sábado, 30 de junho de 2007

LÍRICA ( por Muryel)


Fortuita perambulas, assim, pelo mundo

Nem mesmo sabes o quanto és dura

Lapidá-la, ai!, a procura de vindoura Profecia...
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Muryel
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(foto de Alberto Viana d'Almeida)

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Minha alma pousa em ti

Não deixarei você ir
Seu olhar está em meu ser
A essência de sua alma está impregnado em mim
Com seu sorriso marcado em meus lábios

Não quero que vá
Sem você na minha vida
É como anda solitária por entre os becos
Nada para conquistar

Em meu mundo
Quero te levar para um sonho
E nunca acordar
Da alegria de ser amada

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Belezas estranhas



Desci a serra com os dentes presos no teu chicote
Aprendi o calafrio das tuas dores em noites de almas geladas
Cavalguei teu pulsar vadio
E tua histeria-
Não me poupaste abriste-me caminhos de pedras em rosas bastardas
Perdemos o rumo, encarceradas
No luto das lacraias
Que segundo Lorca no peito moram

Tira o sorriso amarelo para mim esta noite ó Musa!
Que eu seja esculpida na carcaça imunda
Brincar nos campos do Senhor em meio a grandes tempestades
Tomar mais um gole da tua doentia vaidade
Devorar, sem medo
Tua alma de chumbo e rombos!
Rumo á solidão envenenada
Internada em uma delicadeza fóbica e mal explicada.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Ars Coloris

Conheço artistas do prazer e pesadelo
Cujos quadros pintados sem a luz do Sol
Parecem implorar à sombra do arrebol
Um novo horror com franco e persistente apelo.

Ao saber dessa súplica vimos do Abismo
Para então adentrar suas sinistras galerias
E descobrir porque tão belas alegrias
Sucumbem ao amargor desse tinto cinismo.

Há sangue nas paredes (molduras jamais!),
E em tudo que meu olhar estranho se detém
Um cadáver infante cavalga no além
A imagem distorcida de amores iguais.

O pálido azul de um quadro ousa me dizer
Que do pecado colhe-se frondosa messe
Pois Deus do crime cúmplice jamais se esquece
E há de punir no corpo esse carnal poder.

Odeio vossas paisagens, gélidos artistas!
A noite que nos palcos da vida encenais
Nunca vencerá aquela dos céus infernais;
Porque a treva sublime de vossas conquistas

Não passa de um esquálido e pungente raio
Tirado à matriz da melancolia morbosa
Que viceja no tédio qual funérea rosa
Na lápide nua sob as lágrimas de maio.

E o que vomita vossa aquarela incolor,
Apesar de frio e exposto ao paladar do verme,
É menos do que prova vosso sangue inerme
Dessa trêmula, imensa e sempre eterna dor.

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Rebellis [Eduardo Borges]

terça-feira, 26 de junho de 2007

Série “Crônica Curta Crônica”: Preconceito


As luzes, nessa época do ano, costumam variar entre azul, amarelo, verde e vermelho. Os meninos? Esses são muitos, em geral andam sempre acompanhados: mãe, pai, irmão, irmã, babá. Apenas aquele cujos olhos cruzaram os meus não parecia ter acompanhante. Um negrinho desses que se encontra em sinais de trânsito. Calça um tanto desbotada, camisa e chinelos velhos. Devia ter seus dez ou onze anos de idade. Caminhava entre as pessoas como quem não é notado, mas não totalmente. Eu o fitava.
Acredito que ele não estava ali para pedir esmolas ou até mesmo roubar; furtar um objeto qualquer de uma loja. Parecia assustado e, em outros momentos, deslumbrado, principalmente após ter encontrado o que, suponho, estava a procurar: cercado de várias crianças, lá estava o Papai Noel do shopping. O negrinho permaneceu pelo menos dez minutos imóvel.
O funcionário vestido naquela roupa vermelha até que sabia como tratar as crianças, uma vez que todas elas eram de classe média e alta. Por alguns instantes, outra pessoa notou a presença do negrinho, o próprio Papai Noel do shopping. Vi a dor nos olhos do velho que se compadeceu com o menino, fazendo-me sentir o mesmo. Porém o velho e eu éramos incapazes de uma aproximação direta do menino. Cada um impossibilitado pelo preconceito que criou.


p.s: sem tempo pra me dedicar e/ou escrever, grato!

segunda-feira, 25 de junho de 2007

O Diabo em terra de de São José

O Diabo em terra de São José


No pequeno sítio situado no interior de Deus-me-livre, a paz reinava absoluta entre os viventes; o gado pastava tranqüilo entre a branquiária, as aves cuidavam para que os peçonhentos não se aproximassem, as criadas revezavam-se nos afazeres domésticos, enquanto Alice ganhava uma bela forma de mulher.

A pequena família habitante do lugar era temente ao Deus, Todo Poderoso, com uma fé fervorosa jamais vista. Deus era misericordioso para perdoar os pecados e ao mesmo tempo vingativo para consumi-los com sua devastadora ira.

Nos fundos da cercania, situava-se a pequena Capela de São José, erguida pelos braços do patriarca. Rezava a lenda que a Capela fora construída em agradecimento à cura de Alice; a menina nascera com uma doença incurável, capaz de atrofiar os órgãos e ossos da doente e só um milagre poderia libertá-la de tamanho jugo.

Diziam os mais faladores da região, que tal fato se dera em virtude de uma praga daquela que seria a madrinha da menina. Escolheram D. Florinda para amadrinhar a criança, mas depois optaram por um casal rico recém-chegado ao lugarejo. Duplo azar: essa história de desdenhar madrinha e praga pega. “Só muita reza forte pra combater o mal” - Diziam os vizinhos.

Assim, José resolveu negociar com o Santo de mesmo nome: “Ó Santo xará, conceda-me a graça de ter minha filha crescendo livre e dar-te-ei uma Capela e uma imagem do tamanho de minha filinha. E ainda, hei de substituí-la de acordo com o crescimento de Alice. Aceite este trato deste humilde servo e livre o Diabo de nossas vidas”.

Não tardou para que o milagre ocorresse. Afinal, qual santo não gostaria de uma permuta? Vaidosos, esses seres além-mundo! O homem de palavra também não deixou por menos; era só a menina crescer algumas polegadas e lá estava outra imagem no lugar.

Os que passavam próximo à casa de José às 18h, ouviam o entoar do cântico da ladainha em homenagem ao santo milagreiro.

A fé em Deus e no Santo crescia na mesma proporção que o temor ao Capeta. Era só ouvir o nome do Dito cujo que a família gritava: “Te esconjuro, credo, não digam esse nome em casa que atraí o Coisa ruim”.

Aos dezoito anos, curada de todos os males físicos, a menina desabrochou em formosura. Os rapazes suspiravam por seus longos fios dourados e suas curvas exemplares. Mas nada despertava o amor da jovem.

Até que em uma noite de lua cheia, um tropeiro pediu pouso ao dono da casa. Hospitaleiro que só, este concedeu de bom grado.

Ao descer para o jantar, a moça deparou-se com o belo homem sentado à mesa; dono de longos cabelos castanhos, barba fechada, olhos misteriosos e lábios mentirosos.

Pela primeira vez, um calafrio percorreu-lhe a espinha e desejou-o com voracidade. O homem parecia ler seus pensamentos, enquanto repousava, tranqüilo, a caneca de vinho sobre a perna.

O jovem viajante adiou sua partida e pediu a mão da moça em casamento. Seu José estranhou a atitude precipitada, mas aceitou. Afinal, a pior coisa nas redondezas era a fama de solteirona. Na roça, dezoito anos já era idade avançada para o casamento.

