domingo, 30 de outubro de 2011

Convidado José Luiz Parreira

Rascunho I

Corrijam meus erros,

Desengavetem tudo,
Esmiucem toda minha vida,
Pontuem as frases,
Encontrem sinônimos,
Enriqueçam a linguagem.
Eu só fiz rascunhos, entendam!
Me poupem do vechame
Do “ch” ao “x”.
Mas não me poupem
Se eu nada sentir
Discordem da concordância,
Que eu, por certo concordarei.
Eu não escrevo versos,
Eu apenas transbordo
Como um pote que se não pode mais encher.
Passem tudo a limpo,
Não emoldurem nada
Deixem que crianças
Desenhem ao pé de cada página.
Ouçam música quando lerem,
Entertenham-se com minha alma,
Pois a morte vem chegando
Passando a vida a limpo.

---

José Luiz Parreira

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Dicas do Prosas e Viagens

Pessoal, estou aqui novamente dando umas dicas do meu blog.

Quem gosta de minicontos, pode ler alguns clicando aqui: http://prosaseviagens.blogspot.com/search/label/minicontos


Quem se encanta por poesias visuais, veja algumas aqui: http://prosaseviagens.blogspot.com/search/label/Poesia%20visual


Quem gosta de viajar e gostaria de ver algumas fotos e dicas de Brasília, confira aqui: http://prosaseviagens.blogspot.com/search/label/Turismo%3A%20Bras%C3%ADlia e também aqui (pois o DF, acreditem, não é só Brasília): http://prosaseviagens.blogspot.com/search/label/Turismo%3A%20o%20DF%20n%C3%A3o%20%C3%A9%20s%C3%B3%20Bras%C3%ADlia

Ficam as dicas e boa leitura!

Pele

Pisa-te mal quem te acha feia.
Mas não eu, que te sei,
sob a máscara rude, delicada.

Pisa-te mal quem te tem medo e te acha fria.
Mas se te piso, São Paulo amada,
é como quem acaricia.

Cada passo a que me atrevo sobre o asfalto,
cada toque dos sapatos sobre as tuas avenidas
é como um afago, um agrado
sobre a pele da mulher querida.
Se percorro as tuas ruas e te toco o calçamento,
toco como quem toca, leve e lento,
as costas nuas da namorada.

sábado, 22 de outubro de 2011

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Enfim

Sereia cauda causa cada
Átomo de tudo que é
E deixou de ser
Tudo que me cala
Planta sem jardim
Ramas de peixes
Escama fina flor
Espinho espinha
Fibras de alecrim
Aroma veia amarga
Sangue que há em mim?
Meu pulso jaz
No fluxo atormentado
Que há no fim, ou
Onde os teus olhos olhem
Onde tudo inicia e acaba
Em luz azul carmim

Reembolsar despesas era mais negócio

Bom, daí esse sábado resolvi fazer o teste.

O combinado era às três horas eu me apresentar. Tratou-se de uma pizzaria há uns quilômetros de casa. Já fazia algum tempo que recebia os sinais. Vocês sabem, o universo vai se comunicando conosco. Portanto, lá fui eu, partindo de casa sob a garoa de um céu cinza.

Fui caminhando. Protegendo-me da chuva, a lona de um guarda-chuva laranja. Eu só tinha esse guarda-chuva pra usar, e eu não ligava pra cor dele. Dizem que é feminino, mas, para mim, tanto faz.

Eu gosto de caminhar, é um bom exercício para as pernas, tirando a sensação de nostalgia que me invade sempre quando faço. Quer dizer, não teria como eu narrar qualquer outra coisa ou acontecimento nesse ínterim senão as minhas lembranças de quando caminhava com ela segurando os meus braços. Não deixou de ser triste.

