quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Doutor Edgar, Psicólogo


O homem olhou fixamente para o cartão de visitas que havia recebido. Nele, a inscrição:

Edgar Christian
Doutor em Psicologia e Mestre em Meditação Transcendental

Já fazia tempos que ele queria fazer aquela ligação. Agora era o momento. Procrastinar não adiantava mais, especialmente àquela altura do campeonato. O homem passou a mão no celular e ligou. Uma voz feminina atendeu. Tratava-se da secretária do doutor. Muito solícita, a jovem (pelo tom de sua voz) marcou um horário para uma conversa com o doutor. Ao final da ligação, contudo, ela salientou: “Se você recebeu o cartão do doutor, é porque foi por indicação. Portanto, saiba desde agora que só divulgamos esse trabalho para quem realmente precisa do doutor. As demandas pelos serviços dele são enormes, e o doutor não pode atender a todos. Então, peço-lhe por gentileza que não comente com ninguém a nosso respeito...”
O homem já sabia aquele papo todo. O doutor vivia corrido. Era “concorrido”. Ele só atendia figurões, gente graúda. Não tinha tempo para qualquer um, para povão. Só podia ser. O homem sabia disso, e ficou feliz que, depois de tudo o que tinha passado, feito e vivido nos últimos anos, finalmente teria a oportunidade de tirar de dentro o que lhe incomodava. “Antes tarde do que nunca” pensou, feliz por ter um horário para si já na tarde seguinte.
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O lugar parecia mais com um prédio abandonado. Uma porta com um pequeno interfone, e pronto, lá dentro estava o homem. “Ao menos, o interior é bem confortável” pensou o homem, sentando-se num sofá de couro, enquanto a secretária – uma menina nova, de fato – o pedia para aguardar um instante. Em seguida, ela perguntou:
- O senhor trouxe o pagamento em espécie?
- Sim. Está aqui. Só preciso de uma nota fiscal, pois sairá como pagamento da empresa.
- Tudo bem. Ao final da consulta estarei lhe entregando a nota, que será para o tratamento todo já.
- Ok, de acordo. – disse o homem, tirando de dentro do paletó uma carteira forrada de notas de cem.
Com a rapidez e a precisão de quem conhece dinheiro, a jovem secretária contou os cinco mil reais, e agradeceu ao homem. Em seguida levantou-se, e disse:
- Vamos? O doutor já pode atende-lo agora.
Entrando na sala, o doutor recebeu-o com um sorriso amigável em seu rosto. Sem um divã para se deitar, havia na sala do doutor apenas uma confortável poltrona de couro preto, que ficava virada de costas para a porta, bem de frente para a do doutor. Atrás do psicólogo, uma estante forrada de livros, que ia de fora a fora. O homem teve a impressão que já conhecia o doutor Edgar de algum lugar, mas não sabia ao certo de onde.
- Sou um tipo físico comum. Muita gente acha que me conhece, seu Firmino... prefere que o chame assim ou por seu primeiro nome?
- Pode ser Oscar mesmo doutor...
- Edgar, me chame só de Edgar. Aqui somos amigos. Nada do que acontece dentro desta sala sai daqui, jamais. Sabe que a minha reputação é algo que estimo muito. E se está aqui, Oscar, você pode me contar absolutamente tudo nos mínimos detalhes, que lhe prometo desde já: sua vida irá mudar drasticamente a partir do fim desta sessão. Você não está aqui por acaso. Ninguém vem aqui por acaso...
- Eu sei Edgar, eu sei. Só espero mesmo que adiante de verdade para mim...
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E a consulta transcorreu muito bem, superando as expectativas de um antes cético Oscar Firmino. Sim, o famoso empresário Oscar Firmino, dono de uma fortuna outrora estimada em 100 milhões de reais, mas que vinha passando por uma série de problemas recentes, a maioria deles, para não dizer todos, por culpa única e inteiramente sua. Após um desabafo profundo e sincero, como Oscar nunca havia feito em toda a sua vida para ninguém, é que o doutor lhe deu as considerações finais:
- Muito bem Oscar, você está de parabéns por hoje. Já tenho tudo o que preciso de você para a mudança, que começará a surtir efeito nos próximos instantes. Antes de lhe dar as instruções de como o senhor procederá para a sua mudança de vida, uma pergunta: estava bom o chá servido por Ágata?
- Hum, sim, delicioso... até por sinal, me parece que agorinha mesmo eu fiquei um pouco tonto...
- É? Nesse exato momento?
- Sim, parece uma sensação de leveza, não normal... mas fale-me doutor, digo Edgar, o que devo fazer a partir dessa semana?
- Sim, só um momentinho... – o doutor voltou-se ao seu laptop e falou: - Ágata? Sim, paciente já concluído aqui...
Voltando sua atenção para Oscar, olhando bem fundo em seus olhos – que já pareciam mais cansados, ligeiramente vermelhos – é que o doutor Edgar disse:
