quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Fotos de viagem



                Para variar um pouco, postarei agora fotos da viagem que fiz aos Lençois Maranhenses, há poucos dias. Vale muito a pena.

 Praça da Matriz, em Barreirinhas, cidade de apoio ao Parque Nacional dos Lençois Maranhenses.

Barreirinhas

Calçadão ao lado da Avenida Beirario, em Barreirinhas





 As lagoas são formadas com a água da chuva, e por isso são temporárias. Podem ser visitadas durante 3 meses ao ano.




Cabanas com artesanato e lanche, vistas do alto de uma duna

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Nuance

vida pulsante
vida que vibra
em cada traço
do semblante
em cada nuance
em cada gesto
o riso do ser grato
que elege
valer a pena
cada cena
cada segundo
neste mundo
vida que contagia
quem diria
o cético descrente
vida que dá vida
à pobre vida da gente

(em 18/07/2014)

sábado, 22 de agosto de 2015

Alheio


Mal sabia que seu trabalho fazia dignos apenas aqueles que colhiam os frutos de seu esforço.

Sádico e bem treinado, agradecia de bom grado todo resto que lhe era dado

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Se Essa Porra não Mudar, Olê Olê Olá...

Cássio tem 14 anos. Como todo adolescente, já se sente um pouco adulto. Não só pelo tamanho – já ultrapassou o pai em 3 centímetros – mas, porque também está descobrindo coisas de adulto. Cássio é, acima de tudo, um adolescente ‘cabeça’. Certamente um garoto especial. Assistindo da sacada de seu apartamento aos protestos do último domingo, foi que ele bateu este papo com o seu Valdir, seu pai:
- Pai?
- Fala filhão. O que manda?
- Você não protestou nenhuma vez, desde aquela vez do aumento das passagens de ônibus. Por quê?
- Não, não... não tenho saco para esse tipo de coisa, filho...
- Mas, pai – Cássio olhou nos olhos de seu velho – Você não fala sempre que esse país é uma bagunça? Que nada funciona direito?
- Hum...
- Você não acha que o protesto é um bom jeito de reclamar do que está ruim?
- É sim, filho. É uma forma de o povo se expressar sobre o que não está agradando mais. Você tem razão, moleque.
- Então por que você nunca foi a nenhum?
- Hum... – seu Valdir deu uma pensada, talvez tentando achar argumentos não tão radicais. Afinal, não queria desmotivar o filho com pensamentos negativos. Após titubear um pouco, enquanto Cássio ficava impassível aguardando uma resposta de seu velho, seu Valdir disse:
- Olha, filhão. Eu já não acredito mais que essa joça possa mudar. Por isso não vou. Prefiro fazer qualquer outra coisa do que gastar minha energia num protesto que... que... não dá em nada filhão.
- Mas, pai, parece que a Dilma vai sair. Querem o impeachment dela, não é?
- OK. Mas ainda assim não vai mudar porcaria nenhuma. Sai uma bandida, entra outro. Ou outra, sei lá.
- Mas... – Cássio mostrava esperança em sua fala – ...se muda quem está roubando, quem entrar vai se tocar de que o povo não quer mais roubo e patifaria no governo...
- Olha Cássio, acho que não. Não quero parecer um negativo de carteirinha. Acho legal que você acredite, viu?
- Mas...?
- Bem, faça a seguinte analogia meu filho: digamos que sou chamado para trabalhar em uma nova empresa. Meus objetivos são os melhores, você me conhece: trabalhar certinho, se possível não faltar, trazer conforto e qualidade de vida para você e sua mãe, não fazer nada de errado no serviço... Mas, supondo que eu não saiba que na verdade esta empresa em questão não passa de uma quadrilha de bandidos. Que os diretores, gerentes, supervisores, todos nos melhores cargos são preenchidos por pessoas do mal; que esta empresa, por conseguinte, faz o mal a outras pessoas, seja roubando, mentindo, coagindo...
- Bem, você sairia na hora pai, sem dúvida.
- Justo, Cássio. Mas, suponha que eu continue lá e permaneça trabalhando com esses caras ruins. O que você acha que ia acontecer?
- Olha pai... Acho que eles iam tocar um terror para cima de ti, e você ia ter que fazer o que eles te mandassem fazer. Se você fosse contra eles, iria se dar mal.
- Perfeito. Eu teria que consentir com os crimes que esta empresa comete. Teria que ficar de bico calado, e provavelmente passaria a agir como eles, me tornando um homem mal também.
- É... – agora Cássio tinha um olhar meditativo.
- E se, por alguma razão os mais afetados por essa empresa, no caso, os consumidores do produto que ela oferece, saíssem para protestar e botassem a boca no trombone, você acha que os bandidos que a comandam sairiam numa boa de lá?
- Eles iriam aos seus advogados perguntar o que fazer.
- Na mosca filho. E com dinheiro pesado, eles contratariam bons advogados, certo?
- Os melhores, eu acho.
- Sem dúvida. E, se por um acaso eu lhe disser que a chamada LEI, que deveria em teoria ser imparcial, FAVORECE as empresas, muito devido ao dinheiro que elas movimentam ao longo do ano, você acreditaria?
- Sim, pai. Do pouco que eu sei, o dinheiro manda.
- Então, num possível imbróglio judicial, quem se daria melhor: a empresa multimilionária e poderosa, regida por mentecaptos, ou o povo afetado pelos produtos desta empresa?
Cássio sorriu esta hora. Olhou para a rua, lotada de gente, bandeiras, buzinassos e faixas, e disse para o seu Valdir:
- Ah pai... Deixa eles sonhar, deixa. É tão bom acreditar em algo... mesmo que esse ‘algo’ seja impossível... Ainda assim a sensação é boa, certo pai?
- Certo, meu garoto. Agora vem cá dar um abraço no seu velho, vem!
Pai e filho se abraçaram na sacada, por quase um minuto. Aí entraram no apartamento e foram ver uma comédia besteirol americana no Netflix.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Dona Ondina e Seu Teto