Cheguei no horário combinado. Havia um sujeito com uma cara bastante desagradável de se olhar esperando sentado à frente do lugar. A pizzaria, de grandes portas de vidro, permanecia fechada e com as luzes apagadas. Eu não tinha relógio e perguntei ao rapaz sobre as horas. Ele me respondeu, com uma cara bastante feia, que já eram pra lá das três. Eu não me deixei abater. Encostei o guarda-chuva na parede e me sentei no chão que era coberto por uma telha na entrada do estabelecimento. Não demorou e surgiu mais outro integrante. Cumprimentou-nos de uma maneira alegre. Nada acontecia, só esperávamos. Depois de uns três minutos de silêncio, resolvi perguntar qual time ele torcia, como uma maneira de puxar um assunto e dar uma desbaratinada, de repente. Já fui logo perguntando: “Corintiano?!” E ele me respondeu “ôxe, São Paulino! E você?” E eu respondi: “Corintiano” Daí ele “tem cara” Aí eu “de maloqueiro?” Aí ele “não, não foi isso que quis dizer” Aí eu “é, você também não tem cara de ser veado! Melhor assim.” E não falamos mais nada.

Ficamos esperando por pelo menos uns quarenta minutos e eu não tinha sequer uma revista. O dono do lugar não aparecia. Que tempo perdido deveria ser aquilo, eu pensava. Mesmo assim eu permaneci firme e forte. Então, passado esse tempo, chega o dono, cujo eu havia conversado no dia anterior. Estacionou o carro numa área que havia bem a nossa frente, e saíram dele cinco pessoas. Quatro operários, com a mesma cara do sujeito que conheci primeiro. Como o dono de um rebanho, tomou a frente e já se pôs com as chaves na mão a abrir o portão dos fundos, por onde iríamos entrar e seguir os seus passos. Levou-nos até o lugar onde era feito tudo. Eram dois metros quadrados para se fazer as esfihas, outro lugar do que poderia ser de uns três por dois para as pizzas, uma cozinha onde se espremia tomates e picava cebolas, além da preparação do café, e por fim um cubículo onde havia uns armários e um banheiro. Tudo isso escondido do público, com exceção do espaço onde eram preparadas as pizzas, que tinha janelas de vidro para que os clientes pudessem ver o quão higiênico era o lugar.

O pessoal já estava adaptado, já sabiam o que fazer e como fazer. Cada um, à medida que iam entrando posicionavam-se em seus lugares. Um foi preparar a massa, o outro o molho, e assim por diante. Eu fiquei ali, esperando por qualquer coisa. Talvez uma luz divina, eu não sabia ao certo. Enfim... Aí alguém me jogou um pacote com uma camiseta branca e uma espécie de toca para não deixar os cabelos caírem. Eu entreguei o meu guarda-chuva laranja para essa mesma pessoa pedindo o favor de guardar, e ouvi “iih, olha a cor do guarda-chuva do cara” E eu simplesmente ignorei. Fui até o banheiro e me vesti. O dono, que se chamava Tico, orientou um rapaz, que por coincidência era aquele que havia conhecido melhor ainda enquanto estávamos lá fora, a me passar o que deveria feito. E então foi o que ele fez. Veio com uma caixa cheia de cebolas gigantes e um facão, depois trouxe um balde e disse: “é só descascar”. Aí ficamos eu e ele tirando as cascas de uma centena de cebolas. As cebolas eram gigantes, e exalavam aquela coisa forte que nos faz chorar. O sujeito que descascava as cebolas comigo até que era gente boa. Trocamos umas idéias. Ele estudava direito, e achei aquilo peculiar. Quer dizer, que espécie de futuro advogado descasca cebolas no final de semana? Isso deve ser raro. Bom, enfim... Vivendo e aprendendo.

As cebolas foram descascadas e a essas alturas eu já sabia até o nome do sujeito, que atendia como “Jonny”. Quando soube seu nome, pensei: caramba, que coisa, um Jonny descascando cebolas. Todos operavam e davam risadas. Eu não sabia se era da minha cara ou o quê, mas eu pouco ligava. Quando eu perguntava seus nomes, como resposta ouvia: “Péba”, ou “Galego”, ou “Barriga” e etc. Quer dizer, os nomes pareciam ser improváveis e eles não paravam de dar risadas enquanto falavam comigo. Deviam estar zoando com a minha cara, certeza. Mas de qualquer maneira, eu não ligava.

