quarta-feira, 30 de maio de 2012

Convidado Thiago Tavares

O cético


Cansado e com fome, Rafael acordou, ouvindo passadas, abriu os olhos e com a vista ainda embaçada, viu a senhora manca e cega de um olho que, tarde da noite, entrava naquela encruzilhada com uma sacola preta nas mãos. “Talvez agora ela me dê ouvidos!” pensou ele que, sem perder tempo, se levantou e foi tentar se desculpar por mais uma vez:
– Sinto muito pelo meu atrevimento! Eu estou, profundamente, arrependido! Retire a maldição e deixe-me ir embora, por favor... – pedia em tom de desespero, contudo, a sombria mulher parecia não poder ouvi-lo e, como fazia das outras vezes, abriu a sacola que trazia consigo e iniciou a fazer uma oferenda destinada ao mundo espiritual.
Assistindo a tudo, Rafael continuava a implorar por perdão até que, cansado de ser ignorado, perdeu a paciência:   
– Velha maldita! – Por que nunca me responde?! – gritou, com ódio, enquanto a mulher, de fisionomia marcada pelo tempo, acendia velas e colocava algumas frutas no interior de uma alguidar.
Novamente não houve nenhuma resposta e tomado pela fúria, Rafael tentou, por diversas vezes, agredi-la, com socos e ponta pés, contudo, seus golpes atravessavam o corpo frágil daquela senhora como se ela não estivesse ali. Sem conseguir compreender aquele estranho fenômeno o rapaz continuou a desferir golpes e mais golpes, num esforço inútil, até sentir suas forças se esvaírem por completo.
Em meio a um choro sofrido, desabou sobre a calçada ouvindo a reza final daquela mulher que, em seguida, foi embora sem sequer olhar para ele. “Velha cruel!” pensou enquanto observava a senhora manca dobrando a esquina no final da rua.
Naquele momento sua raiva só não era maior que a fome, fato que o fez se arrastar até a oferenda, junto ao poste, onde vultos negros já disputavam espaço para sugar a energia etérica daqueles alimentos que estavam ali contidos. (Frango, frutas e bebida alcoólica... para alguém que já não comia há dias, aquilo era um verdadeiro banquete) Rafael juntou-se às entidades e, sem saber ao certo como fazia aquilo, iniciou a tragar a essência daquela oferenda enquanto pensava na ironia que estava vivendo. Justo ele que, desde os 12 anos de idade, chutava as macumbas que encontrava pelas encruzilhadas do bairro, agora necessita delas para saciar a fome.  
Quando finalmente se sentiu, ligeiramente, melhor, Rafael se afastou das demais entidades, indo até o muro de uma casa, aparentemente, abandonada onde se recostou. A mente, demasiadamente, perturbada não lhe permitia mensurar a quanto tempo estava aprisionado naquela encruzilhada. Tudo o que conseguia se lembrar era como aquele pesadelo havia começado...    

*********
Sabe aquele tipo de pessoa que não acredita, em hipótese alguma, na existência de fenômenos metafísicos, religiosos e dogmas? Pois é... assim era Rafael Lopes. Um jovem de 26 anos que não perdia uma boa oportunidade de zombar da crença alheia. Apesar da pouca idade, seus casos de descaso já eram muitos, pois, desde menino, nunca tratou com seriedade algo que não fosse passível de ser explicado pela ciência.
Sua história de zombaria teve início aos 10 anos de idade, quando passou a frequentar uma igreja, próxima ao condomínio onde morava, só para ter o prazer de divertir os amigos, debochando dos dizeres do velho padre que realizava as missas dominicais. Aos 12, como se aquilo já não lhe bastasse, passou a chutar as oferendas postas nas encruzilhadas do bairro e a dar, boas risadas, diante dos gritos de evangélicos, que ecoavam do interior das igrejas protestantes, como se o Deus, todo poderoso, deles sofresse de algum tipo de deficiência auditiva. Ainda na adolescência, passou a ridicularizar todo e qualquer tipo de dogma ou ritual religioso com o qual se deparava. Para ele as religiões não passavam de uma grande perda de tempo. Todavia, existem forças com as quais não devemos brincar e Rafael acabou aprendendo isso de uma maneira nada agradável.
A estória, aqui exposta, ocorrida num bairro carioca da zona oeste do estado do Rio de Janeiro, versa sobre um sinistro caso divulgado com o único propósito de alertar que, de uma forma ou de outra, todos estamos sujeitos a responder por nossas ações. 
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8 de novembro de 1996