Desde a mudança para o novo apartamento, aqueles passos vinham lhe martelando a cabeça. Pesados, firmes, marciais, passos de quem nenhuma consideração nutria pelo vizinho de baixo. E o morador sob aqueles pés que pisavam com tamanha voracidade era ela, viúva, inválida, prisioneira de uma cadeira de rodas, clamando por sossego no apagar de sua existência, sossego quebrado pelos maus modos do morador do 802.
Menos de uma semana convivendo forçosamente com aqueles pés de pedra e pouco sobrara da curta paciência de Dona Ondina. Bastava o morador do 802 chegar em casa e o tormento se iniciava. Passos, a qualquer hora do dia. Uns secos, denunciando os pés descalços do vizinho em contato com o assoalho - Dona Ondina tinha a certeza pela natureza dos sons que o chão acima de sua cabeça era forrado por tacos - outros, agudos, quando a criatura portava sapatos. "Maldito! Se ao menos tivesse um piso para amenizar o trote", lamentava.
Certa noite, despertada pelo andar paquidérmico do vizinho, Dona Ondina, abandonou sua cama e embarcou na cadeira de rodas rumo ao interfone. Reclamou com o sonolento porteiro do comportamento anti-social do morador do 802 e pediu providências. Minutos depois, o empregado, agora desperto, certo assombro modulando a voz, informou à importunada velhinha que o "Seu Rosalvo" havia demonstrado bastante irritação com a abordagem àquela hora da madrugada e, como conseqüência, mandara um recado à reclamante.
— Que tipo de recado, Diderot?
O porteiro, iluminista só no registro de nascimento, ainda tentou amenizar a situação.
— Com todo o respeito, Dona Ondina, ele mandou a senhora tomar naquele lugar onde o sol não bate...
O incidente fez que dela germinasse profundo ódio em relação ao morador do 802. O rude trotar de Rosalvo tornou-se apenas um componente no manancial de insatisfações que a anciã cultivava por ele. Suas gargalhadas, visitas, músicas escutadas, barulho da descarga, cheiro das suas frituras de homem solteiro, tudo era motivo de reclamações. Diderot ainda tentava apaziguar a contenda porém, Dona Ondina era resoluta: “Até a respiração desse calhorda me incomoda”, dizia ela ao porteiro da noite.
A solidão de Dona Ondina provocada por sua dificuldade em locomover-se era, diluída pela visita semanal da faxineira e pela internet. Os netos, presença bissexta no apartamento, costumavam provocá-la, chamando-a de “Vovó Internauta”. Ela assentia rejubilada àquelas homeopáticas manifestações de carinho dos seus enquanto conectava-se em ondas cibernéticas com o mundo que lhe era privado pela fraqueza das pernas. Cadeira de rodas em frente ao computador, Dona Ondina surfava na rede,  comprando o que era necessário para sua sobrevivência de mulher que pouco ia à rua, fazendo amigos virtuais, trocando receitas por e-mails, vasculhando a vida alheia nas páginas de relacionamentos pipocantes no universo web.
Foi quando ela chegou, obra do acaso, em curioso endereço eletrônico intitulado “Despacho.com”. No site a anciã descobriu, num misto de encantamento e horror, diversos trabalhos de religiões afros para o bem e para o mal.  Numa seção, o internauta poderia enviar o seu “ebó virtual” para prosperidade, saúde, doença ou morte de algum desafeto.
