sexta-feira, 27 de junho de 2008

Branca de Neve, os seis anões e os 11 pernas de pau


Branca de Neve e os seis anões que lhe faziam companhia não acreditavam no que viam pela televisão: seu velho amigo parecia perdido entre as poderosas esquadras sul-americanas...
Chegaram a conclusão de que, se a coisa continuar como está, o Brasil não vai ser campeão nem aqui nem na China...

terça-feira, 24 de junho de 2008

ASAS

Quem me dera ter asas para voar
Que me levassem a um lugar distante
Plano e singelo onde pudesse pousar
Para que meu trabalho fluísse bastante

Que meu canto possa encantar
É simples mas cheio de esforço
Assim
como as asas que batem sem parar
Quem o ouça e as vejam tenha gozo

Mesmo com asas, não faria nada sozinha
Fazer em grupo, é mais bonito e prazeroso
Assim
como fazem as andorinhas

Juntas incrementam o ar de união
Asas que as levam a qualquer lugar
Pois
uma andorinha , não faz verão

Lena Casas Novas



Publicada originalmente no Envio net


segunda-feira, 23 de junho de 2008

O MACHADO DO INVESTIDOR


Durante os últimos 39 anos, em Viena:

“Meu filho, o lucro é o pagamento justo aos que ousam investir; os únicos culpados pela pobreza são os próprios pobres, que não estudam, têm muitos filhos, não poupam, não sabem investir o que possuem e nem agregam valores à sociedade; os empresários são os verdadeiros bem-feitores de nossos tempos; já fez sua doação àquela ong que cuida do meio ambiente?; vamos àquele maravilhosos jantar, onde servem aquelas soberbas sobremesas, no qual arrecadamos fundos para os famintos; aliás, viu como esses índios atrapalham o progresso e a indústria de celulose na América Latina?; e os malditos imigrantes que roubam nossos empregos e trazem violência para nossa terra!; isso é carro digno de uma pessoa de nossa família? Vá estacioná-lo depois da esquina, imagine o que os meus convidados irão pensar; sua mãe morreria de vergonha se os vizinhos descobrissem que nossa netinha é filha de um desajustado que mal consegue administrar seu próprio negócio...”

14 de maio de 2008, em algum outro continente:

- Hei, Ana, dá uma olhada nessa notícia:

“Austríaco mata cinco familiares com machado” - “Um homem de Viena matou cinco membros da sua família, incluindo a filha de 7 anos, e depois se entregou, dizendo ter problemas financeiros, informou a polícia austríaca na quarta-feira.”

- Nossa, que loucura! O que mais diz aí no jornal?

“Os mortos são a esposa, a filha, os pais e o sogro dele.”

“O homem, de 39 anos, confessou à polícia no início da quarta-feira. Ele pediu dinheiro emprestado aos parentes, perdeu em negócios especulativos que deram errado e afirmou que quis poupar os familiares do escândalo.”

“Policiais foram ao apartamento dele em Viena e descobriram os corpos da esposa e da filha. Os pais dele foram encontrados em Ansfelden, oeste da capital do país. Os restos do sogro estavam perto da cidade de Linz.”

“O machado foi encontrado no carro do austríaco.”

- Que absurdo! Como existem desequilibrados no mundo. Devem ser muito pobres lá na Áustria, né?

- Deixa de ser ridícula! Que pobres porra nenhuma. Pobres somos nós!

- Calma aí. Que história é essa de sermos pobres? Se estamos com essa dificuldade financeira é porque você insistiu tanto naquela viagem no final do ano!

- Olha, por falar nisso, acho que não temos mais escolha, você vai ter que desistir do carro...

- Mas já pagamos 15 prestações! Vamos perder esse dinheiro todo?

- Quem mandou querer tanto comprar esse modelo tão caro só porque tua amiga do escritório tinha um da categoria?

- Puta que o pariu, bem que mamãe me disse pra não me casar com um fracassado!

...

- Em quantas vezes será que posso parcelar um machado?