A moça não cabia em si de contentamento, mas D. Maria, sua mãe desaprovava com afinco a relação e repetia para a menina. “Minha filha, cuidado. O Diabo é o pai da mentira, ele veio para matar, roubar e destruir. Muitas vezes traz uma bandeja de ouro repleta de fezes. Não gosto desse sujeito. Vejo enganação nos lábios dele”. Mas a menina dava de ombros.

Só uma coisa assustava Alice: os sonhos recorrentes que teimavam em assolar suas noites. Sonhava que seu amado metamorfoseava-se em um estranho ser com chifres e garras e a deflorava com força. Acordava molhada de gozo.

O casamento no sítio movimentou a cidade; os noivos faziam um belo contraste; o bem e o mal, o puro e o profano.

Todos estranharam quando o padre pediu para que o casal repetisse as palavras do sacramento, pois o jovem tropeiro o fez em uma língua para lá de esquisita. Interpelado disse que recitou em hebraico. Contudo, a bruxa da vizinhança insistia que o sujeito falava a língua do Capelão da Macega, alcunha do Capeta na região.

A primeira noite, foi uma exigência do rapaz que se consumasse na Capela do sítio. Adentraram o recinto à zero hora em ponto. Com placidez e calmaria, ele a tomou em seus braços, beijou-a com sofreguidão e amou-a em frente à imagem do Santo; a cada estocada com seu membro viril na franzina vagina da moça, o homem urrava feito um lobo e regozijava-se, rindo zombeteiramente do santo. Conseguira seu intuito: roubá-la de São José.

Amaram-se repetidamente na pequena sacristia; Ela, filha do Santo e ele, filho do Demônio.

O homem deveria partir antes que o galo cantasse três vezes, pois rezava a lenda que depois do tal canto que afugentava os espíritos do mal, o mundo voltava para as mãos de Deus e caso o capeta não partisse, ficaria preso para sempre na terra.

Entretanto, cansado da peleja, o sujeito adormeceu pesado nos braços da amada. Acordou com formato de Cão: olhos protuberantes, pêlos no corpo, rabo e chifres brotando da testa.

A moça assustou-se com tamanha mutação; dormira com o belo e acordara com um monstro. Lembrou-se dos sonhos e implorou:
- Sei quem és, e que veio desfazer a promessa de meu pai. És enviado de minha pretensa madrinha, mas por favor, fique. Apaixonei-me por ti, agora não tem mais jeito.

Ele não queria confessar, mas a verdade era que o Senhor das Trevas havia se apaixonado perdidamente por aquela criatura angelical.

Assim, ele implorou às profundezas que retirassem seus poderes e o mantivessem aqui na terra junto a sua amada. Concedido. A besta transmutou-se em figura humana.

Os dois seguiram vida afora, junto ao fruto do ventre dela que nascera nove meses depois, um menino filho da protegida de São José com o Demônio.

Contudo, temiam a triste permuta realizada entre o Demônio e o Supremo Conselho das Trevas: Concedo-te a humanidade, mas um dia teu filho tornará para nós!

Não teve outro jeito, convencido por José, o Capeta ofereceu a mesma promessa a São José de substituir a imagem do Santo de acordo com o crescimento da criança. Assim as duas imagens idênticas, que só alteram em tamanho, continuam crescendo lado a lado- oferta do Sete Peles e do homem santo, ambas bem aceitas!








domingo, 24 de junho de 2007

AMIGA INANIMADA

O outono silencioso grita:

Quero uma amizade amiga!

A brisa triste abraça a tarde.

Enquanto, a carência minha vida invade.

Cadê o riso inanimado desta hora?

Minhas chagas não cicatrizam,

A tamanha dor não espera, chora.

Lágrimas salobras se destilam.

Aqueço este estado de espírito,

Provocado pelo giro geóide,

Procure por mim também, amigo!

Não apenas na minha morte

Cultivo sementes de amieiro,

Desenraizo sentimentos à revelia,

Construí teu baluarte inteiro,

Para não te deixar na imensidão vazia.

sábado, 23 de junho de 2007

Santos e radicais, prantos e latidos

“Humanamente, só nos santos dá pra ver os deuses: só nos radicais, dá pra ver a idéia”
Quase às duas da manhã, leio tal frase. É o tipo de coisa que, se não somos muito distraídos ou idiotas para a deixar passar despercebida, relemos e depois fazemos uma pausa para pensar. Foi isso que fiz, com o livro entreaberto, página marcada por um dedo.
O silêncio é relativo, mesmo a essa hora, apenas o possível nas madrugadas das grandes cidades – carros ao fundo, leve mantra mecânico produzido por pistões e explosões. Noite amena; nem calor, nem frio, nem sono. Livro na mão esquerda, página 23 marcada pelo dedo indicador, a frase de Leminski na cabeça. Então, o imponderável se apresenta: o choro feminino. Dor anônima que rasga a noite, interrompe o pensamento e desperta os cachorros, que, solidários, latem e uivam – 1,2,5,8 – incontáveis vozes de cães diferentes. Choro sentido e profundo, cria o silêncio entre um espasmo e outro.
Vou à janela, poucas luzes acesas, poucos carros passando. O que fez essa mulher romper a distância entre ela, os cachorros e os ouvidos vizinhos? O que a fez sair de sua anônima existência? Regia, em sua agonia, o canto canino que anunciava a todos que algo se rompeu. A ordem das coisas se alterou. E seja ela quem for, com seu grito irracional, naquele momento, dominou a noite. Contra àquilo, nem livros, nem idéias, nem santos, nem radicais, poderiam se bater. Ela, sua dor e a aflição dos cães eram, ao menos por aqueles segundos, a própria noite.


Thomás R.P.O.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Coisas do futuro

Em um futuro distante, a civilização evoluída chegou ao seu limiar científico e tecnológico. As verdades, agora sim, são absolutas. Não há teorias, conjeturas, nem religiões. As guerras cessaram. Todos os países convivem harmoniosamente sob as leis unificadas da Constituição Final. A comunicação se dá de maneira telepática e todos finalmente vivem de luz.

A menina, fazendo o trabalho da escola, vai à enciclopédia, durante a pesquisa sobre educação sexual. A enciclopédia está arquivada no disco gelatinoso (substituto do disco rígido) implantado em seu cérebro delicado. Em um piscar de olhos, encontra o verbete “língua” e sua definição: "órgão sexual humano que os antepassados usavam para falar". A menina, que constantemente se masturba com a língua, não entende, vai atrás do significado de "falar". Lá, bem perto da palavra “falo”, há uma definição confusa. Algo como: "forma de comunicação antiga, muitas vezes usada como forma de prazer, com sons semelhantes à flatulência..." A doce menina fecha o livro digital horrorizada e ofegante. É muita perversão para uma moça tão inocente.

Ao fim da noite, ela se masturba "falando" francês, após passar com traumas pelo alemão e o russo.