Era madrugada quando Rafael e Rogério, embriagados, voltavam de mais uma noitada de curtição. Conversavam, animadamente, atravessando uma encruzilhada, já bem próxima de onde moravam, quando viram uma senhora manca e caolha parar em frente a um poste e abrir uma sacola preta de onde tirou velas, bebida, alimentos e duas alguidares.
– Para de sujar a rua e vai pra casa dormir vovó! – gritou Rafael, arrancando risadas de Rogério.
A senhora virou o rosto na direção dos dois ébrios rapazes que, cambaleando, passavam do outro lado da calçada, mas nada disse. Voltou-se novamente para a oferenda e continuou seu ritual. No entanto, Rafael não parou por aí. Ao ver uma garrafa de 51 que a senhora colocava, cuidadosamente, sobre o chão, resolveu atravessar a rua e dar continuidade ao seu desrespeito. Ele não desconfiava que, desta vez, sua zombaria não iria passar impune.
– Com licença! – disse Rafael apanhando a garrafa de cachaça para si.
– Devolva isso, rapaz!
Rafael ignorou a ordem e carregando a garrafa consigo, atravessou a rua novamente, como se nada tivesse acontecido.
– Miserável! – urrou a senhora apontando o indicador de sua mão velha e enrugada na direção do atrevido rapaz. – Que aquele que tem o poder de fechar e abrir os caminhos para o ser humano aja sobre sua vida trancando-a permanentemente!
Ao ouvir aquelas palavras, Rafael, imediatamente, voltou para chutar tudo àquilo que a senhora havia, cuidadosamente, colocado junto da calçada.
– Estou pouco me lixando para suas maldições, sem fundamento, velha bitolada! – Olha o que eu faço com toda essa porcaria! – retrucou ele desferindo um forte ponta pé numa alguidar que continha frutas em seu interior.  
Percebendo que seu amigo havia passado dos limites, Rogério aproximou-se para tirá-lo de lá e os dois saíram andando para longe da estranha senhora que continuava a fitá-los.
– Vai se arrepender por isso! – disse à mulher com ódio contido em sua voz.
Sem imaginar que a partir daquele momento, seus dias de zombaria estavam contados, Rafael regressou para casa e, uma semana depois, já nem lembrava mais deste ocorrido.

