
Cuidado com a foice, barnabé...

sábado, 3 de março de 2012

a visita do poeta

foi numa tarde de quarta

poucas horas

mais que um livro

dono de olhos opacos

como que insatisfeito

tinha poesia nas mãos

bem mais que um livro

e ficaram as palavras apenas

e a indagação

do que eu olhava

ficaram as palavras apenas

naquela casa simples

de piso frio e dedos mornos

a visita do poeta

deixou-me poetisa

bem mais que antes.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Hedonista


Foi mesmo pra isso que vim:
a propósito do prazer

Porque
enquanttro você me der,
fico e aceito ser sua mulher.

Fala só o que quero ouvir
senão
peço uma segunda opinião

e dou
ouvidos,
subo
a saia,
cruzo
as pernas,
aguço
os sentidos,

lanço no ar
o cheiro
de caça
e fico aberta
à temporada
de mata.

quinta-feira, 1 de março de 2012

O Fornecimento Da Solução: FDS!


Oriente-se:
aquilo que não tem conserto, remediado está
pra quê sofrer
se não vai melhorar?

A quem joga lixo na rua, cigarro pela janela e
suja o mundo sem ligar para a natureza:
FODA-SE!

A quem engana, rouba, estupra e mata
pensamentos, direitos ou outras pessoas:
FODA-SE!

A quem legisla em causa própria, julga para si
e executa em seu benefício:
FODA-SE!

Aos exploradores, abusadores e ditadores
que se valem da estupidez e mesquinharia para lucrar:
FODA-SE!

Aos déspotas religiosos ludibriadores
que iludem egocêntricos lacaios , vendilhões de alma
em prol do deus riqueza, poder e ilusão:
FODA-SE!

Ao maleducado, ao grosseiro e ao irritadinho
que destrata, xinga, é impaciente
esquece que estamos na mesma nave
e somos da mesma espécie:
FODA-SE!

A quem usa o animal para servir o homem
e que faz da planta um mero bem de consumo
sem respeitar a vida em todas as suas formas:
FODA-SE!

A quem não evolui com a experiência, não busca aprender
não pensa, avalia, questiona
aceita a hipocrisia e propaga os preconceitos
FODA-SE!

a quem abandona
quem critica por inveja
é generoso por interesse
troca favores ilegais
mente, viola e magoa:
FODA-SE!

A quem desperdiça, a quem desrespeita
a quem estraga e a quem não faz sua parte:
FODA-SE!

A quem não escuta, a quem vai rápido demais
a quem enche o saco:
FODA-SE!

E a quem não se importa:
FODA-SE!

Mas foda-se mesmo
Àquele que não tem conserto
Eis o fornecimento da solução:
FODA-SE!