- Pois então, Oscar Firmino, você tem plena consciência que roubou dinheiro grosso de seus ex-sócios... correto?
- Sim Edgar, mas como lhe falei, foi porquê...
- Não, Oscar. Agora você não precisa justificar mais nada. Apenas concorde comigo, se o que eu lhe falar realmente aconteceu, independente de motivo. Tudo bem? Apenas diga “sim” a cada pergunta, para seguirmos com o tratamento, OK?
- Sim, pode ser – dizia Oscar, deixando o nó da gravata mais frouxo, evidenciando o mal-estar repentino.
- Então vamos lá, novamente: você tem plena consciência que roubou dinheiro grosso de seus ex-sócios, Oscar?
- Sim.
- Você negou e/ou abandonou dois filhos legítimos seus fora do matrimônio?
- Ah... sim.
- Você subornou pessoas públicas para conseguir benefícios fiscais ou vantagens sobre outras pessoas?
- Sim, várias vezes...
- Você pegou parte bem maior do que a reservada para você da herança de seu falecido pai, através de esquema ilícito com advogados, para ficar com mais dinheiro que seus irmãos e irmãs?
- Sim...
- Você deveu e até hoje deve dinheiro para fornecedores, alguns dos quais inclusive que tiveram de fechar suas portas, devido principalmente ao rombo financeiro causado pelo senhor?
- Sim, sim!
Nessa hora o suor na testa de Oscar já era visível a olho nu. Que perguntou:
- O ar condicionado tá desligado? Não tô legal...
Gentilmente abrindo a porta do consultório, Ágata entrou delicadamente no recinto, sem que Oscar a percebesse. O doutor prosseguiu:
- Pois então seu Oscar Firmino, a sua tontura e o seu mal-estar não são em vão...
- Como assim?
- O chá que o senhor acabou há pouco de tomar, continha uma quantidade de veneno capaz de matar um ser vivo de até 150 quilos em menos de uma hora... o senhor, como deve pesar uns... noventa, estou certo?
- O quê?!? O que você disse, seu maldito, O QUÊ?!?
Fazendo menção que iria levantar-se atabalhoadamente de sua poltrona, o doutor Edgar, apenas com um olhar assertivo para Ágata, deu o sinal. Com uma agilidade de quem sabe o que faz, antes que Oscar Firmino levantasse da poltrona, Ágata segurou-o firme pela testa com sua mão esquerda, enquanto com a mão direita firme atravessou uma reluzente navalha pela garganta de Oscar Firmino.
Um esguicho de sangue atravessou a pequena mesa de centro que separava doutor de paciente, deixando a cara do doutor Edgar toda vermelha com o sangue quente recém-saído da jugular de Oscar – que convulsionou por poucos segundos, até morrer ainda sendo seguro por Ágata.
Pacientemente, o doutor Edgar tirou um lenço de seu bolso, e começou a limpar o sangue de Oscar do rosto, que era sentido já em seus lábios.
- Ótimo trabalho, Ágata. Você é ótima no que faz. Estou orgulhoso de você!
- Ah doutor, estava com muita vontade de passar essa navalha na garganta de alguém... saudade disso, sabe? Mas... a única coisa é o sangue, sempre dá um trabalho extra pra gente, né... isso não é tão prático, não é doutor?
O doutor levantou-se para auxiliar a “sua Ágata”, que era muito mais do que uma secretária para ele; Ágata era a razão de tudo para Edgar. Que falou:
- Pode soltá-lo, Ágata. Só forra o chão ali que eu mesmo boto o corpo desse Firmino ali em cima. Você já fez demais por hoje, deixa aqui comigo – e nesse momento, enquanto segurava a cabeça do homem para que seu corpo não caísse no chão, é que o doutor beijou Ágata na boca, sentindo um prazer difícil de pôr em palavras.
Quando suas bocas se desencostaram, Ágata, agindo como uma gata de estimação, lambeu do rosto do doutor os últimos vestígios de sangue do empresário.
- Ah, assim você me acaba... vamos terminar nosso trabalho primeiro Ágata, depois a gente pode fazer amor aqui, com o cadáver nos olhando...
- Hum...perfeito!! – respondeu Ágata empolgada, ansiosa para cair nos braços de seu amado.


domingo, 12 de fevereiro de 2017

Liberdade Cativa

Na esperança da liberdade da entrega
Mas preso nos temores deformados pelo tempo
Questionando as certezas da espera
Certamente duvidosas geram medo
Clareando o breu da alma
Faltando o que antes era sobra
Sobrando o que agora mata
Auspicioso continuo na entrega
Entregando o que mais me afeta
Afetivamente preso na liberdade que auferi
Displicente ao que se passa ao redor
Mas consciente ao que se passa em mim
Hoje liberto nos desígnios que hoje pelejo
Mas cativo nos anseios presos a mim
Criados pela certeza que hoje vejo
Mas ainda esperançoso na liberdade que sinto em ti
Tendo certeza do que hoje almejo
Tão certo do que apeteço
Tão clara como a luz que cega
É a dúvida que tudo isso acarreta
Nada mais intenso me inspira
Do que a liberdade cativa