15 de novembro de 1996

A noite havia apenas começado quando Rafael desceu do elevador, deixando, pelo ar, um delicioso rastro de seu mais novo Pacco Rabanne.  Bem vestido, o jovem rapaz cumprimentou, educadamente, o porteiro do prédio e então ganhou as ruas, indo em direção ao barzinho, onde havia combinado de se encontrar com alguns colegas da faculdade. Como o local era próximo de sua casa, não levou mais que 20 minutos para chegar ao estabelecimento e, do outro lado da rua, já era possível ver como o bar, famoso pela boa música e ambiente agradável, estava lotado. Garçons andavam, de um lado para o outro, com suas bandejas repletas de caldeiretas de chopp enquanto um músico, de belíssima voz, embalava os casais apaixonados, ao som de Lembra de mim de Ivan Lins.  
– Rafael! – gritou uma voz, assim que o rapaz adentrou no bar. Era Rogério, que acenava de uma mesa mais ao fundo.
– Olá pessoal! – cumprimentou o recém-chegado, aproximando-se do grupo que, animadamente, bebia e jogava conversa fora.
– Cara, você não morre tão cedo! Eu estava falando, ainda agora, da maldição que te rogaram!  
– Maldição?! – Que maldição, Rogério? – perguntou, se sentando junto à mesa.
– Não vai me dizer que já se esqueceu daquela velha, manca e caolha, que você roubou na encruzilhada!
– Ah ta...! – disse Rafael que precisou de um breve instante para se lembrar do episódio. – Aquilo é bobagem! E eu não roubei coisa nenhuma. Só peguei o que ela iria desperdiçar. – Onde já se viu? – Colocar uma garrafa de 51, ainda fechada, numa droga de despacho.  
Todos riram, exceto, Vinícius, um colega de turma que parecia bem preocupado.
– Olha eu não sei não cara... tenho uma tia que meche com essas coisas e pelo que o Rogério nos contou, acho melhor você procurar um pai de santo para tentar te ajudar!
Rafael sorriu com escárnio.
– Desculpa Vinícius, mas se sua tia “meche com essas coisas” então ela esta perdendo tempo à toa. Isso tudo é crendice e não passa de uma grande besteira. Não vai acontecer nada comigo!
Disposto a convencê-lo do contrario, Vinícius apanhou um livro de umbanda, que trazia em sua mochila, e abriu na página onde havia uma imagem da entidade que a velha tinha se referido na maldição que lançara, mas de nada adiantou. O ceticismo jamais permitiria que aquele jovem acreditasse na possibilidade de haver realmente sido amaldiçoado. O grupo então entrou em outros assuntos e, sem que se dessem conta disso, as horas foram se passando. Rafael levou um baita susto quando olhou no relógio e viu que já eram 2:00h da manhã. Estava muito tarde para alguém que iria trabalhar no dia seguinte. Precisava ir embora e, contrariando os pedidos para que ficasse um pouco mais, despediu-se de todos com a promessa de repetir a dose na sexta-feira da semana seguinte.
– Cuidado com a maldição, hein! – ainda brincou Rogério vendo o amigo deixar o estabelecimento. Aquela foi à última vez que Rafael foi visto com vida.
Do lado de fora, o rapaz, que só pensava em chegar a casa e desabar sobre a cama, aguardava por um taxi, mas, após 15 minutos de espera, acabou desistindo e resolveu ir a pé mesmo. Fazia uma madrugada fria e mesmo com a blusa de manga longa que vestia, Rafael precisava esfregar os braços para afugentar a temperatura amena. O vento gelado soprava pelas ruas vazias enquanto ele avançava ouvindo o som do bar ficar cada vez mais distante. Quando atingiu a encruzilhada onde, na semana anterior, havia se deparado com a esquisita senhora manca que Rogério mencionara, não pôde deixar de se lembrar da conversa que tivera no barzinho. “Como uns marmanjos daqueles podem acreditar em maldição?” pensava ele, ligeiramente tonto, devido à grande quantidade de bebida alcoólica que havia ingerido.   
– Rafael! – bradou uma sombria voz vinda de trás.
Levando um susto, o rapaz virou-se, rapidamente, quase perdendo o equilíbrio, mas não viu ninguém. Estava sozinho naquela rua deserta. Acreditando ter imaginado coisa ele decidiu prosseguir, mas antes que desse um novo passo, tornou a ouvir a mesma voz:
– Rafael!
Um calafrio percorreu-lhe a espinha diante a reincidência que lhe dava a certeza de não estar imaginando coisas. Virando-se, lentamente, Rafael empalideceu ao constatar que não estava tão só quanto acreditava. Seus olhos fitaram um sujeito, exatamente igual à imagem que Vinícius tinha lhe mostrado no bar. Um homem de porte, extremamente, fino e poderoso que usava cartola sofisticada e também uma capa azul turquesa com contraste em vermelho, decorada com safiras amarelas. “Tranca ruas!” lembrou o nome da figura do livro ao mesmo tempo em que disparou a correr. O rapaz que até então jamais havia acreditado naquele tipo de coisa tentou escapar do destino que havia traçado para si, no entanto, numa velocidade sobrenatural, a entidade anulou a distância entre os dois e o agarrou pelas costas. Rafael gritou, desesperadamente, pedindo por ajuda, mas ninguém ouviu seus gritos apavorados.  
– Chegou a hora de pagar por suas travessuras, espírito desvirtuado! – sussurrou a entidade, ao pé do ouvido do rapaz, soltando uma gargalhada malévola.
Após essas palavras a entidade desapareceu e Rafael sentiu como se o seu corpo houvesse desabado, no entanto, viu-se ainda de pé. Estava tão atemorizado e preocupado em sair dali que não se deu conta de que seu corpo físico de fato havia tombado, sem vida, sobre o asfalto frio e que agora era somente seu espírito que, desesperadamente, tentava e, continua tentando, escapar daquele cruzamento.

Como foi dito anteriormente, todos estamos sujeitos a responder por nossas ações. No dia 16 de novembro do ano de 1996, Rafael Lopes foi encontrado, morto, numa encruzilhada do bairro onde morava e sua causa mortis permanece desconhecida.
Atualmente, os despojos mortais de Rafael estão enterrados no cemitério, Jardim da Saudade, em Sulacap... quanto ao seu espírito... bom, até os dias de hoje, ainda ouve-se relatos de pessoas que dizem escutar pedidos de socorro ao passarem pela escura encruzilhada, de Jacarepaguá, onde tudo aconteceu. 

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sábado, 26 de maio de 2012

RETALHO

Todos somos cacos tristes,
vasoalmadecristal
que se parte em mil pedaços...

Todos somos solitária sobra,
traporetalhoroto
da túnica de um neo fidalgo...

Todos somos busca insana,
sonhoincessanteinsistente
que nos mantém vivos...

(Cesar Veneziani em 25/04/2012)

terça-feira, 22 de maio de 2012

Fazendo as pazes


Às vezes tenho lá meus desentendimentos com o mundo. Ficamos brigados, ambos emburrados e em silêncio. Ontem mesmo tivemos uma briga feia; O mundo pode ser bem cruel de vez em quando.