Aí eu fui pra cozinha, onde espremi uns tomates. Foi um sujeito que atendia pelo nome de “Bahia” quem me orientou a usar a máquina. A máquina que espremia os tomates era uma coisa de louco. Precisava-se de muita técnica para manuseá-la. Eu não peguei a técnica e, em um momento quando apelei para a força, o tomate explodiu lá dentro, espirrando suco pra tudo que foi lado. Bahia achou estranho, e disse: “oxe” Bom, eu me desculpei. Espremi uns tomates e piquei umas cebolas, também, usando a mesma máquina. Aquilo ia ser o tempero da esfiha. Sai dali. Fui até o espaço onde era feito tudo o que tivesse a ver com as pizzas. Eles preparavam a massa e eu fui aprender. Um sujeito que atendia pelo nome de “Jow” foi quem me ensinou. A gente tinha que pegar um punhado de massa e socá-la no balcão, assim para tirar o ar de dentro dela. Feito isso, fazíamos dela uma bola e guardávamos na gaveta. Não entendia a razão daquilo, mas fui fazendo. Várias bolas de massa.

Voltei ao lugar onde era feito tudo o que tivesse a ver com as esfihas. Um rapaz baixo e gordo espremia com a mão um monte de carne moída. Devo admitir que, após ter visto uns vídeos de uns ativistas vegans, essa coisa de se espremer carnes não me desce muito bem. Contrai certa rejeição contra esse tipo de coisa. De toda maneira, não falei nada. Era meio da tarde e ainda não havia muito movimento, ou seja, muitos pedidos. Ignorei o sujeito que mexia com o amontoado de carne. Eu não tinha nada para fazer lá e fui ao banheiro. Voltei e o Jonny colocava uns saches de catchup dentro de uns saquinhos com limão. Achei que ele merecia ajuda. Ficamos lá, fazendo isso. Quer dizer, apesar da chuva, dezenas de ônibus pegavam as estradas, a tribo mística saía em excursão, alguns recebendo vales e outros sendo bonificados, milhares de cabeças fervilhando em São Paulo planejando o que seria daquela noite com as garrafas de vinho tomando suas temperaturas e todo mundo ansiosos para celebrar a vida, enfim... O mundo acontecendo e eu lá, colocando saches de catchups dentro de um saquinho com limão. Era deprimente, mas me mantive forte. Ah, como eu era feliz e não sabia, pensava. Se pudesse ao menos falar com alguma das pessoas que sinto vontade. Desculpar-me. Enfim...

Feito isso fui até a cozinha, onde preparei um café. Tomei um copo de café. Aliás, de hora em hora eu tomaria um copo de café. Aí eu voltei. Alguém fazia bolinhas de massa, o que viriam a se tornar esfihas. Fui ajudar. Era um cara gordo e mal educado quem fazia isso. Ele tentou me dar uns toques, mas eu não entendi nada do que ele pronunciava. Era como outro dialeto. Enfim... Eu dei um jeito de levar aquelas nove horas de maneira que me fosse justo o que viria a receber. Eu ajudava um pouco aqui, e um pouco ali, até quando me fixei na tarefa de tirar as pizzas do forno. Alguém ia colocando as pizzas no forno e eu ficava de guarda do outro lado esperando que ela chegasse até mim por uma espécie de esteira. O forno era a gás e a pizza vinha automaticamente por essa esteira. Não era como esses fornos a lenha que vemos nas pizzarias mais tradicionais. Aí eu recolhia a pizza e colocava no pacote, etiquetava e despachava por uma janelinha ao meu lado, apertando um sino para chamar a atenção da recepcionista que iria entregá-la ao cliente. Fiquei fazendo isso. Num dado momento, começou a se tornar insuportável o cheiro forte de bacon e calabresa que tomava conta de tudo. Eu saia de trinta em trinta minutos para tomar uma água e me refazer, além do café. Era realmente difícil. Além do calor em excesso quando ficamos na frente de um forno como aqueles.