Roberto Menezes

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Imita a Gretchen

Por Mão Branca
Nas brincadeiras infantis das décadas de 70 e 80 era a prenda mais temida. Qualquer erro, a mínima derrota, o reles tropeço já era motivo para a punição:
- Imita a Gretchen! – Gritava a molecada.
E lá ia o infeliz rebolar e cantar “conga la conga” na frente da trupe. Nas mais ferozes, o dançarino ainda tinha que colocar as mãos na cabeça e as esfregar pelo corpo, num contorcionismo pretensamente sensual.
Até as meninas eram obrigadas a imitar a Gretchen, deixando claro que era também ridículo para elas a atuação.
Ninguém gostava de imitar a Gretchen. Ninguém gostava da Gretchen. Mas ela estava lá, na tv, para todo mundo ver e ouvir. Qual o interesse do público em um artista como ela, evidentemente má cantora e notadamente feia? O que se acrescia às artes expondo a bunda da moça? Obviamente nada, porém os empresários que a cercavam conseguiram muito crédito vendendo um produto de qualidade inexistente a um público ávido por consumir a arte nacional.
As manipulações mercantis garantiram à Gretchen e seus promotores uma boa féria, restando à cultura o lixo passageiro, afinal, suas músicas não resistiram nem à próxima estação. Ao povo sobrou a brincadeira: - Imita a Gretchen!
Porém, o conceito permanece. Não bastassem as carlas peres, sheilas e rouges (estas não rebolavam mas eram também estranhas), até hoje convivemos com a imposição dos gostos dos donos dos meios de comunicação. Ainda somos bombardeados a consumir produtos que não temos a mínima proximidade. Exemplo: fórmula 1.Alguém conhece pessoalmente algum piloto profissional de automobilismo? Participa de algum campeonato de corridas de carro? Gosta realmente de correr a 300 km/h?
Mesmo que as 3 respostas sejam positivas, ainda há a principal: por que gosta mais de fórmula 1 do que da fórmula indi, sendo esta muito mais competitiva, interessante, organizada e segura?
A resposta aparece quase todo domingo na tv Globo, na forma de uma efusiva competição entre... empresas automobilísticas milionárias e pilotos filhinhos ricos de papais playboys? Quem, cônscio e opinativo, apreciaria isso? Certamente se o espectador nunca tivesse contato com tal competição, ao assisti-la pela primeira vez, a estranhasse como se hoje visse a pitoresca corrida de “perseguição ao queijo morro abaixo” que acontece na Europa.
Somos tristes cordeiros conduzidos coercitivamente em direção dos interesses da indústria cultural, e como toda indústria sua meta é o lucro e não a responsabilidade social, ou qualquer outro conceito que exima algumas pessoas de escolher por todas as outras.
Há escapatória? Sim, a internerd (mas isso é outro assunto).No último domingo eu apareceria numa matéria sobre literatura. Coincidiu de ser exatamente no momento da chegada numa corrida. Mudei o canal e a turba chiou – estávamos na casa de um tio. Falei que eu iria aparecer na tv.
- Mas eu quero ver a corrida. – Reclamou o Darse, velho amigo de meu pai.
- Espere um pouco... – Pedi. – Eu vou aparecer.
- A corrida. – Esbravejou.
- Tá. – Olhei para ele. – Mas antes imita a Gretchen. Ele não entendeu. E eu também não tive paciência de explicar, afinal, ele gostava de fórmula 1 e provavelmente imitava o equivalente da Gretchen de seu tempo. A Vanusa, talvez.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Convidado: Rynaldo Papoy

MALDITO PEIDO


Ela chegou na festa e disfarçadamente procurou por seu amado: seu professor de filosofia, por quem estava apaixonada.
Ela era estudante do primeiro ano de psicologia e não imaginou que um professor de filosofia poderia ser um morenaço daqueles, que parecia dar a aula exclusivamente para ela.
Por isso, na festa da faculdade, naquela balada chique, ela colocou a melhor roupa, a melhor maquiagem e ainda passou umas horas lascando uma chapinha no cabelo. Não deixaria escapar seu professor de filosofia.
O problema é que naquele sábado, estava sofrendo de uma terrível prisão de ventre que a estava até deprimindo. Mas lutaria para vencer o problema, afinal seu objetivo era bastante nobre: ficar com o professor de filosofia, de preferência na frente de todo mundo, o que deixaria o beijo ainda mais gostoso. Pensando bem, se ele quisesse comê-la naquela noite mesmo, daria tranquilamente.
Encontrou-o, cumprimentou, ficou fazendo aquele joguinho de “tô a fim de você mas não muito”. Apareceram outras pessoas para conversar mas ela deu um jeito de ficar por perto do professor.
No entanto, sua barriga parecia estar crescendo, com aquele gás sendo produzido desesperadamente. Pediu licença e foi ao banheiro. Lotado. Não iria peidar ali na frente de todo mundo. Uma solução seria entrar na pista de dança lotada, peidar e sair. Ninguém perceberia.
Quando chegou na pista de dança, desistiu de novo. Tinha muita gente conhecida ali. E o pior é que quando estava de saída, apareceu o professor de metodologia científica, que resolveu conversar um pouco sobre amenidades. E ela ficou ali, ouvindo sua longa conversa, que parecia estar durando já umas duas horas.
E o gás em sua barriga aumentando, aumentando...
Quando conseguiu se desvencilhar do professor de metodologia, passou a andar pela balada, em busca de outro banheiro ou de algum lugar onde não houvesse nenhum conhecido, que a pararia para conversar.
Acho um local tranqüilo, perto da entrada da cozinha, mas quem estava andando por ali era justamente o professor de filosofia, que a pegou e a beijou, sem que ela pudesse esboçar qualquer reação.
O beijo foi longo e muito bom... embora ela não estivesse conseguindo segurar mais o peido. Iria explodir. Iria peidar ali na frente do gostosão e seria a morte!
Não estava agüentando mais. O peido parecia ter vida própria, pressionando seu esfíncter como uma turba de bárbaros querendo romper os portões de um castelo.
O professor a apertava forte e isto pressionava sua barriga ainda mais.
Ela pediu licença e disse que voltaria logo logo. Saiu correndo. Tinha que achar algum lugar para peidar.
Sem perceber, deu uma volta enorme e praticamente voltou ao mesmo lugar, onde achou uma saída para um jardim. Como estava muito frio, havia pouca gente ali. A estudante de psicologia olhou a sua volta e dirigiu-se à extremidade do jardim, onde aparentemente não havia ninguém.
E foi lá mesmo que soltou a bomba. Um longo e ruidoso alívio do gás que estava preso em seu intestino grosso. Quanto tempo durou aquele peido? Oito segundos? Dez segundos? Não sabia. Só sabia que foi o melhor peido de sua vida. Não bastasse a eliminação daqueles litros de gás podre de intestino, ainda deu um arremate, um flato retardatário.
Seu professor de filosofia, quando viu a moça dirigindo-se ao jardim, ficou curioso e decidiu segui-la. Sem que ela tivesse percebido sua presença, testemunhou o peido mais longo que já contemplara em sua vida, cuja música da balada mal conseguiu ocultar o ruído.
Quando a moça acabou, o professor teve vontade de bater palmas, mas achou que seria humilhante demais para ela.
A estudante, suspirando de alívio, olhou enfim para trás e viu o professor.
- Que você está fazendo aí? – ela perguntou, espantada.
- Eu vi você entrando no jardim e resolvi te seguir.
- O que você viu?
- Vi isto que você fez. - disse ele, na maior inocência, achando que ela daria risada.
- Ah, meu Deus, que vergonha...
Ela saiu correndo. Seu professor tentou segurá-la, dizendo que não havia problema nenhum, mas ela ficou constrangida demais.
Desvencilhou-se dos braços dele e sem se despedir de ninguém, deixou a balada e nunca mais voltou à faculdade. Ninguém a achou em sua casa ou em seu trabalho, pois ela também pediu demissão e mudou de casa para local ignorado.


Rynaldo Papoy

terça-feira, 19 de junho de 2007

Aílton Lopes Moreira - 53 anos.


(Vítima de bala perdida).

A bala perdida encontrou o seu destino;
o peito de quem não a esperava.
E o tempo parou para quem tranqüilo ainda sonhava,
um sonho mais distante que 2kms.

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A violência desafia a distância
ou confirmamos que somos nós os responsáveis
pelo nosso destino e o dos outros?

