sexta-feira, 27 de maio de 2016

Sobre ditaduras

 King Jong-Un

Muamar Kadaffi


 Josef Stalin




Os ditadores em suas torres de marfim observam

Como cães de guarda, vigiam a nação
Matam minorias
Lambuzam o corpo com as moedas contadas do povo
Sorriem simpáticos  para o mundo

enquanto ignoram armistícios


Os ditadores uma noite acordam com o barulho
Olham a cidade abaixo:
há luzes e agitação


São bombas

Mas imaginam ser fogos de artifício.



Fotos: wikipedia


domingo, 22 de maio de 2016

Domador de demônios


Deito em minha cama e milhares de pequenos demônios infestam-me as ideias, o travesseiro e o canto escuro do quarto.

Ando cautelosamente até o som, ligo-o e volto para a cama; Com a música, ao menos, eles dançam.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

O Quinto Trapalhão

A estória que aqui será contada é daquelas que com o tempo caem na boca do povo, ganhando, para alguns, um tom de dramaticidade; para outros, de suspense, do tipo: “escuta só, essa é meio que segredo, ninguém pode saber...”. Apesar de um tanto quanto obscura para muitos brasileiros da nova geração, entre os mais antigos a estória que irei contar aqui foi e ainda é bastante comentada (e devidamente ‘aumentada’) em alguns botecos deste Mercosul. Pois sim, caros leitores, nosso personagem, apesar de brasileiro, foi mais conhecido de fato em nosso país vizinho e rival Argentina, do que aqui. Mas afinal, de quem estamos falando? De ninguém mais, ninguém menos do que ele, o palhaço Barrigão, ou como ficou conhecido na grande Buenos Aires, Él Barrigon de la Noche.

O lado brasileiro da história é o mais obscuro. Para começar, Barrigão veio de uma família pequena, como filho de adoção. Não há praticamente nenhum parente vivo hoje para confirmar a versão oficial dos fatos, mas o que se sabe é que, além de viver como palhaço de circo, por muito pouco Barrigão não chegou ao estrelato no Brasil sendo um dos Trapalhões. Isso mesmo. O famoso quarteto que animava os domingos da criançada era para ser um quinteto, aparentemente nesta ordem: Didi, Dedé, Mussum, Zacarias e Barrigão. Esse foi, sem dúvida, o maior golpe que Barrigão levou ao longo da vida. Dizia ele que, muitas das piadas levadas ao ar a partir de 1977 no programa do quarteto tinham sido criação dele (nem Didi, nem Dedé quiseram se pronunciar acerca da veracidade ou não dos fatos).

Desiludido com o sucesso dos demais, Barrigão enfrentou problemas com a bebida no final dos anos 70. Apesar dos pesares, uma nova esperança surgiu quando um uruguaio, que levava o apelido de Paco, viu uma apresentação de rua de Barrigão em Balneário Camboriú, no sul do Brasil. Encantado, Paco convidou o brasileiro para se apresentar em Punta del Este na temporada de verão, pois lá o cachê e a gorjeta dos milionários, seriam sem dúvida maior do que eram ali. Ganhando um novo fôlego, Barrigão desembarcou no começo de dezembro em Punta, para uma nova fase em sua vida. Como seu humor sempre havia sido muito gráfico – com ovos quebrados na cabeça, cambalhotas e baldes d’água na cara – não seria nada difícil fazer os turistas rirem de suas travessuras.

E exatamente como o fora prometido, o dinheiro era melhor lá do que no Brasil. A única coisa é que Punta morria no inverno, e Barrigão passou a participar de modestos espetáculos circenses no interior do Uruguai. Mesmo não estando totalmente livre do vício da bebida, ele queria mais para si do que circos pobres e apenas pão e água como pagamento em muitas de suas apresentações. No verão seguinte, voltou à Punta para lucrar um dinheiro maior, e lá conheceu quem seria por muitos anos, a amor de sua vida: a argentina Cecília.