Como diriam os nossos queridos irmãos do Norte: "based on a true story":

http://br.noticias.yahoo.com/s/reuters/080514/mundo/mundo_austria_machado_pol_1

domingo, 22 de junho de 2008

Twist

Foge de mim como quem dança

Quando mal tocamos as pontas dos dedos, enrola-se de volta em meus braços e sorri


sábado, 21 de junho de 2008

Para Ninar Luana

Quantos cantos tem a mesa redonda?

E, com quantas gotas

O mar forma uma onda?

O silêncio faz a noite adormecer?

E, quantos raios de sol são necessários

Para o dia amanhecer?

As respostas estão escondidas

Aonde o gato não perdeu as botas

E onde o vento não fez a curva.

A rota é meio torta,

Mas, cai como uma luva.

Seguindo a imaginação,

Mesmo que por ruas estreitas

Chegasse a qualquer resposta.

Até para as perguntas

Que ainda não foram feitas.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Brusco Poema.

Tudo bem, não irei forçar o poema,
mas você bem que podia ser o verso
a rasgar-me a pele com beijos provocantes,
criar um clima de delírio violento e terno.

Arrombar a gramática dos meus desejos
e inventar em meu corpo outra grafia,
capaz de exemplificar minha fome de ser lida,
Poesia sem rima na cama de nossas taras.


Devagar explorar cada movimento sensual
das minhas pernas a querer prendê-lo (dentro),
fundo no mais profundo de minha cova aberta
ao seu rijo exemplar a tatuar-me.

Porra! Não quero forçar o poema,
mas irei violentar sua alma caso ele não surja
e povoe minha página/carne de volúpias,
adequada forma ao ato dos amantes ao escrever sexo.

E mais molhada talvez aliviada
eu goze insanamente a lucidez do conteúdo de ter escrito,
o que não foi só dito, pensado ou lido,
porém vívido e vivido, até que exista um só verso no mundo:


O nosso!
Feito liga e você sinta o desespero que provei agora,
ao querer demais, que alguma coisa maior fosse dita/feita:
como seu caos a recriar-me - inspirada obra sua.


Eliane Alcântara.

terça-feira, 17 de junho de 2008

.

Mais chuva.

No inverno, é o que se tem de mais vivo e o oceano não parece tão importante e único assim. É apenas um em meio a tantos. Avenidas são mares em tempestade e lixos são embarcações em naufrágio.

E a chuva, mais chuva.

Saem de cada pneu, de cada carro, ondas no mar das ruas: tem as preferidas dos banhistas, pequenas e tímidas, e aquelas dos ônibus, que são boas pra surfar. Por apenas R$ 1,75, surfamos todos juntos a mesma onda, unidos nessa mesma prancha, apertada, abafada e calorenta. Pelo menos não tem perigo de ataques de tubarão. Da janela, banhistas em trajes de trabalho carregam guarda-chuvas que só protegem o rosto e os ombros e se escondem das ondas que lhes encobrem metade das canelas.

Boa Viagem – com suas areias vazias, sem vendedores ambulantes de caldinhos, ostras e camarões, sem guarda-sóis que por hora não têm o que guardar, sem famílias, namorados, vizinhos e amigos tomando cervejas e coca-colas e, ainda por cima, perfuradas pela metralhadora de gotas que não cessam de cair – olha o Recife e suas avenidas com ódio e inveja, daqueles que abaixam a cabeça com orgulho manchado e não podem fazer nada. A Domingos Ferreira e a Conselheiro Aguiar estão um mar só, cheio de carros e banhistas. E na Navegantes, todos, literalmente, navegam. A praia, por sua vez, somente espera a melhor oportunidade pra se vingar e se esconde submerso em suas próprias águas salgadas. Sonha docilmente com o próximo verão.

André Espínola

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Íntimo


Senhoras e senhores
é com embaraço que apresentamos
um novo espetáculo:
“Temores mais íntimos”
agora com vocês no palco!

Os pequenos grãos
que me apavoram
feito pedra no rim
começo a pontuar
agora, por favor
não riam de mim

Estremeço
quando a mentira
me encara os olhos
e sorri

Tenho pânico
das estacas de adeus
que ainda estão
por vir

Quando os morangos
se extinguirem
e a folha em branco
permanecer intacta

E músicos, pintores
dançarinos e poetas
decidirem greve geral

Temo os infelizes
que sangram
e os santos que não salvam
ninguém

Confesso meu pavor
de ganso, dos maus
e da solidão também

De não ter vontade
de banho de chuva
janela aberta e
vento na face

Saia bonita
ornando colares

O que farei
se o riso quiser brincar
de esconde-esconde
e não conseguir encontrar?