Eliane Alcântara.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

A CAIXA DE PANDORA


“Há muitas gerações, os deuses gregos criaram Pandora. Felizes com a beleza de sua criatura, deram-lhe uma caixa que supostamente conteria maravilhas indizíveis. Os deuses disseram: ‘Nunca deverás abrir essa caixa’. Enviada aos humanos, ela gostou deles e desejou compartilhar as maravilhas com os mortais. Ingênua, ela abriu a caixa e liberou todas as doenças, pestes, guerras, malefícios, enfim, todas as desgraças. Assustada, fechou a caixa rapidamente e salvou um único elemento: a Esperança”.
Sem contar a maneira estúpida e autodestrutiva como o Homem vem se tratando há muito tempo (atualmente, o presidente estadunidense é o maior exemplo disso), a humanidade apresenta um mal muito maior, que não ganha diariamente as manchetes dos noticiários por não dar ibope: o egoísmo de pequenos idiotas mesquinhos.
Por esses dias, estava eu no folclórico Bar do Va-va (está escrito assim mesmo) em companhia do pessoal de sempre: trabalhadores em final de expediente. Professores, carcereiros, vendedores, operários, advogados, engraxates, enfim, pessoas procurando tirar a poeira da garganta acumulada após um dia de trabalho. Cervejinha daqui, cervejinha de lá, um dos presentes (que não vou citar o nome por pura piedade) comentou um incidente com seu animal de estimação. Disse ele: “Meu filho entrou correndo dizendo que o cachorro tinha derrubado um motoqueiro entregador de gás. Eu corri e vi o rapaz caído e desacordado. Levantei-o e dei-lhe alguns tapinhas no rosto para que acordasse...”. Nesse momento, eu o interrompi. Perguntei como ele pode cometer tamanha imprudência, pois o correto é não mexer no acidentado até que chegue o resgate. Para meu espanto, o dito cujo respondeu-me: “Que resgate, o quê? Não deixei que chamassem. Ficou louco? Já imaginou a complicação que poderia dar para mim?”. Diante de tal argumento, achei melhor calar-me para não faltar com o respeito e mandá-lo para algum lugar distante e pouco recomendável.
Esse acontecimento seria apenas deplorável se não fosse tão comum. As pessoas estão preocupadas apenas com os próprios interesses e são raros aqueles que realmente se preocupam com o bem estar do próximo. Essas pessoas freqüentam seus templos religiosos, dão esmolas para crianças quando tem gente olhando, falam sobre Deus ou Nossa Senhora e quando a vida (eu disse: A VIDA!) de outra pessoa depende de um pequeno ato seu, simplesmente fingem que não estão vendo. E não é preciso ser um “cagão” que não chama socorro para um acidentado para inserir-se na qualificação de néscio egoísta. Políticos fazem isso com milhares de pessoas ao mesmo tempo, ao aprovarem, por exemplo, o aumento de tarifas de um transporte (o coletivo) que é extremamente deficiente. Não levam em conta que o cidadão depende do ônibus inclusive para levar seus filhos para enfrentar as intermináveis filas de postos de saúde, também precários por culpa deles. Eu gastaria terabytes para citar as inúmeras irresponsabilidades administrativas cometidas pelos políticos, governantes ou não (bingos, pensões alimentícias, construtoras fantasmas, cassa daqui, cassa de lá) e ainda sobraria assunto aos montes. O fato é: os políticos estão preocupados apenas com os próprios vencimentos e com o que fazer para serem bem votados nas próximas eleições.
Da caixa de Pandora saíram todas as desgraças do mundo: governantes loucos, políticos desonestos, empresários incompetentes e pessoas que se recusam a ajudar alguém que pode ficar aleijado ou morrer, apenas por sua ignorância suspeitar que podem “meter-se em encrencas”.
Mas o que podemos fazer? Conseguiremos um dia mudar isso?
Ah! Bela Pandora. Ainda bem que guardaste em tua caixa a ESPERANÇA.

domingo, 17 de junho de 2007

A Lágrima do Pierrot

Na Quarta-Feira de cinzas
Sozinho na calçada,
Está sentado o Pierrot,
E pelos seus olhos
Cai uma única lágrima,
Uma lágrima de sonhador.

É o desejo pela Colombina
Ou então, quem sabe,
O desejo por qualquer amor.

André Espínola

sábado, 16 de junho de 2007

Entrevista com Deus.



Porfírio olhava pra ELE e ELE lhe pareceu medonho.
Duas cabeças saiam do seu tronco já que não havia o pescoço para sustentá-las. Nelas, seis pares de horríveis olhos alaranjados, vez ou outra saltavam fora das faces. O nariz, num dos rostos, parecia uma chaminé de onde escorria um fétido e pegajoso líquido verde. Da sua única boca nada se via a não ser um negro e interminável túnel e por onde, de forma cíclica, vomitavam labaredas azuladas.
ELE percebeu a decepção que causara a Porfírio:
-E então? - ELE perguntou
-Mas, mas, mas,...- Porfírio, entre surpreso e atemorizado tentava se expressar mas sem conseguir alcançar o seu objetivo.
ELE insistiu em dar tempo ao tempo. Era infinita a sua tranquilidade e o seu misericordioso silêncio. Também não lhe custava dispor de alguns momentos para que Porfírio pudesse gozar aqueles minutos de fama, afinal, não era com qualquer um que ele falava, conversava com Deus, o todo poderoso!
-Mas, mas, mas...- Porfírio, novamente tentou.
Impossível! A perplexidade era tanta que por mais que tentasse não conseguia expressar qualquer palavra que não fossem os seus "mas, mas, mas” ·
E então o tempo urgiu e nada aconteceu. Foram unicamente momentos de paralisia e o todo poderoso presenciava os esforços lábiais mas que, fatidicamente iniciavam e terminavam naqueles temerosos "mas, mas, mas". Como era de se esperar, a divina paciência se esgotou e os doze olhos do Senhor, antes, inexoravelmente alaranjados, arregalaram-se assustadoramente e faiscaram violentos e impetuosos raios violetas. As chamas que lhes cuspiam da boca, agora amplamente dilatada, não eram azuis e sim de um rubro encarnado e as vermelhas labaredas, expelidas em quantidades, mais lembravam o fluxo de um sangue menstrual. E, antes que Porfírio se desse por achado, sentiu no corpo lhe percorrer uma sensação estranha e estremeceu como se sacudido fosse por um daqueles terremotos avassaladores que de quando em quando fulminam as loucas ruas de Los Angeles. E o seu o corpo ainda tremia na convulsão quando o Senhor se fez nele a prova da sua fúria celestial e na voz de mil trovões, retumbou:

-Mas, mas, mas, é o caralho! Que mania é essa de achar que eu era bonitinho!

sexta-feira, 15 de junho de 2007

DOR DA MANHÃ

Matheus Costa

Despertador
desperta a dor
de estar vivo.

ponteiro
escândalo
Eu não sou daqui

tempo passa
tempo passa
tempo passa

Minuto dormido:
minuto a menos
de pensamento.

(Sou pontual
no amor e ódio
ao ronco.)

ponteiro
escândalo
Que se dane a vida

tempo passa
eu durmo
tempo passa

Acordo com agulhas
atrasadas no peito
ofegante.

Seria vida
não fosse angústia?
Eu tô atrasado,

em defasagem
com a vida.
Me deixem dormir.










quinta-feira, 14 de junho de 2007

Imperfeito

Na gana de parecer perfeito
Zelo pouco pelo conteúdo
Quanto à forma, contudo
Esmero para causar efeito

Eis o meu defeito!
Parecer o que não sou...

quarta-feira, 13 de junho de 2007

O Anjo Torto (ao Torquato Neto)




- Doutor, ele não anda direito. Está sempre caindo. É um cair e levantar sem fim.
Veja! É todo cheio de hematomas!