Pode-se dizer que, ao menos nos primeiros anos do relacionamento, Barrigão conseguiu alcançar um pouco do prestígio de que tanto almejava. Mudando-se com Cecília para Buenos Aires, El Barrigón passou a ser cadeira cativa nas casas de espetáculo da Avenida 9 de Julio. Por atuar na noite é que sua alcunha foi estendida para El Barrigón de la Noche; porém, as más línguas sustentam que o "de la Noche" vinha do fato de Barrigão amanhecer sempre bêbado de cair. Dizia-se que os taxistas já sabiam o endereço dele e de Cecília, no bairro da Recoleta, e apenas deixavam Barrigão, na maioria das vezes desacordado, na porta do prédio onde moravam.

O que estava bom começou a degringolar quando Cecília iniciou um affair com um ex-jogador de futebol paraguaio, Javier Chácara, que havia feito sua carreira nos clubes de Buenos Aires, e vivia confortavelmente por lá, e sem ter consigo o vício pela bebida. Quando Barrigão flagrou sua mulher saindo de um restaurante em Puerto Madero ao lado de Javier, Cecília não teve dó e confessou tudo de uma vez, além de pedir para que Barrigão deixasse o apartamento da Recoleta. Dizia ela que não havia dito nada até então, por pura pena do palhaço de meia idade. Mesmo implorando de joelhos por Cecília, Barrigão recebeu um ultimato dos advogados de sua agora ex-companheira, para que deixasse o apartamento dentro de uma semana. Não só isso, mas Barrigão, bêbado e revoltado, tentou agredir Javier Chácara uma noite, na porta do prédio, mas acabou imobilizado pelo paraguaio, que por pouco não quebrou o braço de Barrigão na hora do confronto.

Morando num edifício velho, num apartamento pequeno e quase sem móveis, Barrigão tinha no ofício de palhaço, e no pouco de confiança que ainda lhe restava, um meio de sobreviver entre todos os seus problemas. Agora seus espetáculos eram durante o dia, pelas praças de Buenos Aires, a troco de migalhas. O pouco que sobrava ia para a bebida, comprada normalmente no supermercado com os trocados ganhos ao longo do dia.

Acometido de uma depressão, no dia 24 de junho de 1990, após assistir em um bar na Avenida 9 de Julio o Brasil perder para a Argentina por 1 a 0 e ser eliminado da Copa do Mundo daquele ano, Barrigão voltou para seu minúsculo apartamento certo da sua decisão. Nada mais podia alegrar o risonho palhaço de outrora. Com uma corda, atada no lustre-ventilador de teto, Barrigão subiu na velha cadeira de madeira para pular e cometer suicídio - isso se ele não tivesse feito um nó que não era nó. O que aconteceu foi que a corda não apertou o tanto quanto deveria apertar, o que fez com que Barrigão caísse no chão do seu apartamento, num tombo feio agravado pelo seu peso, fazendo-o quebrar sua perna no ato. Apesar do barulho causado, ninguém foi ver o que tinha acontecido em seu apartamento. Barrigão sentia a dor da perna quebrada, mas seguia ali, sem conseguir sequer levantar do chão. De arrasto, foi até a cozinha onde abriu a porta da geladeira; dentro dela, só havia uma garrafa de vinho pela metade, e meia dúzia de ovos. Com muito esforço, Barrigão alcançou o vinho, e virou num gole só. Depois, com os ovos, Barrigão teve que fazer o que vinha fazendo a vida inteira, mas dessa vez para não morrer de fome: quebrar os ovos rente a sua boca, para saciar sua vontade de comer.

Após duas semanas, um cheiro foi sentido no corredor. Os vizinhos baterem na porta por várias vezes, até que o senhorio do apartamento foi chamado lá e com a chave, abriu a porta do imóvel para ver junto de algumas testemunhas, él Barrigón no chão, de barriga para cima, com algumas cascas de ovo e uma garrafa vazia de vinho ao seu lado, e a perna visivelmente deslocada do lugar. Após a autópsia, acredita-se que Barrigão já encontrava-se em óbito há cerca de cinco dias quando os vizinhos o encontraram.