Mas ao final da tarde, uma borboleta pousou ao meu lado na rede. Chegou, me olhou e ali ficou, batendo asas como se dançasse. Aceitei as desculpas imediatamente, sem pensar duas vezes.







texto do livro Colcha de Retalhos
Seguem dados dos próximos lançamentos da obra:



UBERLÂNDIA
01 de junho de 2012, das 19h às 21h
3º Cafetel Literário
Cafeteria Vozzuca - Praça da Bicota - Centro
http://paginacultural.com.br/entrada-franca/rodrigo-domit-no-cafetel-literario/


UBERABA
02 de junho de 2012, das 10h às 12h
Livraria Alternativa Cultural - Rua Major Eustáquio, 500
http://on.fb.me/emuberaba

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Allen leva um lero com o ego

   Estava na sala com a tevê apagada levando um léro com o ego. Encheu os dois copos na mesa de centro.
   “Ééé rapaz... veja só que maravilha... o pessoal todo por aí dando entrevistas, se enfiando na lama, cavando buracos e a gente aqui, numa boa...”
   (...)
   "Diabo! Não vê que meu sapato tem pedra por causa tua? Não fosse você agora eu estaria na praia com o pé na areia, tomando uma cervejinha e comendo mariscos, depois escolhendo um vestido ‘célula-tronco by falcão’ pra dar de presente pralguém! Além do quê esse vinho que a gente tá tomando eu tive que pegar escondido na geladeira, qual a lógica?!”
   Deu um gole.
   “Conversa fiada!... aquele bando de hippies. Maior baboseira utópica, qualquer doutor poderia largar a profissão e meter uns dreads na cabeça...”
   As coisas que o ego dizia incutiam-lhe mazelas no espírito.
   “Não!”, esbravejou só, “a galera é bacana, e depois onde é que fica o cerne da psicodelia? Todas aquelas cores vistas do caleidoscópio? Havia a união e o respeito, a celebração entre os amigos, caramba, the flower power!”
   “The flower power?! Amigos?! Você é louco?!”, contestou a si, “veja só o que a vaca fez com você, agora cá está, escolhendo a melhor bituca dum cinzeiro velho, sem ao menos poder ver tevê...”
   Aquilo tudo o deixava muito confuso, de maneira que não viu outra saída senão esmurrar a mesa de centro, no instante que repreendeu: “não me dou o direito!”.
   “Direito de quê? De dizer a verdade? Eis a verdade, rapaz, você tomou lambada!”
   “Não tomei! E ela não é vaca. Uma rã, talvez...”
   “Uma rã?”, estranhou o próprio
   “Bom, enfim...”
   Ouviu-se então um zumbido seguido pelo silêncio mórbido de um cômodo fantasmado iluminado só pela luz da lua que vinha da janela. O ego foi quem tomou a iniciativa de recomeçar:
   “Rapaz... você precisa esquecer essa mulher... Veja lá, você é bonito! Vai ficar aí feito um parasita judeu chorando a perda daquela buceta?”
   “Mas era bonita”, pensou no momento que se levantou da poltrona e caminhou até a parede ao lado da porta de entrada onde havia pendurado um espelho desses que refletem o corpo inteiro. Concluiu que o ego tinha razão: a impressão que tinha era a de se estar em frente a um deus da Grécia, tamanha a beleza da imagem.
   “Fato”, concordou
   “Genes em perfeita harmonia... teu rosto é simétrico! Ora, faça-me o favor!”
   “Não tem necessidade, né?”, caindo em si
   “Até que enfim!”
   “Mas tem essas cicatrizes aqui do acidente com a moto, e o cabelo também não está lá grandes coisas, né?” (ele tinha sofrido um acidente de moto, e há anos não penteava o cabelo)
   “Mas nada que o tempo não resolva...”
   O ego era capaz de colocá-lo pra cima, enchendo-o de estima. Um amigo único. Ficou então por alguns minutos em frente ao espelho se estudando, assimilando veracidades em tudo o que ouvira de si, enquanto sussurrava:
   “Você é um fenômeno...”
   Abaixou a bermuda. A pica, mole, terminava com a cabeça roxa na metade da coxa. De fato, senão era um fenômeno, algo no mínimo esquisito. Enfim, tudo o que o ego lhe dizia fazia muito sentido e não via maneira de fugir dele.
   “Você é um artista contemporâneo pós-moderno! Esqueça a vaca! Viva! Carpe diem! Lembre-se sempre dos poetas mortos e de Robin Willians, de Tom Cruise em Vanilla Sky... A hora é agora!"
   Com freqüência, porém, as hesitações lhe pegavam desprevenido, quando tudo não passava de suposição dentro daquele grande devaneio mental.
   “Será? Mas eu não quero morrer”
   Feito um cego perdido no labirinto, palpando as paredes ia encontrando as saídas naquele solilóquio.
   “Como é que você pode ainda ter dúvidas? Há quem desenhe gnomos e pense que é arte e, morrer, de onde tira essas coisas?”
   “Mas eu não tenho nada contra os gnomos, e porque não poderia ser arte? Os poetas mortos...”
   “Bom, deixa pra lá os poetas mortos...”
   “Melhor...”
   “É...”
   Voltou à poltrona. Sentou-se e matou o vinho que havia num dos copos. Resolveu beber o do ego. Para ele havia uma pequena dose, que foi degustada num único gole: sentiu alguma parte do cérebro egocêntrico se satisfazer.
   “Àfonso...”
   “Àfonso...”