Ia e vinha, dava um grito pra alguém coisa e tal: “Aê Bahia, faz favor!” Foi como passei o tempo. A essas alturas eu já não chamava mais ninguém pelo nome ou apelido. De uma maneira todos eram “Bahia”. De repente me disseram que eu poderia fazer a minha própria esfiha, caso eu estivesse com fome. Bem, eu não tinha comido nada durante o dia todo, decidi ir lá ver como é que se fazia. Coloquei-me ao lado daquele sujeito que não falava a mesma língua que eu. Ele virou-se a mim, enfiou o dedo no nariz e voltou a se concentrar no trabalho. Dava socos em um monte de bolinhas de massa, depois as colocava em um recipiente e amassava fazendo delas uma seqüencia de discos e, só então colocava o recheio, que na maior parte era aquela carne misturada com tomate amassado e cebola picada. Imitei o procedimento e, na hora de colocar o recheio, peguei uns brócolis e queijo que percebi na bancada. Fiz quatro esfihas de brócolis e queijo e pus ao forno. Depois de cinco minutos, Jonny (único que assimilei o nome) recolheu-as e me entregou. Sentei numa mesa que havia por ali, aquela onde ficamos colocando os catchups no saquinho. Na metade da minha primeira esfiha sentaram-se ao meu lado duas das atendentes. Colocaram sobre a mesa, cada uma, um prato com arroz e batata com carne cozida. Exalava um cheiro. Um cheiro de carne cozida. Pensei: caramba. Aí elas ficaram conversando entre si, fofocando quaisquer coisas. E então, aconteceu: puxaram papo. Bem, tentaram alguma coisa, sim, mas eu não dei abertura. Aí eu guardei duas das esfihas e decidi que já havia me satisfeito.

Voltei ao lugar onde eram feitas as pizzas. Aí eu cheguei lá e o Bahia mexia com as massas. Ele retirava da gaveta aquelas bolas que havíamos feito e, com o rolo, esticava-as. Fui fazer também. Ele me estranhou, por algum motivo, e disse: “oxe”. Muita gente dizia “oxe”. Eu achava aquilo engraçado e simpático. E então eu me pus a esticar as massas, formando o disco. Não tive problemas com aquilo. Quer dizer, o meu ritmo não era tão bom, mas consegui algumas coisas.

Voltei a retirar as pizzas. Era tudo muito louco e frenético. Num sábado, uma pizzaria fervilha. Não temos muito que fazer a não ser tentar ajudar de todas as formas. De qualquer maneira, eu fiquei fixo na tarefa de retirar as pizzas do forno e despachar. Pela janela onde eu colocava as pizzas, apareceu a cabeça de uma das atendentes: “nossa, você aprende rápido” E eu não respondi nada. Qualquer coisa que viesse a dizer faria com que ela se achasse no direito de me dizer mais e mais coisas, o que iria gerar um baita mal entendido. Portanto, foi isso.

Meia noite e fui ao banheiro. Tirei a camiseta e a embrulhei novamente no plástico. Eu estava ansioso. Tirei a toca. Deixei tudo no armário. Sai e fui falar com o Tico, que comia sushis na cozinha. Ele me ofereceu, mas eu disse que não queria. Por algum motivo, ele já sabia de tudo e me deu trinta e seis reais, que era o equivalente às nove horas trabalhadas e mais os seis da condução. Agradeci-o e disse que havia sido uma boa experiência. Avisei-o caso precisasse de um motoqueiro, que iria ser um prazer.Sai de lá e dei uma boa noite Bahia de uma maneira geral. Todos retribuíram.

Pronto. Missão cumprida, né?

Sim, na rua, olhei pro céu. A atmosfera era agradável. Comuniquei-me com o universo. Houve alguma atenção por parte dele, senão eu não estaria escrevendo isso agora. Pensei nela. Pensei na vida. Caminhei. Caminhei sob a garoa. A sensação de nostalgia voltou a me invadir. Quantas vezes não passeamos sob a chuva com você segurando os meus braços? Agora ninguém o segurava. Era tudo muito simples e perfeito ao seu lado. O teu sorrido. Onde foi parar? A minha vida, onde foi parar? A nossa vida.