Rosalvo estava impossível naquele dia, sapateando nos miolos de Dona Ondina, cd dos sambas-enredos no último volume. Ela olhou a tela iluminada à sua frente, encarou o teto como se dali brotasse o barulho provocado pelo morador do 802, suspirou e pediu perdão a Santa Prisciliana, de quem era devota.
Selecionou com o mouse o mais perverso dos ebós.
Clicou em “enviar”.
Os dias correram em velocidade banda larga e Dona Ondina esqueceu por completo Rosalvo, macumbas virtuais e netos ingratos, mergulhando por inteira em sua invalidez e no passatempo da internet. Em certo momento, percebeu que há dias nenhum barulho partia do andar de cima. Agora era o silêncio que a incomodava. Incômodo de mãos dadas com o remorso. Temeu que o ebó encomendado houvesse surtido efeito e internamente se justificava: “Foi um momento de desespero, o homem me perturbava o dia inteiro”. Ou ainda: “Não levei a sério o Despacho ponto com, foi uma brincadeirinha de velha”.
Entrou em pânico ao sentir o cheiro da carne apodrecida vindo do andar de cima. Imediatamente ligou para a portaria. Aristófanes, porteiro do dia, atendeu e de pronto foi averiguar. Minutos depois o interfone soou no apartamento de Dona Ondina:
— Ligue não, Dona. Era um pacote de carne podre que alguém jogou fora e ficou entalado na porta da lixeira do oitavo andar. Seu Rosalvo deve estar vivo e gozando a vida por aí.
— E você sabe dele, Aristófanes?
O porteiro do dia, que de gracejador possuía algo além do nome de batismo, não perdeu a oportunidade de vomitar um gracejo:
— Seu Rosalvo viaja muito. Faz uma semana que eu não vejo ele. Deve estar queimando a rosca em algum lugar.
— Como?
— Essas coisas, Dona. Tenho até vergonha de falar com a senhora. Esses negócios estranhos, de homem com homem, a senhora entende?
Dona Ondina entendia, mas não eram os gostos sexuais do vizinho do 802 o alvo de suas preocupações. Queria o silêncio pairando sobre sua cabeça e temeu o regresso de Rosalvo, pisando duro, gargalhando alto, ladrão de sua paz.
— Quem sabe ele se casa, Dona, com um gringo bonitão que leve ele lá pras estranjas? Copacabana tá cheia deles!
Se casou, não deu notícias. Meses avançaram sem que um único barulho escapasse do andar de cima. Nem o som de uma chave girando dentro da fechadura chegava aos ouvidos de Dona Ondina. Arrependida por julgar haver vitimado Rosalvo com as artes do ciberfeitiço, a anciã acendeu uma vela virtual e deixou uma oração pela suposta alma no “Santa Prisciliana on line”.
Alívio percorreu seu ser quando foi acordada uma noite pelos passos de Rosalvo. Por debaixo das cobertas, chegou a sorrir ao reconhecer as passadas familiares, rítmicas, do vizinho do 802. Ele estava de volta. Nada acontecera. Certamente, largado pelo namorado estrangeiro que não deveria existir somente na cabeça maledicente de Aristófanes, Rosalvo retornara. Dona Ondina  reencontraria o sossego de espírito, roubado pelo silêncio que tanto ansiara. Jurou nunca mais reclamar de Rosalvo, emitir-lhes pensamentos rancorosos ou botar seu nome em bocas de sapos de mentira  nas páginas da internet. Tentaria selar a paz  com o morador de cima.
Porém, dias transcorriam e os baques provocados pelos pés de Rosalvo tornaram-se insuportáveis. Houve momentos em que ele chegou a andar por horas a fio massacrando os miolos da anciã a qual deixou de lado a trégua e acionou o porteiro da noite.
