Outro dia estava subindo o elevador com a senhora do 305 - uma enxerida sem tamanho - fazendo o que sempre faço quando entro em elevadores: finjo que tô olhando o chão mas na verdade estou encarando as outras pessoas com meus óculos escuros. A tia me olhou, olhou de novo e perguntou em qual andar eu desceria.
- No 5o , ... senhora. – Quase chamei a tia de tia.
O elevador passou do 3o andar e ela não desceu. Continuou me olhando sem saber que eu a estava espionando. Pesquisou a memória e falou:
- Ah, mas você é o marido da Renata! – Exultante.
Pronto. Havia perdido de vez a identidade. Eu era o reles marido. Isso tinha começado no segundo grau, quando deixei de ser eu mesmo para ser o número 38. Putz, ao menos eu podia tirar onda dizendo que eu era o “três-oitão”. Depois virei o 92/554233, minha matrícula da Unb: - Seu número, cabeludo?
Lá na frente, depois de formado, eu era o professor de História.
- Qual meu nome?
- Ué? Seu nome? Ué? Seu nome? É... é... professor de História, ué!
Dai em diante virei um tanto de matrículas, códigos, números, até ramais já me tornei. - Aqui é o 102.
Entrando em casa pus-me a pensar, junto a cerveja antes do jantar: afinal, quem sou eu? Antes de me perguntar “o que faço aqui?” e “para onde vou”, tentei responder a primeira pergunta, que por si só já é difícil pacas. Quem sou eu? Sou quem eu penso que sou ou sou aquilo o que os outros me vêem? Ou, pior ainda, sou um misto daquilo que acho que sou e o que os outros acham que sou?
Pane cerebral! Conclui pela conciliação. Sou o misto do que acho que sou e o que os outros acham de mim. Enfim, ninguém me conhece ao todo. Nem mesmo eu, que sou quem passa mais tempo comigo.
Triste e desiludido por jamais poder estar plenamente comigo, pensei no que fazer para o jantar. Achei que uma salada com carne assada iria bem.
- Mas vai dar muito trabalho! Faça só sanduíche.
Quem falou isso? Olhei para os lados e não vi ninguém.
- E faça logo o sanduba porque eu tô com fome!
Assustado olhei para o lado novamente. De soslaio, notei que era minha boca que falava aquilo. Então... um outro eu estava se manifestando. Queria ter vida própria.
Bem, com outro eu posso lidar. Mas e se outros aparecerem?
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