E se acabar a água no mundo
e não puder mais coar café
de que adiantarão os diamantes
do que servirá seguir com fé?


Barbara Leite

domingo, 15 de junho de 2008

A ESTATUETA DE VÊNUS

Na vitrina, a estatueta de Vênus.

Logo a viu, ele desejou ardentemente possuí-la.

Era uma miniatura em resina, pouco mais de duas polegadas, em folha dourada e detalhes esmeradamente trabalhados.

Artesanato caro. Enamorou por algum tempo o produto. Seus olhos brilharam, cobiçosos. Analisou o impacto financeiro em seu orçamento. Não teve coragem de despender o dinheiro.

Naquela noite sonhou febrilmente com a estatueta. Acordou compungido, o Espírito carregado de angústia. Imaginou Vênus no toucador, na escrivaninha, ou num altar que construiria exclusivamente para ela, em qualquer nicho da casa.

Mais uma vez, no trajeto, parou diante da vitrina. Lá estava ela, formosa, dourada, um chamarisco à cobiça humana. Mas, custava muito... Excessivamente cara para uma peça de artesanato.

Durante quinze dias experimentou febrilmente os delírios do duelo íntimo, entre o desejo ardente de adquirir Vênus e o escrúpulo financeiro a mensurar o valor real da peça. E, nesse ínterim, sofreu, sonhou, chorou, mil vezes deliberou firmemente esquecê-la, e outras mil vezes esteve na iminência de correr à loja e comprá-la.

E concluiu, inequívoco, que só seria pleno, só teria paz em seu coração e seu Espírito, se a trouxesse decididamente para si.

Foi à loja. Ávido, impaciente, tal qual uma criança, e comprou a estatueta de Vênus. Pagou-a toda, cédula sobre cédula, eufórico, mal contendo em si o contentamento que transbordava em sua face.

Colocou-a entre os bibelôs, no toucador do aposento. E suspirou, profundamente saciado, fitando-a numa inaudita adoração.

Isso repetiu-se no segundo dia, no terceiro; ao quarto, o entusiasmo arrefeceu. E arrefeceu mais, paulatinamente, no quinto dia, no sexto...

Até que esqueceu-se completamente da estatueta de Vênus, agora recoberta de pó, caída entre as escovas, as vidrarias de colônia, os cosméticos da esposa, os apetrechos congestionados do toucador.

sábado, 14 de junho de 2008

Haikai

Diverso o mundo é tão -
Junto a um bando de normais
Um louco e a solidão.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Monólogo de uma Obsessão

Desencontrados pensamentos, miríades espectrais resurget ex favilla, desfilando sob mozartiano réquiem. Sussurrando dislexias semânticas. Fustigando-me, ajuntando-se. Abduzindo-me deste mundo, deste tempo.

Toma-me, intimorato, o torpor, um febril torpor. Sinestésica subversão que remete, vez única, a calabouços, penumbras e miasmas. Quais inquietantes tintas derramadas por penas, alhures. Sangue esvaído, drenada vitalidade, dissociando alma.

Basta! Tampo ouvidos a não mais escutá-las! No divórcio dessas letras, cabe-me, tão somente, reconciliação ao catre. Fétido catre impregnado, fumaça e alcatrão. Assim, curar pústulas, fístulas, exantemas. Ou imprecar-me, judicandus homo reus, ao cinéreo adormecer.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Fragmentos I a V

o santo
mesmo porque aqueles santos eram ocos de paus-de-arara e de cara ainda tinham a cara-de-pau de ostentar o lacre vermelho-escuro-sangue-falso na face e dizer da migalha do milagre da cura do bicho-de-pé do beato que veio da roça. eram tudo, menos estradeiros ou milagreiros. o que se sabe é que morreram. um de fimose e outro de caganeira.