Licença Creative Commons
O trabalho Autobiografismo de Moleque foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição - NãoComercial - SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
Com base no trabalho disponível em molequedoido.wordpress.com.

Dinâmica

Meus sonhos, meus versos,

Universo.

Meu mundo, meu tudo,

Eu sou

A busca com o mar

Fertilizando a terra,

Alimentando-me o desejo

De voar.

Na busca da vida

Faço parte do fraco e do forte.

Tenho sorte de estar neste lugar,

Terra,

Planeta da vida

Solto no espaço.

Meu ser

Meu corpo

Meu êxtase

Meu traço.

domingo, 20 de maio de 2012

Convidado Magno Oliveira

Heroico Sorriso

Seu corpo é mais que um paraíso
Ele é meu refúgio e esconderijo.
Nas noites frias faço dele meu abrigo,
Em pensamento viajo em suas curvas
Encaro meus fantasmas, mantendo a fé no seu heroico sorriso.
Encarar a realidade, meus medos, minhas fraquezas
É difícil, mas encará-los é preciso.
O seu corpo de mulher,
O seu sorriso de menina
Me mantém firme, ainda tenho fé
A esperança assim nos ensina
Aprendi com você, a base é o verdadeiro ombro amigo
Se o encanto um dia acabar, ainda me leve consigo.
Eu não minto, não finjo,
Mantenho minha personalidade
Buscando a felicidade.
No caminho podemos sangrar
Mas quando formos nos encontrar
Mantenha seu heroico sorriso.

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Magno Oliveira, 19 anos. Administra o Blog Folhetim Cultural, participa de saraus e publica seus textos no próprio blog que criou na coluna No Café da Manhã com Poesia.
Com a poesia Heroico Sorriso participou no ano de 2011 do concurso Augusto dos Anjos de poesia e ficou entre os selecionados teve sua primeira obra publicada em livro. 1º Antologia Poética do Concurso Augusto dos Anjos é onde foi publicada o texto Heroico Sorriso.
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domingo, 13 de maio de 2012

Por uma boa higiene bucal



Ela abriu os olhos.
Sem muitas imagens poéticas sobre o acordar e levantar da cama de uma mulher que habitasse as páginas da literatura, foi até o banheiro e, desviando do espelho, entrou no banho. Terminado, saiu do box desviando mais uma vez do espelho e foi em direção ao quarto, fugindo do outro também. Vestiu-se e foi comer alguma coisa. Como não havia nada que lhe interessasse na geladeira, tomou um gole da coca-cola aberta na porta. Voltou ao quarto, sempre tomando cuidado. Arrumou tudo. Estava quase pronta. Foi então escovar os dentes. Entrou no banheiro, cabeça baixa, sem levantar os olhos. Pegou a escova e passou a pasta. Foi só aí que, suavemente, ergueu o rosto e encarou o espelho ao mesmo tempo em que colocava a escova na boca. Mecanicamente começou o processo e a espuma se formou na boca. Os olhos travados. Corpo travado. Todo. Era aquilo que havia evitado até aquele momento: não queria ver o próprio rosto. Os olhos fundos indicavam sua tristeza. O vermelho não negava o choro óbvio. Não parava a escovação, mas começou a pensar em tudo, tudo que não queria pensar, que havia evitado pensar na noite anterior, que havia evitado pensar naquela manhã. Pensou nele e quase chorou. Mas não, permaneceu escovando. Lembrou do dia anterior, dele e da despedida. Lembrou que fins são sempre trágicos. Alguns diriam ser cômico e ela até concordaria, não fosse com ela. Lembrou que sentira muita raiva no dia anterior e que sentia raiva naquele instante e que, ainda que não estivesse escovando os dentes, estaria com a boca cheia de espuma. Raiva: passou a escovar com força. Raiva dele, do fim. Não dava pra pensar muito com a escova na mão e a língua anestesiada pelo creme dental. Pensou nisso. E teve raiva outra vez. Dele, do fim, do creme dental, daquela rotina maldita. Levantar, tomar banho, comer, vestir uma roupa comportada, escovar os dentes e ir trabalhar. Trabalhar, comer de três em três horas, escovar os dentes após as refeições.
Estava cansada.
Antes e agora. Ele não tinha motivos pra ir. Mas disse que se sentia preso. Que a rotina o aprisionava. Não queria aquilo. Ela sentia a rotina, não gostava da rotina, mas gostava dele. Lutaria contra qualquer coisa. Ele não. Ela terminou de escovar os dentes. Cuspiu, enxaguou a boca, bochechou o liquido colorido que estava na estante, lavou a escova e guardou tudo no armário. Levantou a cabeça e olhou no espelho mais uma vez, encarando a si mesma.
Estava pronta.
Não completamente, é claro. Sentia raiva. Dele, do fim, do creme dental, da rotina, de tudo. Inclusive, da quebra da maldita rotina. No dia anterior, quando ele quis acabar com tudo, acabou com ela.
Não, não estava pronta.
Abriu o armário novamente, pegou a escova e o creme dental. E começou tudo outra vez.