Barrigão faleceu com 51 ou 52 anos, dependendo da fonte pesquisada. Deixou a vida para entrar na história, mesmo que pelas portas do fundo, e ainda hoje serve de inspiração a alguns palhaços de circo sul-americanos. Cecília já tem mais de 70 anos atualmente, e está escrevendo um livro de suas memórias, no qual promete revelar um lado que ninguém conhecia “del Barrigón”. Mais uma pitada de polêmica para a vida deste que já não faz mais parte do mundo dos vivos.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

A bala que se encontra

Dúvidas nunca atormentam quem quatorze anos completa. Somente certezas. Certezas emolduradas pela miséria pungente transbordada pelos becos estreitos da favela onde habitava. Decidira assim abraçar o banditismo.  Não esperou a maioridade. Naquele ramo iniciava-se cedo. Infante. Esse seria seu apelido. Henrique na pia batismal, Infante Henrique alusivo ao monarca de terras além-mar. Em pouco tempo reinava na boca de fumo. Começara soldado do tráfico e logo chegara a general. Abraçara um fuzil e com ele as maldades que o faziam forte diante dos súditos. Sua palavra era lei e quem a desobedecesse, morador ou membro da quadrilha, provava de sua fúria. Incontáveis matou por vontade própria, outros, as balas perdidas disparadas por seu AK-47 tomaram o rumo indevido e ceifaram vidas no morro e no asfalto não tão distante. Eu aperto o gatilho, Deus guias as balas, costumava zombar.
Raramente saia do seu feudo-favela e sonhava virar inimigo público número um, estrelando cartaz destacado no disque-denúncia tão logo completasse dezoito quando o improvável aconteceu. Infante conheceu o amor. Menina de família, mãe crente. Largou tudo por Cristiana antes da maioridade. Entregador de farmácia tornou-se. Certo dia, voltando do trabalho o Infante criou asas e transformou-se em anjo por obra de uma bala perdida que encontrou seu corpo. Morreu na via pública. Não fora castigo de Deus tampouco fatalidade. Apenas mais um dia da barbárie urbana que assola o País.


Gratidão



“Que tempos difíceis eram aqueles: ter a vontade e a necessidade de viver, mas não a habilidade.”
― Charles Bukowski

sou grato porque
cheguei
entre trancos
e barrancos
a lugar nenhum;

pois se eu fosse um
bicho desses qualquer,
cuja existência se dá
na corrida entre os
mais aptos,

meu instinto de sobrevivência
há muito já teria
me matado.

André Espínola

terça-feira, 17 de maio de 2016

Soneto Céu da tua mão

Quanto tempo você tem para sair na vida

procurar nos ventos a avent'Cura sina de teu coração
quanto tempo você tem para sorrir teu sol e chorar tua chuva
encontrar no bolso da emoção tuas próprias mãos aladas em voo

se o amarelo das flores trazer o enlevo azul do céu
cada vez mais próximo de ti como o sublime calor apogeu
nada poderá fazer esse límpido amor sobre nós se desfazer
se tudo o que tens é a ti mesmo tua própria lógica do bem

despertas com um beijo dos ventos, vespertina visão que te leva
além do tempo nos olhos do teu próprio destino
a entrelinha composição das nuvens no horizonte do céu da tua mão
que desfilam nuas ao lado do céu e da lua

que solidão dormira nesse momento a tua imaginação
quando estiveres só e tão logo acompanhado em pensamento
assim, como se não tivesses ninguém, mas somente a ti e a deus.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Loop

ergueu-se do chão
foi ao banheiro
lavou o rosto
pegou os cigarros
as chaves
e saiu para a rua

o sol e o calor
o sangue fervia
o estômago embrulhado
o barulho ensurdecia
bolhas nos pés
o trabalho imposto
bate-ponto
filas de robôs
alienados
programados
para sempre seguir ordens
e alimentar
a grande máquina

fim de turno
fim de tarde

rostos
carros
buzinas

suor
tontura
fedor
e loucura

chega em casa
liga o rádio
senta no sofá
esboça um sorriso
e morre

como tem feito todo dia, aliás.