- Deixe-me examinar seus pés garoto. Hum... Perfeitamente normais.

- Não pode ser Doutor!

- Calma Senhora. Vamos ver os joelhos. Hum... Tudo certo com os joelhos.

- Mas como Doutor?! O menino está que é só remendo. Todo arrebentado de tanto cair. A vida dele é só essa, queda em cima de queda.

- Calma Senhora. Talvez seja a coluna. Hum... Normal.

- Santo Deus Doutor!

- Senhora, não há de ser nada grave. Bem se vê que o rapaz é mirrado, que não dá para os esportes. Mas, me diga, qual a atividade que atrai seu filho?

- Escrever. Ele passa o dia escrevendo poesia.

- Então é isso! Ele tem é a alma torta. Vai cair e levantar pela eternidade.

- Deus do céu Doutor!

- Calma Senhora, os anjos que nascem tortos de alguma forma endireitam o mundo.
.
.
De Anderson Henrique de Sousa

terça-feira, 12 de junho de 2007

Um conto de Amor

Ela o amava por isso dele ela engravidou
Mas em pouco tempo ela viu com quem se casou
Ainda grávida por três vezes ela apanhou
O motivo não era nada
Mas ela alimentava a esperança de que com o tempo ele iria mudar
Engano dela, depois do filho nascer, ela viu o terror, apanhava sem merecer. Era só a criança chorar para ele nela sua raiva descontar
Quando pensou em ir embora, ele ameaçou a criança, e o amor de mãe fez com que lea ficasse junto ao seu carrasco.
Ela agüentou por treze anos as torturas tanto físicas como psicológicas do marido
E o final disso tudo ela descobriu que a melhor saída era o suicídio.


Um Feliz dia dos Namorados (Mais um do Hipócrita Anaconda de Deus)

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Crime Passional


Sophia era linda, tinha uns olhinhos preguiçosos que teimavam em se abrir por completo, uns olhinhos cheios da herança do pai.
Um dia acordei decidida a cumprir-lhe todos os desejos estampados na cara. Corri para que o despertador não atrapalhasse, ajeitei o travesseiro bem rente à sua face e fiquei assim uns bons minutos: contemplando o sonho da separação eterna daqueles olhos se concretizar.
O peso da beleza e das lembranças naquele olhar era tanto, que não lhe permitiram nem o espanto. Tinha pena da carga que minha filha levava.

domingo, 10 de junho de 2007

Convidado: MaicknucleaR

Dançando Valsa nos Salões do Inferno

...Rompi, também, os limites daquele pequeno portal que nos levava, leves e teatrais, à um mundo de hedonismo recalcitrante e luxúria psicotrópica. Um "mundo" onde os desejos mais sociopaticamente sórdidos e pervertidos, davam vazão ao ato, a experiência (tipo uma casa de profissionais "liberais" nos anos oitenta do século passado, tá ligado?!). Um lugar onde a polpa da lisura moralista descia, como bosta, privada abaixo. E toda torpe fé que havia no âmago daqueles tristes seres de ideais sempiternos, transformava-se num saboroso, mortal e corruptivo pecado. E ao atravessar, finalmente, os limites da casta sanidade, rumo ao gelado piso de hiperbólica voluptuosidade, os anjos que nos olhavam, prostavam-se aos nossos pés mundanos. E beijavam com devoção, a venda de nossas almas aos bailes salafrários, enquanto nos serviam ácido em belíssimas taças de cristal. "E eu?". Eu era apenas um cara que queria o mundo e contentava-se com pouco. Vinho e violão. Uma vaca que me despreza...

Maick Thiago Lênin, vulgo MaicknucleaR, 25, paulistano, nascido em 28/09/81, compositor desde os 9 anos de idade, cantor, produtor musical amador, músico, editor da Revista Lasanha e atual vocalista e guitarrista da banda Revolta Brasileira, ama Sublime e escreve na tentativa de evitar a morte.

sábado, 9 de junho de 2007

Concerto Para Merda e Vermes em Três Movimentos


Abertura

Chegou em casa cabisbaixo pela notícia.
— Vou ter que fazer exame de fezes. Ordens da empresa.
— Mas por quê? – perguntou a mulher.
— Disseram que a partir de agora é assim. Exames periódicos para todo mundo – sarcasmo na voz – estão zelando pela saúde dos funcionários.
E sacou de dentro da pasta um frasco descartável para o exame. A esposa acariciou-lhe a face esquerda demonstrando apoio.
— Ligue não querido, amanhã você tira de letra.
Mal o dia clareou, o homem sentiu o alerta dos intestinos e cambaleante foi ao banheiro, mas esqueceu-se que deveria coletar uma amostra de suas fezes. Já ia acionar a descarga pondo tudo a perder quando lembrou-se a tempo e, vendo sua merda boiando dentro do vaso sanitário, achou conveniente aproveitá-la para o exame. Munido de um garfo que fora procurar na cozinha, pescou o seu cocô de dentro da privada, depositando-o carinhosamente no jornal de véspera que ficara largado no banheiro e o inspirara na defecação matinal. A imagem do cilindro de excremento misturando-se as manchetes onde se dizia que o País estava indo para frente e retrato do Presidente que ele ainda confiava borrado por sua bosta causaram-lhe incomensurável náusea e ele acabou por vomitar em cima do jornal. Merda, vômito e seu amado Chefe de Estado mesclaram-se diante de seus olhos provocando-lhe enorme mal-estar.
A mulher, ao deparar com a escatologia ensaiada em seu banheiro, deu um grito de horror. Assustado, o homem deixou a mistura cair no chão, causando um fétido acidente doméstico. Expressão de desespero moldou seu olhar. Refeita, a mulher aproximou-se, acariciou-lhe a face direita procurando tranqüilizá-lo.
— Calma meu amor, para tudo há uma solução. Vamos limpar esta bagunça e depois eu coleto uma amostra das minhas fezes para você levar como se fosse a sua e tudo se resolve.
Lágrimas brotaram-lhe dos olhos ao perceber a grande companheira que possuía.


Adágio

No interior do vagão do metrô a atmosfera era respirável, a despeito do ambiente recluso a alguns metros sob a terra. Nada se comparava a sala fechada do laboratório de análises clínicas onde o homem trabalhava. Oito horas por dia em contato com merda desconhecida, analisando, analisando... O cheiro era insuportável, nem mesmo a máscara continha o fétido exalar daquela merda acumulada. De segunda a sexta, merda, merda e mais merda. Naquele dia inclusive, diagnosticara algo em uma amostra, a de número 57981-8, que lhe embrulhara de vez o estômago. Tinha que largar aquele emprego. Ia falar com um amigo para lhe arranjar uma vaga no IML, ao menos lá, os defuntos cheiravam ao formol.
Estava de pé dentro de um vagão lotado. Hora do Rush. Alguém peidou. Narinas apuradas, o técnico em análises identificou a origem: um velhinho, sentado à sua frente, rosto duende, ares amigáveis. “Puta que Pariu”, pensou o homem. Um segundo peido. Na certa, o velhinho sofria de flatulência. Aquilo foi irritando o homem. “Se ao menos ele se prendesse”, resmungava intimamente. “O dia inteiro respirando bosta e dou de cara com um peidão”. Uma terceira bufa, esta acompanhada por trilha sonora. Algumas pessoas riram, ainda que timidamente. Só o homem não tinha motivos para achar graça. Só ele ali naquele vagão mexia com merda cinco dias por semana, quatro semanas por mês, 52 semanas por ano, férias excluídas. Se aquele velho peidasse mais uma vez, ele seria capaz de cometer um desatino.