a serra
jurava que era jabuticaba que brotava naquele espinhaço na Serra do Mar. pudera, o minúsculo ponto negro encravado no dedão do pé de Maria supunha a alcunha dada ao bicho. disse isso e saiu. suspirou aliviado ao notar a presença de uma espécie de serpente que chacoalhava rente ao pênis de Pedro que mijava na pedra logo na entrada da gruta escura. Maria não tirava o palito dos dentes. fui dormir inda cedo sempre lembrando daquele dedo, e do palito. Maria e Pedro, nunca mais vi.

meu avô
meu avô tinha uma verruga enorme atrás da orelha direita. dizia que era onde guardava os segredos que lhe contavam. minha avó era calada e austera e isso causava no meu avô uma certa relutância ao diálogo entre eles. Severo era filho de vó Joana, dona de um terreiro de umbanda numa vila de pescadores. nunca soube o porquê de ter se tornado padre ao vinte e um anos. meu avô sabia.

o chocalho
o conteúdo não importa. veja, meu bem, e ouça a blasfêmia insignificatez da bela sonoridade dessa poesia morta. era o que sempre quis dizer: nada. Maria não entendeu. coitada, teve um colapso nervoso ao ouvir um grito estridente de um choro de criança. apaguei o cigarro no assoalho e fui dar o chocalho pra Fabiana.

1961
Jânio era um resmungão, chato e bicha. queria encontrar alguém de peito que o demovesse daquela idéia alienígena. não achou. Rita servia café-com-leite no gabinete com pretexto óbvio de misturar com sua vodka matinal. ao que tudo indica, ali só se bebia coca-cola. café puro, era raro. o país-continente magoou, e logo daria o troco. e deu no que deu, para o bem e para o mal.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Caim Está Entre Nós

Levava vida insignificante em uma cidadezinha do interior. Jovem filho de um político local, não foi difícil arranjar colocação no único jornal daquela comunidade provinciana. Sob o grosso manto do emprego intermediado pelo pai, produzia artigos verborrágicos que julgava admiráveis. Aos sábados, semanário dobrado e encaixado sob a axila esquerda, desfilava sua arrogância pelos bares da cidade.
Era alvo constante dos louvores do seu chefe, um editor atolado em dívidas com o tal político e tão medíocre quanto ele. Em verdade, o destino — este sarcástico incurável — ligara as três personalidades apagadas: o Pai, o Filho e o Espírito Pouco Santo do editor.
Acreditando estar escorado pelo prestígio paterno, ficou abalado quando certa tarde o editor lhe fez uma pequena crítica. Construtiva ou não, o chefe lhe dissera que faltava vida no artigo que escrevera. Voltou para casa amuado, deitou-se na cama, encarou o teto e chorou seu primeiro fracasso.
As críticas se tornaram cada vez mais freqüentes. Tentava argumentos que imaginava sólidos, mal disfarçando sua irritação. Cheio de mimos, odiava ser contrariado, pois crescera desconhecendo o significado de uma negativa aos seus caprichos. Em seu íntimo, estabeleceu assim que o editor não passava de um incomensurável cretino, esquecendo que o considerava genial quando antes o elogiava.
Dando seqüência a sua orgia de rancores, decretou que o editor era o maior idiota já parido pela humanidade quando ele passou a desfiar elogios aos textos de uma estagiária de pernas grossas, recentemente contratada.
Neste dia embebedou-se e vomitou o seu despeito.
Passou a acompanhar com avidez as matérias escritas pela estagiária, apontando defeitos nos textos da mocinha e, em contrapartida, auto elogiando-se. Já não era bem visto no jornal e começou a ser evitado pelos colegas na redação que o travavam pelas costas de Caim, o invejoso.
Ao ser foi publicamente censurado pelo editor ao trocar em uma matéria o nome de uma autoridade estadual em visita a cidade, voltou para casa furioso, ligou para o amante clandestino e exigiu prazer naquela noite como tentativa de apagar sua sensação de derrota.
Todo o ódio reprimido explodiu ao saber que o editor tinha um caso amoroso com a estagiária de pernas grossas. Como nutria uma paixão platônica pelo chefe, sentiu-se duplamente traído em sua vida sentimental e jornalística.
Naquele dia, não voltou para casa, não chorou seu fracasso, não vomitou o seu despeito em álcool e muito menos aplacou suas frustrações nos braços de um rapaz. Matou a estagiária com cinco facadas e, vestindo as roupas da vítima, bateu na porta da casa do objeto de sua paixão. Ao atender, o editor pasmou-se com aquela caricatura de mulher, sangue maculando as mãos, rosto desfigurado pela insânia, desesperadamente a gritar: “Eu te amo!”.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Não-soneto Esquizo-dadadodecassílabo Pobre de Rimas