Entrei e sentei no balcão. Pedi uma garrafa de cerveja, enquanto uns moleques davam risadas em companhia de suas meninas numa mesa atrás de mim. Eu não tenho mais paciência pra isso. A gente era feliz. Fomos felizes. Tomei a garrafa de cerveja lembrando cada uma das garrafas que tomamos juntos. Lembrei do dia em que fui feliz ao teu lado. Ainda ouço você me acordar dizendo “bom dia Bahia”. E eu, às vezes, sem querer, me pego dizendo sozinho “bom dia, flor do dia”. Pra quem? Eu devo estar ficando louco.

Veio alguém e me cumprimentou. Eu só conhecia de vista, não sabia quem era. Talvez tenhamos estudado juntos há muito tempo atrás. De qualquer maneira, retribui. Pedi outra cerveja. Depois, uma dose de vodka... E assim por diante, você sabe como é... Mantive o pensamento em você.

Entrou no bar, por alguma coincidência metafísica qualquer dessas, uma daquelas atendentes. Não sei qual foi a concordância astral, mas lá estava ela. Passou por detrás de mim rebolando e senti o cheiro de um perfume. Bem, não era um ”Caroline Herrera”. Eu girei o rosto, como não iria fazer? Caminhou com a bunda empinada até o fundo, lá onde havia os sanitários. Parou, girou e olhou-me. Meditei e pensei: que mal tem? Ela prosseguiu. Virei a vodka que ainda restava no copo, levantei e fui. Ela me aguardava com a porta aberta segurando a maçaneta. Mesmo sendo feminino, empurrei-a porta adentro, de maneira que ficasse sem saída. Deixei que a porta se fechasse sozinha e a joguei pra dentro de uma das cabines, enquanto ela abaixava a saia toda desengonçada. Com as pernas arriadas, sentada numa privada de tampas fechadas, pôs com cautela o fio frontal da calcinha de lado, no instante em que pensei: caramba. Tirei pra fora, embrulhei-o e meti. Conforme as investidas, a cabeça da danada balançava que parecia uma maria mole pendendo pra fora. Na hora de gozar fiz graça: mirei no umbigo, mas acertei o olho. Acontece. Recompus-me e sai. Voltei a sentar no balcão e pedi outra cerveja. Ela ficou lá, não sei o que fazendo. Eu virava o copo quando passou por detrás de mim e beliscou meu abdome. Girei o rosto de maneira a retribuir. Arrivederci.

Sai de lá no meio da madrugada, assim que o bar fechou, ouvindo um psykovsky pelos fones de ouvido. Em momento algum eu tomei um ônibus, mas economizei e fui caminhando. Sempre caminhando. No dia seguinte acordei bem. Fui até o correio e postei dez reais que me sobrou ao endereço de minha ex-mulher. Meu bacuri tá lá, lindo e esperto. Como não pensar nele? Não sei se chegou o dinheiro, os correios são incertos. Ainda mais quando encaminhamos por carta simples.

Depois fiquei lendo a história do Brasil.

(por Lito Spuleta)

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Convidado Carlos Henrique Azevedo

Sexta-feira


O metrô estava estranhamente vazio naquela sexta-feira. Lá fora, o Rio de Janeiro continuava lindo. Mas para a minha alegria, a escuridão dos túneis deixava as pernas das cariocas ainda mais bonitas. Talvez fosse ilusão, quando havia poucas moças no metrô qualquer joelho valorizava a viagem. Na minha frente, uma bela prova da minha teoria: uma morena alta se espreguiçava calmamente, tinha seus dezessete anos. Tentei me lembrar dos meus dezessete, não consegui.

A menina olhou para mim. Meu peito, que já viveu alguns carnavais, se escolheu acuado. Meu nariz, por maior que seja, buscou sem sucesso o ar escasso do vagão. Engoli seco, ela iria falar.

A jovem sabia o que estava fazendo: com os pés apontados em minha direção, ela alisou seu cabelo e mordeu os lábios, o silêncio finalmente iria ser quebrado. Seus olhos passearam pelo ambiente, era como se pedissem autorização para o que ela iria fazer. Ela devagar abriu sua boca ... e logo depois a bolsa. O ar finalmente entrou nos meus pulmões, era alarme falso.

A moça tirou as mãos da bolsa e me encarou de novo. O suor mantinha minhas costas coladas no assento. Num gesto de angústia, arrisquei um sorriso. Sua boca se move novamente. Agora não tinha como, depois de quase me arrancar o marca-passo, ela tinha que falar.