— Diderot, avisa para o Seu Rosalvo que ele está me deixando doida com esse barulho na minha cabeça.
— Como assim, Dona Ondina?
— Os passos, Diderot, desse cavalo batizado do Rosalvo.
Percebeu uma sensação de constrangimento do outro lado da linha.
— Dona Ondina, Seu Rosalvo morreu. O corpo foi encontrado semana passada lá na estrada das Paineiras. Desovaram o coitado...
— Tem alguém no apartamento?
— Não, os parentes dele vêm amanhã para tirar a mobília.
Dona Ondina negou-se a consultar um psiquiatra. Os filhos, agora mais presentes, tentaram de todas as formar dissuadi-la da decisão, mas ela manteve-se firme. Era o finado vizinho que estava lá, sapateando sobre sua cabeça como forma de vingança por ela ter encomendado sua morte através das forças ocultas. E ela, pecadora, teria que permanecer ali até o final dos seus dias purgando a sua maldade com um semelhante. “Deixe de besteira, mãe” dizia um filho. “Se ouvem a senhora falando deste modo, acabam acreditando e te denunciam”, dizia o outro. “Vocês não o percebem porque ele é esperto. Fica quietinho quando tem mais alguém em casa. Ele só que me atormentar, e com justiça”. Os filhos desistiram. Que a mãe ficasse com suas loucuras.
Dona Ondina passou a pesquisar em sites sobre fenômenos mediúnicos e descobriu que o modo mais fácil de se comunicar com aquele tipo de espírito seria através das pancadas que ele emitia.
Logi que as batidas no teto voltaram, ela perguntou com firmeza:
— É você que se manifesta, Rosalvo? Se for você, bata duas vezes.
Três batidas secas.
Repetiu a pergunta diversas vezes. Sempre as mesmas três pancadas em negativa.
Intrigada, ela catou caneta e papel para em seguida pergunta:
— Pode então soletrar seu nome através de um número de batidas correspondente a cada letra do alfabeto? Um batida para a letra "A", duas para "B" e assim por diante? Se concordar, bata uma vez.
Uma batida.
— Então, vamos ao trabalho.
Gastou a tarde inteira conversando com o morto pelo método das pancadas. Descobriu chamar-se Ângelo e que vivera naquele apartamento 30 anos atrás. Permanecera no imóvel sempre assustando àqueles que se aventurassem nele morar, porém, estava cansado dessa vida de fantasma batucador de tetos. Antes, tentara fazer o mesmo com ela, Ondina, mas ficara decepcionado com a confusão que a velhinha fizera entre suas batidas e os passos de Rosalvo, realmente barulhentos. Estava mesmo surpreso por ela imaginar ser ele o espírito de Rosalvo. Tranqüilizou a anciã afirmando que o morador do 802 não fora vítima dele, nem tão pouco dos seus ebós à distância. Rosalvo morrera por obra de um assaltante especializado em seduzir homens para roubá-los. "Reagiu, o pobre coitado".
Aperfeiçoaram o método de comunicação, passando das batidas, alvo das reclamações do vizinhos, para a escrita no computador. Dona Ondina digitava e Ângelo respondia logo abaixo, guiando o cursor como por encantamento.
Dona Ondina viveu seus últimos anos assim, em colóquio diário com o espírito batedor. Soube noticias do outro lado, inclusive de parentes. Ângelo revelou-se um ótimo correspondente do além. Guardou segredo até o fim. Ninguém acreditaria mesmo...