Alvissareiro, o pedreiro filosofa o comércio do amor
Cachaceiro, o tesoureiro vaticina a vacina contra a dor
Matreiro, o vaqueiro tosquia a ovelha do pastor
Brejeiro, o cordeiro ludibria o astuto pensador

Canibalista, o hindu rumina a musical oração
Humanista, o soldado prepara a miraculosa poção
Demonista, o santo apregoa as pregas do sacristão
Fetichista, o exegeta ejeta na aorta o sabão

A Pangéia doente vomita proletários
Tapuias hasteiam a divinal bandeira
Os farrapos devotos da Régia Cangaceira

Riso escarninho, safadeza e: que otários!
Os suados gravatas bravatas crocitam
Fodam-se os asnos que nos criticam

Carlos Cruz - 07/02/2008

Ilustração: The Dada Galaxy by Marcel Janco

quarta-feira, 4 de junho de 2008

A Travessia

Matem-me amanhã
e serei novamente um cadáver agradecido
com um sorriso nos lábios
e a tranqüila serenidade
daqueles que não souberam que partiram,
dos que se foram sem se despedir
(lançados ao espaço por desproporcionais choques de massas)
enquanto o corpo descrevia uma parábola descendente
parando no meio do asfalto, meio morto
(morte de cachorro louco, dia frio, na beira de um meio-fio)

Nós,
os que sempre se vão na hora errada
não queremos mais mundos obscuros
onde as lágrimas não podem passear pelos rostos
e as dores não podem ser acariciadas
à luz do dia

Todos os dias

Por conta dessa noite de virgens loucas
a poesia nada mais é que um momento trágico e mágico
eternizado por uma pena perdida
(no fel da loucura embebida)
servida em cálices altos
aos que se embebedavam
no festim da vida

E por conta de toda esta embriaguez
é que viramos a cidade de pernas pro ar,
somente para encontrar
um par de pernas
cruzadas

Os que vierem depois disso quase nada entenderão
(farão falsos discursos em monocórdios maquinados)
mas o mundo muda de repente (à revelia)
e a travessia pode se dar à qualquer hora
confirmando assim a única certeza da vida

Meu presente para o futuro é um passado sem glórias

Ainda agarro a felicidade pelos cabelos
e a beijo sem volúpia e sem vontade
apenas para ter o prazer de lhe cravar os beiços

terça-feira, 3 de junho de 2008

O Homem Santo - Juliano Guerra




No templo, uma mulher se retorce ao som dos urros da platéia entusiasmada e eu, no meio da maior abstinência da porra do hemisfério ocidental, fico vigiando a saída pra mendigar alguns incautos. Esses crentes de merda nem pra fiar um trocado. Os olhos do homem santo não raro cruzam com os meus, mas, envolvido que está no exorcismo de plástico, me ignora solenemente.

Mais tarde, enquanto ele chacoalha a rosa na minha frente, Nina vai fazendo os ganhos. O que dá, enquanto as pétalas vão caindo e o santo homem me açoita entoando sua liturgia nababesca. Umas fotos de família na parede até que o humanizam: o nojo ainda me mela a boca, mas o asco propriamente dito já pode ser sublimado com boa vontade e a velha filosofia do olho no prêmio.

Nina me espera do lado de fora da casinha, muxoxos & rebeldia pra viagem. O santo homem me baba o pescoço – lesmas ficam nauseadas de uma costa à outra. Esse é meu exorcismo às avessas, deixo os demônios entrarem com suas marchinhas de duplo sentido. Deixo também o esmalte preto das unhas de Nina escorrer pelo platô até formar uma poça. É aí que o homem santo me batiza.