Admito que não aguentei, olhei para o lado. Fingi ver as horas, mas os segundos não passavam .Quem diria, Capitão? Deu para ter medo de mulher bonita? A consciência não me perdoaria...o que que eu vou dizer lá em casa? Não vou dormir bem se não virar para frente e olhar bem ela. Tenho uma fama quase centenária na calçada, não seria uma moçinha bonita que iria me desestabilizar...já fiz esposa largar marido com apenas um telefona e meia dúzia de palavras.

Quando ia selecionar a melhor frase do meu arsenal, ela disparou:

-O senhor gostaria de comprar uma rifa?

-Rifa?!- perguntei incrédulo. Não podia ser, tanto charme para me oferecer um pedaço de papel?

- É, de uma bicicleta novinha. - Ela tentou justificar, tarde demais. Não fui o primeiro e nem serei o último homem feito que aquela senhorita decepcionou.

A Estação Inhaúma chegou,desembarquei ao som das minhas próprias gargalhadas. Essa cidade ainda me mata. Se não ela, uma carioca.

---
Carlos Henrique Azevedo
---

sábado, 15 de outubro de 2011

Balada para musa desaparecida em noite paranoica


não há paixão que sobreviva nesta calçada
onde teus pés de salto agulha feriram o concreto
e poças de lama preenchem os buracos
que escondem o sangue jorrado
dos últimos colibris de asfalto

não há mais passos em frente desta janela de bar
que não lembrem teu hálito de espuma
vazando pela veneziana
como serpente
a procura de pupilas escancaradas

não há mais amor nesta alameda em desatino
destino de alucinações desencarnadas
que não sopre o reflexo apagado de pirilampos
que já foram olhos

já não há mais a saliva espargida do teu canto
a deixar o brilho de teu rastro estéril
à porta destas casas
já acostumadas a hábitos cetônicos
hepatotóxicos
agora órfãs
de tua corrosiva doçura
etílica

nem há mais lua nesta rua
onde pisaste
e agora jazem as estrelas

ao fundo
opaco mundo
e apenas blues

(Celso Mendes)

                                      

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Convidado Jorge Vicente

20


para que o corpo possa abrigar o vasto,

ressuscitando-se,

abrindo-se,

tornando-se dois, três, uma

infinidade de pequenos corpos

ou pequenas promessas de ser,

para que esse vasto

se revele imanente e abra o infinito

de cada raiz, de cada pequeno ser,

de cada pequeno olhar

aberto ao mundo,

para que esse corpo e esse vasto

desalinhem e tornem a criar,

numa criação real, vivente, sem linguagem

e com a memória viva

de um corpo sem espaços

necessária se torna

a promessa incondicional

de um sexo indiferenciado,

sem lugar absoluto

no seio da criação.

---

Jorge Vicente

---

domingo, 9 de outubro de 2011

A POESIA DOS MORTOS



A primeira pessoa que vi morta foi meu pai
Depois de um tempo
Só pensava em gente morta
Comecei ir às capelas
Gosto de ficar olhando pros mortos
Tenho a pretensão de saber seus pensamentos
Seus apegos
Sua vida
Descobri que vou morrer
Adoro olhar pra morte
Não é porque vou morrer que vou ser bom
Sou ruim por uma vida
Sou ruim e da certo
Cansei de ser inteligente
Pessoas atribuem valores
Trabalho
Casa
Família
Mudei isso
Saí de role com a vizinha
No carro dela, é claro.
Sempre achei o tamanho do carro inversamente proporcional ao tamanho do pênis
Minha vizinha gorda, que não tem pênis, comprou uma DODGE RAM 2500, a maior pick-up do mundo.
Ela acha que tem a maior pica do mundo
Não tem
Tem bucetinha
Tinha
Entregue à sorte num sobrado do centro da cidade
Eu e a vizinha gorda e feia
Olhos nos olhos
Eu e a futura morta
A cara pálida da morte sorri pra mim
Com um cassetete na mão e o cacete na outra, eu falo com olhos calmos:
- VOCÊ NÃO É SAPATA. VOCÊ É GORDA! QUANDO UMA PESSOA TE VÊ ELA PENSA PRIMEIRO QUE VOCÊ É GORDA!
Dou três cacetadas na cabeça dela
Tá lá...
... Um corpo estendido no chão!
Tenho sangue nas mãos
Orgulho nos olhos
Sigo no meu Jogo de Matar
Eu sou injusto
Próximo...