Andante

Chegou em casa cabisbaixo pela notícia. Em mãos, um envelope aberto com o número do exame. 57981-8.
— Querido! Graças a Deus você chegou. Eu vi na televisão. Aonde vamos parar?
— Eu estava no vagão...
— Meu Deus!
— O velho nem teve como reagir. O louco o espancou até a morte, só porque ele peidava.
— È a barbárie...
— Mas tem algo pior...
— O que pode ser pior que um idoso espancado até a morte querido?
— O seu exame. Ou melhor, o meu, feito na sua amostra de fezes. Como estava em meu nome, tomei a liberdade de abrir. Leia você mesma.
— Teníase?
— Hum... Hum... Também conhecida como Solitária. Você é a hospedeira de um verme que pode atingir até 10 metros de comprimento.
— Meu Deus!
— Deixe Deus fora disso. Já marquei consulta com uma médica, Doutora Livingstone, eu presumo. Ela tem um método pouco ortodoxo, porém eficiente para expelir esta bicha. Iremos lá amanhã...
— Meu Deus!
— Meu amor?
— O que foi?
— Desculpe a franqueza, mas estou sentindo um tremendo nojo de você.

sexta-feira, 8 de junho de 2007

EU SÓ SONHO


Esta é a história de um veleiro chamado Sonho. Há onze anos ele navega pelo litoral brasileiro levando a bordo uma tripulação um tanto curiosa. A começar pelo próprio mareante, dono da embarcação.
Não, não se trata de uma nova Odisséia ao gosto de Homero, apesar do tempo já gasto na viagem. É apenas um grupo de poetas reunidos em alto mar a fim de lançar o que têm de mais precioso: suas obras poéticas. Mas lançar como? Um sarau literário nos mares do Sul? Uma noite de autógrafos nos mares do Norte?
Na verdade seus intentos são bem mais modestos do que isso. Utilizando-se de um velho método artesanal e mais barato do que o processo normal de publicação de uma obra, eles buscam atingir seus leitores onde quer que eles estejam. E isso pode ser em qualquer canto do mundo. Um atendimento, digamos assim, bastante personalizado e sem intermediários.
Adotando o antigo sistema de mensagens jogadas ao mar em garrafas, originalmente usado para enviar pedidos de resgate aos náufragos desesperados, os poetas-navegadores lançam literalmente suas obras no oceano. Ao contrário de Camões, que salvou os manuscritos d’Os lusíadas a nado para que eles não se perdessem no mar quando do naufrágio de sua embarcação ao voltar de seu desterro na Índia no século XIV.
E, segundo eles o retorno tem sido satisfatório, pois das três mil garrafas já lançadas ao mar, trezentas delas já caíram nas mãos de leitores, atestado pelas respostas que recebem de apoio à iniciativa. Para sustentar a viagem os bardos também vendem suas obras em cada ancoradouro onde se faz necessária uma pausa.
Todos os marujos dessa verdadeira epopéia literária em alto mar vivem daquilo que escrevem, afirmando que o lucro obtido com suas obras gira em torno de setecentos reais mensais. Seus poemas podem ser encontrados também entalhados em pedras a beira-mar ao longo da costa brasileira.
Questionado por um leitor com espírito ecológico mais aguçado sobre o lançamento politicamente incorreto de garrafas ao mar, o poeta-mor tem uma única resposta tatuada no corpo: — “Eu só sonho”.


Texto baseado em reportagem de O Estado de São Paulo, de 27/06/2006 sob o título Garrafas salvam poesia do naufrágio.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

CHAMA INTANGÍVEL


O sol me aquece.

Derrete-me, na verdade.

Liquefeito, me deito

No asfalto derretido

Da cidade.

Somos um, eu e o asfalto.

Atropelados por multidões

Que sequer percebem-nos.

Eu e ele, irmãos de ofício,

Nutrindo, o vício

De toda essa gente.

E o Sol, lá de cima.

Também ele na sina,

De derreter...

Derreter...

De derreter tudo.

De queimar tudo.

De dar vida a um mundo,

Que, também, não o percebe.

E esse é o papel possível,

Ele, chama intangível.

E, o asfalto e eu,

Tocados pelos pés

Dos que passam sobre nós,

Dos que buscam seus conceitos

E que lançam sua voz,

Dizendo, quiçá,

“Somos todos irmãos!"

Gente, como eu,

Ignorante , em um instante de contrição.

Adorando O Sol,

Em um ritual pagão

Tentando entendê-lo.

Tentando tocá-lo...

Mesmo que, a consciência,

Diga que não.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Olhos centenários

Acendia um cigarro atrás do outro, sem parar de pensar nos olhos azuis daquele senhor, de alguma forma ele a perturbava. Há mais de seis anos que ela morava ali. Sempre o vira sentado naquele mesmo tamborete na porta da confeitaria. Solenemente ele a cumprimentava, todas as manhãs e todo esse tempo, ela se dava ao trabalho de responder seu cumprimento. Mas Cecília nunca reparou na sua roupa, em sua elegância, parecia viver em outro século, camisa engomada, mas cheia de furos, por conta das pequenas brasas que caiam do cachimbo, barba amarelada por conta do tabaco, prestou atenção também em suas botinas novas, lustrosas. Tinha um ar europeu, mas nenhum sotaque. Diariamente ele se ocupava da arte de desfiar o fumo de corda e na hora que ela passava por ele, parecia sentir o vôo de seu vestido de popeline barata. E ao sopro do seu “bom dia!” e ela respondia, “bom dia!” Entrou para confeitaria, como fazia todos os dias pela manhã, pediu o de sempre, pães franceses, alguns biscoitos de nata, presunto, leite e seus cigarros. Ao sair ele estava lá ainda, compenetrado no desfiar do fumo, mas percebeu que ela o olhara, e ergueu a cabeça, que estava sob um chapéu de palha panamá, surpreendeu-se com o azul de seu olhar, tão azul que quase a fez chorar. Mordeu o canto da boca, segurando com a mordida o choro e o lábio inferior, apertou um dos lados do vestido, como que pra não voar e percorreu em carreira de volta pra casa. Estava assustada, feliz, mas mais assustada que feliz. Sabia quem era aquele homem, lembrava-se perfeitamente dele. Mas como poderia estar por seis anos, de frente a confeitaria e não tê-lo notado. Seu coração palpitava como se quisesse sair pela boca e ela segurava o peito, na intenção de acalmá-lo. Aquilo só podia ser mais uma de suas visões, não poderia ser real. Juliano logo desceria, preparava a mesa do café, enquanto seus pensamentos não saíam daquele homem, mas ele não poderia estar ali. Lembrava de seu colo, dos carinhos que recebia dele, quando menina, ele cheirava a tabaco, tinha as mãos carinhosas e cheias de cicatrizes, a pele tão fina que dava pra ver as veias, ossos e nervos se mexendo. Adorava quando ele a colocava sentada sobre o muro baixo, que ficava de frente para a rua, falando das suas histórias do exército e de suas grandes batalhas. Contava dos morteiros feitos com panelas de pressão, pólvora e pregos. Falava da batalha de Sobradinho, da destruição e incêndio de uma bela biblioteca, do seu amigo surdo que foi pedir rendição e acabou morto, das explosões, de tantos amigos mortos, da travessia de rios, dos passeios pelas trincheiras e, para ela, tudo parecia canção de ninar. Seus olhos azuis mareados pediam o afago que só suas pequenas mãos dariam, tão pequenas que sumiam na felpuda barba branca. Parecia Papai Noel, em sua aparência física, mas disfarçava-se bem, quando o Natal se aproximava, as crianças logo o descobriam, debaixo de seu chapéu panamá. As camisas de cambraia, os suspensórios e as calças de linho, não enganariam as crianças mais atentas. Nesses dias ele preferia ficar em casa, e dispensava suas caminhadas matinais e jogava seu corpo sobre uma cadeira de balanço que rangia sobre o assoalho de madeira. Ela gostava dele, tinha um ar soberano, mas isso não a assustava. Mais um cigarro, Juliano tomara seu chá preto, beijara-a rapidamente e saíra apressado e ela dessa vez não arrumara sua gravata e nem se despedira dele na porta, submersa em suas lembranças infantis. Ele cheirava a tabaco, tantos diziam não ser um cheiro agradável, mas pra ela esse era o cheiro de sua infância. Pegou sua bolsa e saiu. Decidira que o dia seria dela, iria ao mercado municipal, sentir os cheiros e sabores de um tempo que não volta mais. Afinal ,tinha o direito de ser feliz.