Barulho no fim do corredor.... (Danilo Berardo)


Já era mais ou menos umas 6:15 daquela sexta-feira e o escritório estava vazio, mas eu ainda estava lá, minha sala ficava na quina do andar e as salas rodeavam o andar. Da porta da minha sala, em uma das quinas, eu podia ver dois corredores, podia ver até o fim dos dois corredores. Sempre foram corredores bem iluminados, mas naquele dia, apesar de 6:15 ainda, o tempo estava muito fechado e parecia que ia cair uma chuva daquelas tenebrosas.
Eu estava lá ainda, pois teria que fazer alguns ajustes em alguns computadores depois do horário comercial, ia começar só a partir das 7:00. De vez em quando eu ficava por lá até mais tarde e nas terças e quintas, sempre passava o rapaz do aspirador depois de umas 6:30. Mas naquele dia era sexta e estava tudo calmo, exceto pela tempestade que começava a se formar e alguns trovões e raios faziam barulho e luz lá fora.
O tempo foi passando e chegou 7:00 horas. Comecei os ajustes. A minha mesa ficava virada para a janela e ficava de costas para a porta da sala. Por volta de 7:20, tive a nítida impressão de alguém passar em frente à porta em direção ao fim de um dos corredores. Poderia ter sido alguém voltando para pegar uma chave ou alguém com algum trabalho agendado. Não era muito comum nas sextas-feiras e até onde eu sabia não haveria mais ninguém por lá naquele dia. Continuei meu trabalho.
Por volta de 7:35, eu ouvi um barulho vindo de uma sala distante, talvez na outra quina do prédio, parecia o barulho de algo metálico caindo. Resolvi dar uma olhada no andar. Chovia forte lá fora nessa hora e poderia ter alguma janela aberta. Andei pelo corredor e dei a volta no andar, não vi nada fora do normal. Não entrei em todas as salas, nem nos banheiros, nem na copa, mas tudo parecia calmo. Resolvi voltar para minha sala.
Continuei trabalhando e por volta de 7:55, ouvi de novo o barulho, mas agora mais perto. Logo em seguida a luz do andar piscou, como se fosse apagar. A chuva lá fora tinha parado, mas parecia que ia recomeçar. Resolvi rodar o andar de novo, mas peguei uma lanterna na minha gaveta. Desde que havia me tornado membra da comissão de prevenção de acidentes da empresa, tinha aquela lanterna e uma mala de primeiros socorros na gaveta mais embaixo.
Logo ao chegar na porta da sala, olhei para um lado e vi o corredor vazio, tranquilo. Ao olhar para o outro lado, vi uma sombra sumir lá no final, como se algo tivesse passado para o outro corredor lá no final daquele. Bom, aquilo já estava ficando muito estranho e não me senti mais muito confortável. Resolvi voltar para minha sala e arrumar minha mochila e ir embora o quanto antes do escritório.
Arrumei minhas coisas e desliguei meu computador. No mesmo instante em que o computador acabou de desligar, a luz inteira do andar apagou e ouvi um estrondo enorme de trovão logo após uma rajada de raios de luz. A lanterna ainda estava na minha mão e nessa hora só pensei em chegar logo ao hall de entrada do andar e descer as escadas.
Eu estava no 37º andar, mas aquilo não seria problema, pois todo mês fazíamos um teste de evacuação do prédio e mesmo sendo tantos andares, descia bem em uns 7 minutos. Isso, se eu conseguisse chegar ao hall de entrada.
Liguei a lanterna e peguei o corredor à direita da minha sala. Ao dar dois passos dentro do corredor, ouvi de novo o barulho de algo metálico caindo e em seguida uma respiração forte, ofegante, como se alguém estivesse no andar e cansado ou fazendo exercício.
Parei e tentei iluminar em volta de mim dando um giro de 360º com a lanterna. Não pude ver nada, mas ouvi a geladeira da copa abrir e fechar. Em seguida ouvi barulhos como se alguém estivesse tirando coisas da geladeira.
Andei rápido até a porta de entrada para o hall e ao chegar lá, a porta estava trancada. Lembrei que havia uma porta lateral de emergência para o hall de entrada, perto das escadas. Mas essa porta ficava dentro da copa, do lado da geladeira.
Forcei a porta da entrada e ouvi barulhos da geladeira de novo. Não havia outra saída. Desliguei a lanterna um pouco e o barulho parou.
Ainda estava escuro. Se eu caminhasse até lá com a lanterna apagada, seja lá o que estivesse por lá, não me veria também, estávamos no mesmo escuro. Resolvi tentar isso.
Fui andando devagar em direção à copa. Já estava bem perto e não havia escutado mais nada.
Pronto, estava do lado da porta da copa. Parado, no escuro, quase sem respirar.
Nesse exato momento, a luz volta.
Lá estou eu, do lado da porta, agora no claro, sem ouvir nada, sem saber o que fazer.
Um silêncio tenebroso se instalou no andar naquele momento.
Eu não sabia o que fazer de novo, apenas pensava.
Decidi entrar de uma vez na copa e passar por ela direto em direção à porta. E se a porta também estivesse trancada? E se alguém estivesse por lá? Que alguém?
A dúvida era paralisante.
Decidi então virar para a porta, olhar antes e agir depois.
Se não tivesse ninguém, ia direto para a porta.
Se tivesse alguém, poderia ver quem ou o que em uma fração de segundo e decidir o que fazer em seguida. Teria que ser uma decisão rápida, ou não.
Esperei mais um pouco, não ouvia mais nada.
Decidi, iria virar, olhar e agir.
Contei baixo até 3. 3... 2... 1...
Virei!
Da porta eu pude ver aquilo. Um homem enorme, gordo, alto, com uma roupa imunda, a geladeira aberta, ele com uma faca na mão.....
....
....
....
....
....
....
....
....
....
....
....
....
....
....
...
...
...
...
..
..
..
..
.... passando manteiga no pão! J