Recebo a paga do dia por me deixar abusar. Seria mais difícil se eu não tivesse vendido minha alma para uma seguradora. Tomo um banho de água quente com sal grosso, cantigas de ninar ressoam. Nina escapa do meu abraço pra arrumar as colheres, depois me chama. Aplicamos um ao outro o remédio, encostamos nossos pés sob o cobertor paranóico e nascemos.

*a imagem acima é "O martírio de São Pedro", de Caravaggio.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

A fuga

Depois que golpeou Amadeus, deu-se ao luxo de observá-lo por alguns minutos, era um homem sereno, jamais alterara a voz, não proporcionou-lhe nada além do que ela tivesse desejado. Era um homem de princípios, pois se preocupava com a saúde e cuidava melhor dela que muitos de seus amantes. Frizava incançável que o relacionamento deles estava errado desde o começo. Foi o único que a compreendeu naquele lugar, só ele estendeu-lhe a mão com carinho, sentiu por vezes que a amava. Cecília nutrira bons sentimentos por ele, mas isso não a impediria de fugir, queria sentir-se solta, longe dali. Bateu com o dedo na seringa por três vezes, o calmante estava pré-destinado à ela foi injetadi na veia dele.
Não sabia distinguir seus próprios sentimentos, como interpretar os alheios? Estava confusa, não suportaria nem mais uma noite ali, no desespero do momento era guerra, ou ela ou ele.
Deu-lhe um beijo aos prantos, sentiria falta, acariciou-lhe a face e deixou-se recostar em seu peito pela última vez. Como podia sentir-se acolhida e querida por um desconhecido? Como se entragara assim? Perdera a conta de quanto tempo perdera ali dentro, mesmo que sentisse ódio, ele tinha sua importância.
Espiou o corredor, olhou dos dois lados, os dormitórios com as luzes todas apagadas, mas ouvia Estela, a louca da boneca de pano". Cantava o que parecia uma canção de ninar, tudo estava vazio e silencioso, pelo adiantado da hora, as pessoas estavam dormindo, com excessão de Estela, que não dormia durante a noite.
Cecília assustava-se com cada sombra, com cada mínimo barulho que ouvia, o corredor ficava mais longo a cada passo e no mesmo compasso a música da louca distanciava-se, foi assim até alcançar o banheiro feminino.
A luz era forte e branca, feria-lhe os olhos noturnos e assombrados, quando se acostumou com a claridade, olhou-se no espelho, no que se transformara? Lembrava-se de suas festas, de seus cabelos arrumados, de suas unhas carmim. Não podia crer que era aquela figura refletida ali, um animal acuado, com medo da própria imagem, olhos esbugalhados, respiração rápida e inconstante.
Tinha que ficar calma, encheu os pulmões de ar, como se aquilo ajudasse, de algum modo, apertou sua mão direita sobre o peito, num acalanto de si e revirou os armários nenhuma roupa apenas uniformes, dezenas de uniformes de enfermeira, tirou sua camisola de algodão-cru, fitou-se mais uma vez, cheia de marcas roxas, resultado das lutas contra seus monstros internos, contra os enfermeiros. Vestiu-se, penteou-se, mais uma vez o espelho, para se certificar de seu disfarce, não pretendia ser notada e saiu descalça pelos corredores por não encontrar nenhum par sapatos.
Mas quem olharia para os seus pés agora, todos dormiam. Ouviu o sussurro de Estela, "-Vá e diga à Orlando que sobrevivi!"
Quem seria Orlando, será que percebera sua fuga? Completou dizendo, "- Diga que não desisti, que derrubarei meus inimigos um a um!"
Ao encontrar a última porta, ainda com a frase de Estela na cabeça, depara-se com um vigia que levanta a cabeça se despedindo, “boa noite, Marie!” Ela respondeu com um breve cumprimento, sem encará-lo e saiu.
Observou, por um breve instante a vastidão escura que a esperava, não havia lua naquela noite, as estrelas cintilavam plenas, como se soubessem que ela estava solta e as luzes amareladas dos postes não abriam tanta claridade quanto precisava. Um calafrio percorreu-lhe a espinha, viu-se liberta, mas para onde ir? Não poderia voltar para casa, tinham-na como um estorvo, uma assassina, a internariam de novo.
