quarta-feira, 22 de julho de 2015

Piromaníaca


Acendia fogueiras, despretensiosa, apenas para vê-las arderem, estalarem e consumirem-se.

Quando sentiu frio, desamparada, já não tinha mais ninguém para servir de lenha.



Memórias


Desde aquele dia, virei um fantasma, uma sombra - um vulto

Aquele reflexo no espelho, no qual você não se reconheceu, aquele era eu

domingo, 19 de julho de 2015

Do Contra

Wallace era o cara do contra. Até onde se sabia, NINGUÉM era tão do contra quanto Wallace. Se esta categoria de ser humano entrasse para o Guinness, Wallace seria um forte candidato a fazer parte do livro dos recordes. Mesmo tendo pouquíssimos amigos, para não dizer nenhum, Wallace insistia em manter contato com pessoas, afinal, a sua motivação maior na vida era ser o cara do contra.
Pois foi num coquetel com colegas de Faculdade que o diálogo de logo em seguida ocorreu. Laura, uma nova aluna do curso, ficara sabendo da fama de Wallace. E logo ela percebeu que Wallace não conseguia ficar com mulheres, exatamente por sua mania de contrariar a tudo e a todos. O que Wallace não sabia, era que Laura tinha um fetiche por homens que normalmente não atraíam outras mulheres...
Após serem apresentados, o papo tomou o rumo que Wallace gostava. Laura disse:
- Não suporto política.
- É interessante. Não gosto dos políticos brasileiros. Mas o tema política é interessante...
- Eu também não gosto dos políticos brasileiros. Nem um pouco – disse Laura categoricamente.
- Bem, na verdade, tem alguns que eu gosto. O Getúlio, por exemplo. Um grande político. O João Goulart também.
- Também curto o Jango. Foi um grande cara, injustiçado.
Wallace, desconfiado, falou:
- Não... Acho que você não gosta dele não, Laura. Acho melhor você refletir a respeito do que está falando...
Laura levou a conversa para outra direção:
- E de quais esportes você gosta, Wallace?
- Não tenho um favorito em particular... E você?
- Gosto de hóquei no gelo.
- Hum... Muita brutalidade. Não é para mim.
- Sou fã também de nado sincronizado, nas olímpiadas.
- É bonitinho, mas para mim isso não é esporte. É arte. Está no lugar errado.
- Perfeitamente.
- Hum?
- Também acho.
Nisso, Wallace pegou mais um canapé na bandeja que estava ao seu lado, e comeu. Laura emendou:
- Estão uma delícia estes canapés, hein Wallace?
- Não acho. Só estou matando a fome.
- O que você mais gosta de comer?
- Depende do momento, depende o dia.
- E música? Você gosta de MPB?
- Bem... – Wallace olhou bem para Laura, tentando decifrar se ela gostava ou não de MPB. Sem sucesso. Aí disse, na defensiva:
- Por que, você gosta?
- Não tenho uma opinião formada. Preciso ouvir mais esse estilo. As críticas são as melhores, não?
- Não dou bola pra críticas. São só opiniões individuais. Assim como eu e você, qualquer um pode falar o que quiser de MPB. Vai pedir, por exemplo, para algum retardado tipo, sei lá, o Supla, se ele gosta de MPB.
- O irmão dele é músico e toca MPB.
- E daí? Já soube de irmãos que um era padre, o outro assassino de aluguel. Novamente, gostos diferentes. O que eu quero dizer é que há muitas opções, não tem como...
Enquanto Wallace vinha, como sempre, tentando provar seu ponto de vista, o garçom passou por eles; Laura aceitou uma dose de uísque, já Wallace, olhando bem ao seu redor e vendo que ninguém pegara o único copo de Martini da bandeja, não hesitou e se agarrou ao copo.
- E o cinema americano clássico? Film noir, os musicais da Metro... Isso sim era bom. – disse Laura, após um gole imenso no seu uísque on the rocks.
- De clássico, prefiro um western.
- Nossa, você é fã de John Wayne então?
- Sou mais Roy Rogers.
- E entre Marylin Monroe e Audrey Hepburn? Qual das duas?
- Sophia Loren. Sem dúvida.
- Cinema italiano, hum... Sabia que você tinha uma queda por cinema europeu, Wallace...
- Na verdade, não. Gosto de cinema europeu como gosto de qualquer outra coisa.
- Como o quê?
- Como, sei lá, comer pera. Tanto faz. É uma boa fruta e tal, mas não vou morrer se não comer uma pera. Só isso.
Nisso o garçom passava por eles mais uma vez. Laura pegou para si duas doses de uísque, desta vez a caubói, e disse:
- Pelo seu papo Wallace, vejo que você não vira uma dose de uísque dessas nem aqui, nem na China. Certo?
- Me dá aqui. – Wallace virou a dose num gole só, depois tossiu e por fim, limpou uma lágrima que saía de seu olho.
- Uau... Bem, eu vou tomar essa minha aqui bem devagar... – disse Laura, com um olhar penetrante nos olhos agora vermelhos de Wallace. -... já que detesto beijar a boca de alguém com hálito de uísque puro, assim, no seco, quente...
Quando os demais colegas se deram por conta, Wallace estava atracado aos beijos com Laura. Que, esperta como ela só, havia apostado com mais de uma dúzia de colegas ali presentes que ficaria com o turrão do Wallace, e por iniciativa do próprio.