terça-feira, 5 de junho de 2007

Retrato em preto-e-branco

A definição de raça agora é sacramentada por um tribunal de pureza racial que fotografa os candidatos a vestibular na UnB – Universidade de Brasília – e define os que podem ou não ser enquadrados nas cotas dos negros. Na escola aprendi que raça era uma coisa e cor era outra.
O que me interessa é devem ser criadas cotas também para os portadores da letra K no nome. Desde a alfabetização sofri descriminação. Tudo por causa da reforma ortográfica de 1943 que eliminou a letra K do nosso alfabeto. Os portadores das letras W ou Y que juntem sua turma para formalizar seu pleito. Vou cuidar apenas daquilo que me diz respeito. Somos poucos, pleiteamos cota de apenas 0,5 % das vagas universitárias.
Negros e mulatos: 40%; deficientes físicos: 20%; egressos de escolas públicas: 35%; pobres: 20%; indígenas: 15%; asiáticos: 4,5%; judeus: 3%; desafinados 5%; macrobióticos 2%; órfãos 1%; analfabetos: 18,37%.
O nosso caso não necessitará de nenhuma comissão especial para confirmação. Dispensaremos atestado de pobreza e exame de DNA. A identidade será o suficiente para provar nosso enquadramento na cota. Particularmente tenho K por parte de pai e de mãe. , é preto de pai e indígena de vizinho,
Feliz mesmo vai ser um amigo meu Zibgniev Chlowinsky, é pobre, estudou em escola pública do nordeste, não aprendeu a escrever, é preto de pai e indígena de vizinho, sem amídalas, careca, míope e na casa dele não tem televisão colorida.

Zib com certeza vai entrar na faculdade, pois somando todas as cotas estará com 127, 38%, o problema é que irá direto para o laboratório de antropologia.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Por que alguns escritores são chamados de malditos

Por que alguns escritores são chamados de malditos

“Uma coisa é escrever como poeta, outra como historiador:
O poeta pode contar ou cantar coisas não como foram,
mas como deveriam ter sido,
enquanto o historiador deve relatá-las não como deveriam
ter sido, mas como foram , sem acrescentar ou subtrair da
verdade o que quer que seja.
Cervantes “D. Quixote de La Mancha”