Quase sentiu saudade da clausura, do barulho de suas abelhas, da beleza de seu jardim, dos carinhos de Amadeus.
Em seu íntimo entendia que a liberdade utópica era menos complicada que a verdadeira. Não queria pensar em nada, mas seus pensamentos livres como ela, soltos, descalços, sem direção, sem regras, a perseguiriam vitalícios. Respirou fundo e entregou-se a corrida o quanto suas pernas permitiram.
Depois da fuga frenética, encontrou um banco de praça e se sentou, os pés tinham bolhas, alguns pedregulhos estavam presos entre a pele e a carne. Enquanto arrancava-os sem o mínimo cuidado, os ferimentos sangravam, o seu corpo pedia para se deitar, mas na cabeça uma voz alertava-a, se parasse agora seria capturada e levada de volta, o que ela menos queria.
O dia já estava amanhecendo, logo perceberiam sua fuga. Procurou em sua volta, só havia um bêbado deitado na sarjeta, cantarolava algo, mas ela não distinguia o que.
Em uma vitrine sapatos carmim, lindos, flamejantes, uma pedra e os sapatos estavam em seus pés, mais uma vez fugia. E o bêbado gritava, “agora ela tem sapatos vermelhos, a enfermeira tem sapatos vermelhos!”
Sentia-se como "Dorothy Gale", no filme o Mágico de Oz, nos seus sapatos vermelhos, perseguida por monstros e pela bruxa do oeste, tinha a saída em seus sapatos carmim reluzentes, era só batê-los um no outro e repetir seguidas vezes "não há lugar mehor que minha casa, não há ligar melhor que minha casa!"
A quem queria enganar? Não havia lugar pior que sua casa, talvez houvesse, mas ela desconhecia.
Os saltos dos sapatos prendiam-se nos vãos dos paralelepípedos que eram negros e não dourados, como no filme e caminhar com eles era mais complicado que caminhar descalça, tirou os sapatos e continuou a andar, os pés já não doíam mais.
Sentia fome, sede, medo.
Depois de ter andado muito e o dia estar claro, avistou uma pequena cafeteria, entrou, sentou-se, a atendente veio e ela pediu apenas um copo com água. A moça com uma saia curta e olhos gentis, logo trouxe-lhe a água. Cecília bebeu de uma só vez e levou as mãos ao bolso, dissimulando o esquecimento do dinheiro. “A água é por conta da casa”, disse a atendente, comentou que não parecia bem, se precisava de ajuda, Cecília perguntou onde ficava o banheiro.
Viu-se no espelho, estava péssima, ligou a torneira e passou água pelo rosto, pescoço e ajeitou os cabelos mais uma vez. Apática pelo pavor que era tanto que seu coração ecoava dentro de seus ouvidos. Revirava o pescoço com vigor e passava a mão pela nuca, tentando relaxar um pouco.
“Precisa de ajuda?”, uma senhora de olhos caramelados, perguntava, a senhora bem idosa, com vestido colorido, com muita maquiagem nos olhos, cabelos que de tão brancos pareciam acinzentados e uma voz compadecida e carinhosa, insistia, “se precisar de alguma coisa é só pedir”. Como se alguém pudesse ajudá-la.
Acenou que não, com a cabeça e a senhora completou, “deve ter tido uma noite difícil”.
Cecília respondeu internamente, não imagina o quanto e apenas sorriu.
Olhando-se no espelho, sua imagem invertida do outro lado fez-se uma pergunta perturbadora, fugira de si mesma, todo esse tempo?

domingo, 1 de junho de 2008

formiga

Estudo, aprendizado, futuro
Vida, patrimônio, aposentadoria
Apartamento, profissão, casamento
Não me importa errar
Quero ver a formiga andar

Estresse, úlcera, tensão
Mesquinharia, capitalismo, baixaria
Pretensão em ser o fodão
Não me interessa realizar
Quero ver a formiga andar

A formiga movimenta as patinhas
Uma atrás da outra
Arrumadinhas

Filhos, velhice, impotência
Competição, crise, orgulho
Comparação, fofoca, provocação
Não quero apodrecer
Quero ver a formiga correr