Touché!









sábado, 18 de julho de 2015

Narrativa Literário-futebolística em Quinhentas Palavras


“Zagueiro bonzinho acaba como babá do filho do atacante”. Pensava assim o beque Roberval até o dia em que vitimara Zeca com avassalador carrinho. O artilheiro flamenguista e ídolo da seleção brasileira ficou quase um ano no estaleiro com tíbia e perônio fraturados. Em conseqüência, Zeca, perdeu a Copa do Mundo e Roberval a paz de espírito corroída pelo remorso.
Viveu assim tempos difíceis o Roberval, beque conhecido pelo estilo viril aliado a certa malvadeza para com os adversários. Fora criticado por toda a imprensa futebolística, virando um bandido perante a opinião pública que antes o endeusava por sua demonstração de raça em campo. O zagueirão só não capitulara porque Jesus entrou de sola em sua vida quando Bernardo, meio-campo e Atleta de Cristo, o presenteou com uma Bíblia mandando que ele a lesse. Em semanas Roberval largou as noitadas, carros importados, marias-chuteiras e tomou ojeriza pela violência nos gramados. Virou um zagueiro clássico, daqueles de tirar a bola dos adversários como se houvessem pinças em seus pés. Nas entrevistas após as partidas, parafraseava Jesus ao justificar o sumiço de suas botinadas: “Não faça com os outros o que não quiser que façam com você”.
Brasil, celeiro de craques, viu nesta época surgir nas Minas Gerais Dentinho, para os especialistas da crônica esportiva, o novo Pelé. Dentinho humilhava os marcadores com sua técnica apurada e talento de malabarista com a bola nos pés. Zagueiros renomados perdiam o sono na véspera dos jogos contra o Cruzeiro, temendo a vergonha de serem entortados pela jovem revelação mineira.
Quis o destino que Cruzeiro e Botafogo decidissem o Campeonato Brasileiro em jogo único no Maracanã. Rádios, jornais e a televisão vomitaram durante toda a semana o duelo entre o malvado arrebanhado por Jesus e o novo deus da bola tupiniquim. Roberval passou a noite em claro. Cristão antes de ser zagueiro, tinha a obrigação moral de não machucar aquele menino prodígio.
Maracanã cheio, um clima de euforia intoxicando o ar. Antes do jogo, Roberval fez questão de presentear Dentinho com uma Bíblia.
A partida transcorreu nervosa como uma digna final de campeonato. Aos 35 minutos do primeiro tempo, o Botafogo fizera o seu gol e segurava a vantagem no marcador com um desempenho sólido de Roberval que, apesar de tomar alguns dribles de Dentinho, não deixava o atacante levar perigo à meta botafoguense.
 Acontece que, a natureza do escorpião revelou-se e ele picou a sua vítima.
Eram 44 minutos do segundo tempo. Em um contra-ataque, a bola foi esticada para Dentinho que ganhou na corrida de um zagueiro e rumou em direção ao gol. Roberval partiu para a cobertura e, temendo o empate cruzeirense, atingiu barbaramente o joelho direito de Dentinho.Um palmo fora da área. O atacante saiu de maca direto para a mesa de cirurgia, Roberval foi expulso e o Botafogo sagrou-se campeão.

Enquanto a festa alvinegra tomava a cidade, Roberval isolou-se em um templo evangélico. Chorando, Bíblia segura na mão direita, o zagueiro rogou a Deus para que perdoasse seus pecados.

Poesia Muda

Quando estiveres cansada
De ver sempre as três fatídicas palavras,
Todas juntas,
Nas minhas inúmeras
Posias de amor,
Tudo bem.

Fecha teus olhos
E com a visão escura,
Escuta.

Pois o silêncio que a boca declara,
É o meu amor também.

Em forma de poesia
Muda.

André Espínola

quinta-feira, 16 de julho de 2015

O medo

tarde demais
ou tão cedo
o velho receio
o medo

todos os meus suicídios
empecilhos
martírios
fracassos

tarde demais
ou tão cedo
o velho receio
o medo

todos os meus atrasos
vôos rasos
acasos
e afins

tarde demais
ou tão cedo
o velho receio
o medo

todos os porres
tarde demais
ou tão cedo
todas as mortes
tarde demais
ou tão cedo
todas as dores
tão tarde
tão cedo
tudo agora
no tempo certo
ou errado
em mim.

terça-feira, 14 de julho de 2015

A Poesia de Edweine Loureiro

Tema: Infância

ALEGRIA

É ver
o sorriso da criança
espalhar Poesia.