Ufa!

Era o zelador roubando lanche do andar.
Boa noite!

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Convidado Roberto Prado

Ovo
ovo
gema cercada por clara
clara dentro duma casca
como algo assim tão simples
torna-se tão transcendental?
ovo
um mistério
uma crença
um dogma
cegamente crêem
não discutem com não-iniciados
ovo
antes um alimento simples
básico
natural
agora
com seguidores
herméticos
que se reúnem em câmaras escuras
em labirintos sem ariadnes
ovo
que precedia o pinto
ovo
que precedia o frango
ovo
que se quebrava
fritava
ovo
ovo
ovo
os claricianos morrerão de fome
ante a terrível
hipótese de se devorar um
ovo
seguem em busca da explicação
do entendimento
atrás de luzes
de verdades
iluminação
ovo
cuja a única confusão era
explicá-lo
um palíndromo
pobre ovo
de comida de pobre
a mote de intelectuais
ovo
fruto da humilde galinha
ovo
embala noites de queijo, vinho e
discussões


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Roberto Prado

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quarta-feira, 9 de maio de 2012

AZEITONAS DE TIRAR O SONO

Márcia rebolando
Gostosa
Caras e bocas dentro do vestido de noiva
Sim, Márcia casaria à noite.
Mesmo assim, frente a mim.
Márcia bamboleava
Suava
Pingava
Vestido amarrotado colado ao corpo
Boca procurando dedos
Verdadeira rameira de porão
No dia do casamento é imperdoável
Muito pior
O irmão do noivo a comia
Inaceitável
Com o irmão do noivo é a morte
Tudo poderia ser diferente
Não foi
O destino intercedeu quando decidi sacar minha máquina
Continuei onde estava e disparei
Registrei tudo e mandei-me por email
Voltei pra viatura e imprimi duas fotos
Imagens de uma noiva em ação no dia do matrimônio
Coisa de profissional
Corro pro quarto
Envelope na mão
Encontro o irmão
A me ver, sem graça ele tentou ser natural.
Fiz o mesmo
Segui em frente e entrei no quarto
Márcia olhava-se no espelho
Ajeitando o vestido
Deliciosa
Sentindo cheiro de luxúria no ar, perguntei falando rápido e ofegante:

- Você tem 10 mil aí?