Da aurora

da aurora
pouco
pode-se enxergar:
ou se está muito sonolento,
ou bêbado demais
abrindo/fechando bar.

André Espínola

(Poesia presente no Ebook "Apenas Cinco Minutos")

domingo, 16 de agosto de 2015

Coma nº 7

arrastar-se pra casa
catarse constante
o coma

restos e mais restos
de si mesmo

deixados pra trás
desde o parto
desde o berço

no rastro
do tempo.


sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Trova de Edweine Loureiro



À criança brasileira,
retransmito esta lição:
a decisão mais certeira
é ter um livro na mão.

(Edweine Loureiro – Japão)

domingo, 9 de agosto de 2015

O ÉPICO DO MAL


Ontem foi o pior dia na vida dos torcedores-pseudo-conformados-incrédulos
Os hereges do futebol sucumbiram
Quem não abandonaria seus valores diante do improvável épico
Os céticos torcedores receberam um soco no estômago
Pensemos num Flamenguista a semana toda se convencendo do pior
Proliferando, a eliminação é certa!
Programado pra não sofrer o torcedor nada esperava
Tudo havia acabado na patética derrota para o Emelec
Ele já mirava o Carioca
Não pensava mais em Libertadores
Deu merda nos seus planos de paz interior
O dia 12 de abril de 2012 foi inesquecível
O jogo rolava e o ateu torcedor conversava com outros não tão incrédulos
Dizia ele sereno e convicto: - “Não criem expectativas, os jogos estão começando.”
Dois jogos simultâneos pra apreciar
O Flamengo precisava vencer e torcia por um empate no outro jogo
O primeiro gol do Flamengo saiu no primeiro tempo
O cético torcedor se conteve de razão e ponderou: - “Eu sei, com a vitória breve, o empate simultâneo no Paraguai, estamos momentaneamente classificados, mas o jogo de lá terá vencedor, podem apostar, estamos abolidos das oitavas.”
O anuído torcedor seguia agnóstico
Segundo gol do Flamengo e final do primeiro tempo
Torcedores comuns comemoravam a parcial classificação
Não ele!
Gol do Olímpia, e o torcedor-pseudo-conformado-incrédulo articulou: - “Eu falei pra vocês, relaxem o Flamengo não vai classificar.”.
Começa o segundo tempo e gol do Flamengo, a essa altura do campeonato o jogo do Flamengo não importava.
Todos os olhos voltaram-se para:
Olímpia 1 X 0 Emelec
Os momentos passam, e aos 21 minutos do segundo tempo:
Emelec 1 X 1 Olímpia
Desse jeito, Flamengo classificado.
Isso não afetou o budista torcedor, ele continuou incrédulo e iterou: - “Esse jogo vai ter vencedor, não comemorem.”.
Dos 21 minutos aos 41 o resignado torcedor manteve seu discurso racional
Ainda no presente do passado, o classificado torcedor-pseudo-conformado-incrédulo, sabia, sua fiúza seria convalidada.
Não deu outra, aos 42 do segundo tempo, aconteceu o inequívoco esperado:
Emelec 2 x 1 Olimpia
E o torcedor-pseudo-conformado-incrédulo arrazoou aliviado: -“Eu falei, viu, acabou, fim de papo, fatura encerrada, Flamengo desclassificado, eu te disse... eu te disse... eu te disse, vai acabar o jogo...”.
Ele estava certo e sereno, teria uma noite tranquila.
Entretanto aos 45 minutos do segundo tempo o improvável aconteceu:
Olímpia 2 X 2 Emelec
Não teve jeito, o torcedor-pseudo-conformado-incrédulo, comemorou a impossível classificação, ele abandonou seus ideais e foi feliz, tudo era pleno, o Flamengo estava classificado, agora ele podia comemorar, era épico.
Mas não
Ele não devia ter comemorado antes do apito final
Ele se traiu
Ele acreditou
Ele que não comemoraria, comemorou.
Não podia, nunca!
Eis que o já não descrente torcedor-pseudo-conformado-incrédulo tinha razão, e aos 47 minutos do segundo tempo, no último lance do jogo:
Emelec 3 x 2 Olímpia
Flamengo desclassificado
E o torcedor-pseudo-conformado-incrédulo, programado pra não sofrer, sofreu como nunca antes sofrera.
Esse dia foi épico
O Épico do Mal