Eram por volta das quatro da tarde quando ele chegou. Haviam marcado às três e meia. Tudo aquilo o deixava meio desconfortável, mas fora idéia de seu editor e no fim viu que teria realmente que comparecer. Ela estava sentada no fundo do bar, olhando impacientemente para o relógio. Parou do lado:
- Desculpe o atraso – sorriu meio sem graça.
- Tudo bem, em geral meus entrevistados não se importam em se atrasar, nem em se desculpar. Muito prazer, meu nome é Lílian.
A vista daquele rosto perfeito e os cabelos louros o deixaram mais desconcertado ainda, tinha um fraco por louras (será que isso também fora coisa lá da editora?), ficou ali em pé olhando-a, que prosseguiu:
- Escute, em primeiro lugar gostaria de te agradecer por me conceder esta exclusiva, sei que você anda muito ocupado.
Essa era a última coisa que o acontecia ultimamente. Estar ocupado. Lançara um livro que foi bem recebido, estava agora simultaneamente empacado com o segundo, terceiro e quarto, gostava de escrever várias coisas ao mesmo tempo. Enquanto não adiantava os outros, enviava uma enxurrada de contos para as revistas; tinha que defender o seu pão, ou a cerveja, tanto faz, mas o certo é que não escrevia nada há semanas (os textos foram escritos faziam meses) e por conta do recente sucesso, choviam convites, então vagabundeava de festa em festa, se apresentando com um pseudônimo. Não tinha saco para bajulações nem sabatinas. Sentou-se e sacou um cigarro.
- Certo, por onde começamos?
- Você é quem fez faculdade de jornalismo, me guie.
- O.K. Como é quebrar o recorde da lista dos “dez mais”?
- Nunca me imaginei nem em ser um deles.
- Como começou a escrever?
- Escrevendo.
- Tipo, no colégio?
- Não, tipo em casa.
- Por quê?
- Não havia mais o que fazer.
- Como um rapaz de Goiânia vira escritor?
- Como uma garota do Rio vira jornalista?
- Como sabe que sou carioca?
- Pelo “excritôar”. Mas foi chute.
Ela riu gostoso. Tinha uma dessas risadas fáceis, que fazem com que a gente queira rir também. Dentes muito brancos, olhos claros e lábios finos, uma aparência meio germânica, talvez herança de algum avô alemão. Mas sua classe era a de uma francesa. O jeito com que ela fumava com uma mão e segurava o minúsculo gravador na outra. Seu indolente cruzar de pernas, podia jurar que ela conseguiria cagar de pernas cruzadas, tamanha era sua etiqueta. Ele sempre fora um suburbano qualquer, começou a escrever desempregado para não enlouquecer pela falta do que fazer e agora estava ali, sentado em um bar no Arraial D´ajuda (sempre se prometera que se ganhasse dinheiro moraria ali pelo resto da vida), com uma mulher que queria perguntar de sua vida. Profissionalmente, o que era uma pena.
- Olha – disse ele após elas se controlar – acho que começamos meio depressa, sei lá. Que tal se tomarmos algo e deixar o papo fluir, hein?
- Estou de serviço... Só os escritores podem se dar ao luxo de beber em uma Segunda-feira...
- Mas não é uma policial, nem seu chefe está aqui, o que é uma benção... GARÇOM! Preste bem atenção, um copo de gelo e limão, um com uma dose de gim, uma água tônica, uma cerveja e...- virando-se para a moça- cerveja ou tequila ?
- Cerveja, mas só para te acompanhar...
- Ótimo, se apresse meu rei, traga tequila que essa matéria vai para a lista das “dez mais”... – a repórter riu de novo, balançando a cabeça. Ficaram comentando sobre pequenas particularidades, apenas para se conhecerem melhor, mais à vontade, as perguntas e respostas fluiriam com mais facilidade:
- Diga aí – ela disse – meu redator disse que você não era chegado em uma entrevista, por que aceitou?
- Foi meio que um acordo que fiz com meu editor... Ele precisa de publicidade, eu de privacidade... E prometeu não me cobrar nenhuma linha dentro de três meses, então eu disse que se a entrevista fosse aqui e fosse com uma jornalista... Nem precisava ser linda.
- Por que aqui?
- Sempre quis morar na praia. Quando você mora no interior e fica vendo aqueles filmes de surfistas ou aquelas cenas a beira mar... Acho que é aquele negócio da insatisfação humana. Se o cara mora em uma montanha, no meio do gelo, quer ir para a África, algum lugar quente, sei lá. Se mora no agreste, desejaria estar tremendo de frio em Londres e por aí vai num crescendo.
- Como assim?
- Se ele possui um carro comum, gostaria de ter uma Ferrari. Se têm a Ferrari, vai querer um iate... Daí para um jatinho é um pulo... Não me lembro quem disse que “o ser humano é um eterno insatisfeito”. Eu concordo plenamente.
Os drinques chegaram, Amarildo, o garçom, ajeitou tudo da maneira costumeira (como é cheio de manias esse cara, pensou), enquanto falava ele enfileirou os copos de gelo e limão, o gim e o da cerveja, deixando entre eles a água tônica e a tequila.
- Pronto, esta (apontou a tequila), é sua...
- Mas eu só concordei com a cerveja.
- Beba a tequila primeiro... Só para aquecer... – e começou a misturar os outros copos: gim, gelo, limão e água tônica – voilá, gim tônica... Meu predileto. Junto com a cerveja e o whisky, claro...
Ela olhou desafiadoramente para ele, levantou o pequeno copo e atirou o líquido boca adentro.
- Uau, ISSO É UMA SENHORA GOLADA!!! – ela havia virado a tequila sem nenhum acompanhamento – pronto, agora tome um pouco de cerveja, sua garganta vai agradecer...
- Uhhh! Faz tempo que não tomo uma... Glup... assim... – a voz dela havia ficado um pouco macilenta – que tal voltarmos à entrevista?
- Ué, não é o que estamos fazendo?
- Estamos bebendo, só isso.
- E conversando, o que quer dizer que você está me entrevistando.
- Tudo bem... Você é bem convincente.
- Eu tento.
- Quais suas maiores influências?
- Os de quase todos, Hemingway, Poe, Bukowski, sei lá. Desde adolescente curto muito Verne, Rimbaud, Kerouak.
- Só literatura estrangeira? E os nacionais?
- Bom, adoro o Fernando Pessoa.
- Ele é português.
- Eu sei e daí?
- Daí que é literatura estrangeira também.
- Não acho. Ele é de casa, primo, sabe? Escreve em nossa língua, ou melhor, nós escrevemos na dele. Mas se você quer que cite alguns made in Brasil, vai lá: têm o Sabino, que é sensacional, o Scliar, os Veríssimo, pai e filho cada um na sua, detonam; Clarice Lispector (que era ucraniana de nascimento), Cecília Meireles, Bernardo Élis, Cony, o Joelmir Betting, que escreve sobre economia, mas dá uma aula de redação; caramba, o Armando Nogueira fazendo verso e prosa com resenhas esportivas, pôxa, são tantos que eu nem sei quais ao todo.
- Quer dizer que você pega um pouco de cada?
- Sim e não. Acho que todos que escrevem aqui no Brasil, depois de Machado de Assis, têm um pouco de Bentinho em si. Não dá para desassociar, sabe? Temos um quê de Viramundo, Capitão Rodrigo, Chico Bento, Cebolinha, Rê Bordosa... Eles são a cara do brasileiro, a cara do ser humano... Mas sempre há aquele pedacinho teu que você pode acrescentar neste tempero.
- Te enquadram como sendo um escritor maldito. Se acha um?
- Não sei... Os ditos malditos eram sempre marginalizados, coisa que não me acontece exatamente. Talvez só por andar realmente uns dois passos da estrada, sempre entre outros que não se incomodam muito em serem eles mesmos. Nem se preocuparem quem ganhou o Oscar ou se saiu na capa da revista... (olhou-a diretamente nos olhos, viu que agradara).
- Pelo jeito, também é contra as regras da sociedade.
- Só as idiotas. Você estaria vestida neste momento não fossem as convenções da sociedade?
Quando rebateu a pergunta, inclinou-se para frente, ficando bem próximo do rosto dela, podia sentir sua respiração delicada, o doce aroma de seu perfume, o colo bem delineado, a sensação de maciez de sua pele. Ela corou imediatamente:
- Dizem que os malditos são grandes galanteadores. De homens ou mulheres, tanto faz.
- Eu sou da turma dos antiquados, plug com conexão, encaixe perfeito, sem sobra de fiação, entende?
- Têm algum preconceito contra os homossexuais?
- Acho que eles é que têm contra mim... Se não ligo muito nem para minha vida, para quê vou gastar tempo se alguém está se relacionando com um bode ou uma árvore? É perda de tempo simplesmente. Não estou aqui para servir de júri ou juiz de quem quer que seja. Faço meu pequeno papel neste planetinha, mas não vou virar mais uma marionete se o mundo inteiro virou um circo.
- O que quer dizer com isto?
- Que estou meio bêbado... Quando ficarmos completamente tontos, tudo fará sentido...”in vinus, veritas”
- “No vinho, há a verdade” – ela traduziu.
- Você concorda então que os antigos romanos deveriam ter alguma razão.
- Bom – deu uma risadinha – Na verdade eu li essa citação creditada a você, na coluna do Eustáquio...
- Nem tudo está perdido, afinal. Vamos tomar mais umas cervejas e verei se você têm salvação...
- Do purgatório?
- Não, deste circo de pulgas...
Cinco semanas depois estavam casados. Ele, com livro novo, ela desempregada, pois nunca voltou nem para entregar a entrevista, nem para dar uma explicação convincente, sendo demitida aos berros pelo telefone. Até o nascimento da primogênita, ela o achava um grande escritor, após o parto do segundo, estupendo e depois de abandonada grávida do terceiro filho (trocada por uma jornalistazinha da imprensa marrom), sempre que perguntavam qual sua opinião sobre o que achava dele, respondia com fogo nos olhos:

- É um maldito filho da puta...

E olha que este é só um dos motivos.

domingo, 3 de junho de 2007

Minha mão que acaricia

Você combina com esse estado de espírito pensativo,
um ponto dissimulado por detrás das luzes da tela do computador.

Uma mina em São Paulo,
uma guria em Poa.

Minha mão que acaricia
sem poder apedrejar.

Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

sábado, 2 de junho de 2007

Cilada II (foto de Graça Loureiro)

A cena era clara: O marido comia como um porco. Fazia ruídos com a boca, o som da mastigação era nojento. À noite roncava atrapalhando meu sono. Babava no travesseiro. Tinha um recipiente na beira da cama que usava durante a madrugada para mijar, por pura preguiça de ir ao banheiro. Bebia muita cerveja em frente à TV e depois ia dormir. Não deu noutra: virou o conteúdo do pinico em nossa cama. Que cheiro! Aquele líquido morno tocara minha perna...
Voltei à realidade e dei a resposta que todos esperavam.
-NÃO.
O padre confuso perguntou novamente:
-Maria Luiza: aceita Paulo Roberto, como seu legítimo esposo, para amar e respeitar, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte os separe?
-NÃO.
Virei as costas e fugi em disparada.

.
Me
.
obs.: Não existe dia sem sol, noite sem lua, chuva sem cheiro de terra molhada, sorriso sem alegria, poeta sem poesia, Bar sem bebuns, e entre tantos, um que sobressaia pelo talento: Anderson H.
"Poeta neto do Vale das Violas, no cariri cearense, e filho da São Paulo da garoa e do concretismo."
Não deixe de espiar aí embaixo o lançamento de TORMENTA, de nosso menino com cheiro de Nordeste. Eu li e fiquei apaixonada.
.
Me Morte

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Ebook Tormenta de Anderson H

O Bar do Escritor tem o orgulho de apresentar Tormenta de Anderson H.

Poeta competente, Anderson é frequente nos debates do bar no iorgut e nos ezines editados pelo dono (eu mesmo, hehehe). Entre tantos escrevinhadores bons, ruins e bêbados, chamou a atenção com sua literatura muito bem trabalhada e inspirada.

É o primeiro poeta publicado pelo BDE em ebook. Honra para nós, satisfação para ele (que é bom, muito bom).

Divirtam-se!


Giovani Iemini
(cada vez mais editor)