Desumana, ela respondeu:

- Que susto!

Muito cínica a vadia
Joguei o envelope na cama e proferi palavras de uma pica cheia de mágoas por anos de serviço prestado as mocréias, e o cu cheio de medo por dívidas contraídas com traficas de rua:

- Tá vendo o envelope, pois é, são fotos suas em ação com seu genro.

Ela olhou-me lasciva, ofereceu:

- Posso fazer o mesmo com você.

De depredador down e duro de dinheiro, eu disse:

- Não vou estragar sua festa, não dou a mínima, amanhã quero 10 mil pra não botar essa porra toda na net.

Virei às costas e fui embora
Com 10 mil pagaria minhas dívidas e com sorte não faria outras
Por enquanto posso morrer a qualquer hora
Fui tentar dormir
Três horas da manhã
Campainha tocando
Levanto pelado e de pica dura
Não foi excitação
Pau de mijo
Sorte estar bonito com a seta pra cima naquele momento
Não estava sonhando com a noiva vadia
Pesadelos com metralhadoras pipocando-me a cara de azeitonas tem tirado meu sono
Abro a porta e analiso a noiva com um shortinho encravado, e as mãos pra trás.
Vendo-me de guindaste operante, ela sorriu.
Se essa vadia de merda soubesse dos meus problemas, não ia se oferecer tanto.
Olhando pra buceta dela eu gritei arrogante de crueldade:

 - Quando estiver com meus 10 mil, você fala comigo sua puta.

Quando eu ia fechar a porta na cara dela...
... Ela me deu três tiros na cara e falou:

- Tá falado!


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AZEITONAS DE TIRAR O SONO de Pablo Treuffar é licenciado sob uma Licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivs 3.0 Unported.
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A VERDADE É QUE EU MINTO

A VERDADE É QUE EU MINTO

terça-feira, 8 de maio de 2012

demônios nunca riem



oca
sem bandeiras,
sem música,
 nem rima

ficavas perdida

um bando de folhas tremulavam
pálidas e plenas de  palavras
tartamudas e nuas
na quina do espelho

o espelho
o vazio
os cacos
a dança

tudo

- menos o riso -

era antigo quando vim
fantasmas  vintage

vim enrodilhada num visco
tropeçando nos versos
aqueles que não vias

eram imensos

nos teus olhos só havia o espelho
o vidro
frio e tenso

e ele me sabia

tremia num canto
velho e sombrio

conhecia o inferno

eu sorria e sabia

– demônios nunca riem

(Rosa Cardoso)

domingo, 6 de maio de 2012

sexta-feira, 4 de maio de 2012

OUTRA VEZ

Aqui estou novamente
eu e todas as minhas dores
eu solitário
dentro de mim

Apesar do vazio na alma
sinto-me cheio mesmo assim
o corpo grita por espaço
e estraçalho-me em espasmos

Outra vez grito por socorro
no deserto estéril a voz se perde
ainda assim lanço meu brado

Se resisto e não morro
não se engane, nem erre:
é por ser fraco, não por ser bravo...

quinta-feira, 3 de maio de 2012

pinga

"Só se pode encher um vaso até a borda. Nem uma gota a mais." Caio Fernando Abreu

há um som na espera
os ponteiros marcham distantes
e os homens mal sabem do silêncio
dos jantares em família

almeja-se o calar sem culpa
a solidão perfeita
onde não se perde de si
e se encontre em egoísmo torpe

a torneira da pia pinga sobre um copo
dá o contraponto do que se passa aqui
o território traz divisa transparente e frágil
não suporta mais do que lhe cabe.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Érebo, três horas da tarde


Esses Páris e Orfeus
não chegam ao fim de nada.

E os que chegam, como Teseu
logo depois se vão embora.

Não sou Helena ou Eurídice
já lhe disse!

Prefiro ser essa Revolta
(deusa brasileira da cor da Caipora).

Faço feitiços, tomo aviões, me desfaço
e se ele não me quiser
digo que me mato, me vingo
morro e renasço.

Assim sou uma dorzinha lá no fundo
que não passa.

Arrume uma Ariadne, uma coitada
tenha os filhos que eu não posso
e mesmo assim não me esqueça
(pro meu antídoto
só eu tenho a doença)

e saiba, não volto
nem que de joelhos
me peça.

terça-feira, 1 de maio de 2012

a explodir

diz-me em que deus acreditas
qual política tu segues
mostra-me tuas opiniões aprovadas pela média
ou pela mídia
revela-te, repetidor de regras rasteiras.

é que preciso cagar
e não tenho tempo para merdas.
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texto direto do meu blog.