Pablo Treuffar
Licença Creative Commons
Based on a work at http://www.pablotreuffar.com/.
A VERDADE É QUE EU MINTO

A VERDADE É QUE EU MINTO

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

te julho


inóspito
te vi deserto
exilada
de si

cético
te vi axioma
salpicada
de sins

cáustico
te vi inverno
enevoada
de giz

lúbrico
te vi ninfa
lambuzada
de gim

esquálido
te vi árvore
desfolhada
de mim

se seca
se certa
se fria
se louca
se feia

se julho

te julho
te juro
te furo
te curo
te curro

te amo

Carlos Cruz - 26/04/11
Gravura: "daddy's girl", de michael hussar


segunda-feira, 3 de outubro de 2011

o sonho de Lilith

veio pela fumaça cavalgando Cérbero
altiva e por hora a chamarei de Hécate
a guardiã escarlate das portas do inferno

há quem diga que tem asas
que seus cabelos longos
e vermelhos como fogo
trazem um aroma de inexplicável
de sémen e mirra

o desejo passivo nos olhos
travestia seu coração de pedra
afeita a tomar falos em contrações
que de tão violentas eram castrantes

quem há de se olhar refletido
nesse espelho de mil faces
sem que a deseje e se sinta impotente
enquanto o peito esmagado arfa
e o sorriso debochado estremece?

(arte visual de Sindri Mendes)

sábado, 1 de outubro de 2011

Oportunidade



Ele acelerou desembestado para alcançar espaço entre os carros mas logo travou as rodas para não encaixotar o fusca da frente. Puta merda, que susto. O babaca que entrou atrás piscou o farol sorrindo. Seguiu a fila até um cruzamento, um vermelhinho pediu passagem. Ele cedeu.
Era uma loira deslumbrante de óculos escuros. Ela estacionou em seguida e ele a seguiu.
- Oi. – Ele a interpelou à porta.
Ela sorriu confusa.
- Sou o cara que te deu passagem no carro. – A frase lhe soou ridícula.
- Você tá brincando, né? – A incredulidade a fez mais bela.
- Bem, - ao menos o toco, pensou, terá valido a pena. – é que eu tava no meu carro, meio de saco cheio quando me decidi a esquecer aquela bobagem e partir para uma nova vida. Um novo destino, sabe. Então, pensei, vou me apresentar à primeira mulher que passar pela minha frente. – Ele a contemplou, linda, um decote acolhedor, ancas firmes, pernas torneadas. Sim, o fora terá seu valor. – Daí seu carro apareceu, eu dei passagem e era uma gata. Tô aqui.
Ela o analisou antes de responder:
- Eu estava puta, imaginando como deixei as coisas me levarem a este ponto, agora que estava sem saída, decidi simplesmente esquecer. E falei para mim mesma: vou dar para o primeiro cara que aparecer. – Ela tocou o antebraço do rapaz. Massageou os ombros largos, viu as pernas fortes. – De repente, um tipão como você me aparece com essa história doida.
Ele fez o olhar matador. Ela virou o rosto.
- Se for esperto, já notou nossas alianças. – Ele só então viu o dedo da mulher. – Sabe que não pode dizer: na sua casa ou na minha.
A sinceridade dela o surpreendeu, mas se recompôs:
- Eu estava pensando no hotel mais perto.
Ela aproximou o corpo a ponto de roçar os seios.
- Não seria melhor um motel? – A voz sedutora ronronava. Ele quase foi agarrado pelas nádegas.
- Eu contava com o café da manhã. – Alargou a perna esquerda para ajeitar os documentos. – Uma noite é pouco.
Só voltaram a se falar entre a segunda e a terceira rodadas. São casados até hoje, mas não querem filhos. Estragam as oportunidades.