Nota: Poema selecionado na 16ª edição do Premiado Projeto “Um Poema em Cada Árvore”. 

quinta-feira, 9 de julho de 2015

VOU ACABAR NA IGREJA PREGANDO EM NOME DE JESUS


Eu não posso fumar maconha
A maconha leva-me no caminho inverso
Ela não é subversiva
Pelo contrário
Super moralista
Quando eu fumo eu quero viver uma vida normal
Tudo diferente dos ensinamentos dos meus gurusbebuns
Penso automaticamente ”chapado” em trabalhar mais, ganhar mais dinheiro, sair menos, não dar tamanha importância ao sexo.
Quando não fumo a erva moral eu quero trabalhar o mínimo necessário, não dou a mínima pra dinheiro, só quero sair e fuder.
Não sinto culpa “careta”
Quando não fumo eu tenho a total consciência do poder viver uma vida de bar e sexo
A maconha é a minha culpa
Leva-me automaticamente pro mundo padronizado no caminho dos iguais no não viver
Eu fumo e quero ser mais um
Quero ser o cara criticado ao limite nos bares e pras consequentes mulheres em discursos efusivos e anárquicos
Se eu fumar todo dia vou acabar na igreja pregando em nome de Jesus

Pablo Treuffar
Licença Creative Commons
VOU ACABAR NA IGREJA PREGANDO EM NOME DE JESUS de Pablo Treuffar é licenciado sob uma Licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivs 3.0 Unported.
Based on a work at www.pablotreuffar.com
A VERDADE É QUE EU MINTO

A VERDADE É QUE EU MINTO

terça-feira, 7 de julho de 2015

Arrasta sua sandália de odalisca triste pelo asfalto

Sua pele de animal selvagem
Coberta de fuligem, sujeira e sal
Suas escamas sobre as costelas salientes
Denunciando a fome que te ultrapassa

Ancorado em minha mesa, observo
A nervura de teus passos, buscando mais uma dose
O traficante que não chega
Te oprime como o tombo de uma guilhotina

Sob o astro frio da tarde que finda
Sua agonia, tão imensa, quase nubla o sol poente
Se eu quisesse poderia tocar sua angústia
E fazer dela pequenos cubos de gelo d’alguma bebida

Arrasta sua sandália de odalisca triste pelo asfalto
Suas unhas mal feitas, como garras de um bicho enjaulado
Eu sei como dói, são os ossos rangendo dentro da carne
São os olhos que não se interessam por mais nada

Dentro de sua calcinha, pulsa, teu sexo aberto em ferida
Corrimento fétido e viscoso, pelas pernas escorre e corrói a pele
Já foi bela, foi como flor, dama singela e longilínea
Agora apodrece viva, chamada antes Simone

Agora a chamam pretinha da Vila Silva
Louca dos cabelos arrancados, magrela desgraçada
Favelada sem pai nem mãe, ladra de beira de esquina
Mas eu ainda te chamarei Simone, pela vida que te negaram

E pela dor que não posso te arrancar
Pela incapacidade de te salvar
Pela miséria que carrego comigo
_ Tome um cigarro, Simone, se cuide.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

hoje, no globo repórter


4.3 e inda não aprendi o tal pulo do gato que tira o cavalo da chuva, o boi da linha e coloca o ruminante na sombra; talvez o bicho de sete cabeças, se não estiver com a macaca, espante o espírito de porco e me ensine a dar o drible da vaca no lobo em pele de cordeiro. quero acertar na mosca mas a morte da bezerra está recorrentemente nos meus pensamentos. nesses dias, ando trôpego, feito barata tonta e as velhas raposas me vendem gato afirmando enfaticamente tratar-se da mais felpuda lebre. sempre pratico a discrição e tento manter minha boca qual a do siri, contudo, sempre vem um raio dum papagaio de pirata cabeça de bagre me apontar o bico e eu, bode expiatório, acabo pagando o pato, ou pior, caindo do cavalo paraguaio. o lance é mandar esses amigos da onça irem pentear macaco quando vierem com aquela conversa pra boi dormir. ora, cada macaco no seu galho! se ameaçarem soltar a franga, solto os cachorros em cima deles. tô farto de engolir sapos, de assistir impassível à vaca seguir mansamente rumo ao brejo. chega de cutucar a onça com vara curta! quero amarrar o burro, afogar o ganso, matar a cobra e mostrar o pau. encerro minha sina de vaquinha de presépio e aviso: prendam a respiração porque a cobra vai fumar!