Pablo Treuffar
Licença Creative Commons
Based on a work at www.pablotreuffar.com
A VERDADE É QUE EU MINTO

A VERDADE É QUE EU MINTO

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

VERSUS

Sonhar alto
conseguir a Bolsa,
passar no concurso,
atingir a meta de vendas,
fabricar um catálogo,
instituir parcerias,
aprovar no Mestrado,
definir prioridades,
alavancar os resultados,
dinamizar as relações,
conquistar mais espaço,
organizar o almoço de fim
de ano do departamento;
ter e aparecer.

Sonhar
incendiar a Bolsa de Valores,
nunca mais preencher um curriculum,
dar o que não mais deseja,
se irmanar dos iguais,
fumar as anotações do artigo acadêmico,
beber nas segundas-feiras,
dividir o aluguel,
bater ponto só no Terreiro,
ler tudo do Piva,
escrever nos muros da cidade,
quando morrer, ter um albergue
para moradores de rua
batizado com seu nome
e enfim desaparecer.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Tratamento do Choque *



            De começo foi imperceptível e estranha infecção, daquelas que espreitam corpos desavisados, trechos não vistos e períodos decompostos. Amigavelmente, ia atingindo um setor, um membro, daí se espalhando para todo o corpo. Ou a maior parte dele.
            Isto em geral poderia resultar em uma atividade febril, na suspensão de sensações ou, em casos mais extremos, a morte do organismo. E os órgãos sabem que morrem coletivamente; o problema nunca é somente dos outros... Cada um tem sua parcela, a falência individual acaba tornando-se múltipla. Morrer é fácil, viver é fácil, o difícil é conviver, como já disse o poeta...
            Não que estivesse já nos estertores: por fora ainda brilhava o lume do uso diário, de aventuras passadas e outras atividades recentes que sempre refrigeravam, traziam um frescor de vida e beleza que areja lugares insalubres. Assim como o tifo, aparece quase sem querer.
            Austregésilo do Perpétuo Amparo tremia convulsivamente no meio da birosca mal ajambrada onde havia se refugiado, estrofes e parágrafos estragados nas mãos, um sem número de rostos, rodopiando em sua volta, sussurravam sibilantes: “Lindo”, “Maravilhoso”, “Belíssimo”, fora os “Bravos” e “Bis”. O pobre sabia estar nu e todos aplaudiam. Austregésilo tremia e tremia e tremia... Sabia estar infectado com o vírus do elogio gratuito.
            Foi salvo por um ornitorrinco resmungão, que aplicou-lhe vocabulária vacina:
            − Tu não escreveu nada! Não disse alhos com bugalhos e ainda quer palmas?
O pobre quedou ali sem entender, mas sentindo os tremores cederem, enquanto o Ornithorhynchus anatinus saiu gingando no melhor estilo Bogart e ao som dos maiores sambas da velha guarda barnasiana.
− Sincerol 500 miligramas, direto na veia. O melhor remédio para o nhe-nhe-nhem...
           

Austregésilo, de súbito atingido por inclemente chuva de tomates podres, sentiu que se não estava curado, ia no caminho da cura. E pôs-se a reescrever tudo aquilo que já havia dito um dia, sem dramas, nem dracmas, nem choro, nem lágrimas...  

* Em homenagem aos 10 anos de Bar do Escritor, um aperitivo publicado na quarta antologia do BdE: Tomo IV.