sábado, 30 de novembro de 2013

Convidado Luiz Carlos "Barata" Cichetto

Elogio à Mentira


Falamos mal da mentira, a chamamos de prostituta e megera
Mas sem a mentira não existe a poesia, o sonho ou a quimera
Ah, quanto somos hipócritas em combater a mentira e ensejos
Porque nela, na mentira, estão todas as artes, sonhos e desejos.

Sem a mentira não há a paixão que sustente, relação que aguente
E pensando bem não existe verdade sem a mentira que a sustente
Pensando melhor não existe a verdade, apenas mentiras repetidas
Que reditas e recônditas as transformam em verdades mentidas.

A mentira é o político, o poeta e a prostituta; a mãe dos desgraçados
A criança e o ancião, a esposa e a amante, Deus e o Diabo abraçados
Brancas ou negras, pequenas ou grandes não existem meias verdades
Mas por semântica a mentira é sempre um inteiro ou duas metades.

E encerrando o presente elogio, cuja mentira é um poema horroroso
Confesso ser eu um falso poeta, um ser desprezível e um mentiroso
Que um arremedo de ode á falsidade da mente mentirosa ora retira
Pois tal não fosse jamais escreveria um mentiroso elogio à mentira.


---
 Luiz Carlos "Barata" Cichetto
http://www.baratacichetto.blogspot.com.br

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

PERCA DEPOIS DE LER

(mensagem na estante de livros dos pontos de ônibus de PA)



PERCA DEPOIS DE LER é um projeto de leitura que está acontecendo em  Pouso Alegre/MG, inspirado em tantos outros que surgiram pelo Brasil e também nas feiras literárias de Parati/RJ. Você pega um livro que está esquecido na sua estante e escreve na primeira página: PERCA DEPOIS DE LER e o deixa num banco de praça, sala de espera de consultório médico, recepção de escola, arquibancada de ginásio, etc... A pessoa que encontrar lê o livro e o perde novamente.
Esse projeto ficou tão forte que a Prefeitura colocou uma estante de livros nos novos pontos de ônibus espalhados pela cidade.
Outras cidades estão curtindo a página e começando uma corrente em seu município, entre elas Extrema/MG e Jundiaí/SP.
Seja você também um mensageiro dessa corrente! Curta a página e comece hoje mesmo a perder livros na sua cidade!






Uma dica dessa ONG do livro é a árvore de natal feita de livros. Faça a sua!



Projeto de Mariângela Padilha/Pouso Alegre MG
(aceitamos doações de livros)






quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Até Sempre!

Sonhar acordado era o que mais o deliciava. Apreciador da natureza, sentia-se bem no meio dela, gostava de deitar-se na erva fresca de um bosque, ouvir o vento redopiar nas árvores, as aves saltitando de ramo em ramo, sentir os regatos de águas cristalinas, serpenteando pelas encostas de montes virgens.

Viajava pela natureza, muitas vezes pedia uma carinha emprestada a amigos, e sozinho ia em busca de novas sensações na natureza. As compaixões pelo que era natural, aldeias e serras preenchiam-lhe a alma.
 
In  "Até Sempre! "
 
a editar
Quito Arantes/Portugal

ELEVAÇÃO

Canalização dos versos eleitos;
Palavras que se moldam lindamente
No papel branco onde os sonhos perfeitos
Vão reluzindo tão divinamente;

Elevação dos mundos satisfeitos;
Esferas de brilho único e luzente;
Degraus celestes de tempos refeitos
Lapidados pela alma transparente;

Pensamentos de luz no coração
Que bate forte na real emoção
De alcançar as estrelas infinitas;

Madrugadas eternas e bonitas
Vestida por luares majestosos
Nas noites de segredos luminosos;

Soneto

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Acerto de contas

Chegada a hora do acerto de contas, ele pergunta para um dos capatazes se ainda pode fazer um último pedido.
- Tá doido? Que merda é essa de ultimo pedido?
- É só uma ligação... Nessa hora riram absurdamente na cara dele.
- É óbvio que não vou dizer nada, se disser, vocês tomam o celular ou me matam mesmo. De qualquer maneira uma hora alguém vai desconfiar.
Falou tudo isso com tamanha seriedade e frieza que de certa maneira conseguiu atingir os assassinos.
Bruno que já quase morrera uma vez e também sofreu várias outras situações quase tão graves como esta, olhava para Miguel sem conseguir acreditar que ele estava pedindo uma coisa daquelas. A expressão de Bruno transparecia com clareza o quão estava perplexo perante esta atitude de Miguel, os assassinos também observaram isso, o que contribuiu ainda mais para que pensassem no caso.
- Porra! De toda sujeirada que eu já fiz na vida, nunca tinha passado por uma dessa. Disse um deles.
- Vai, deixa o cara então fazer essa merda de ligação, depois a gente passa os dois.
Miguel pegou o celular e sua mão tremia. Uma lista de pessoas começou a surgir na sua cabeça: pensou em Juliana, havia terminado com ela não tinha nem dois meses, sentia ainda algo muito forte por ela, mas mesmo assim não foi o suficiente para que ligasse. Pensou em João Paulo um grande amigo seu e que ele já não via há um bom tempo, mas foi uma das pessoas que mudou sua vida: fora ele que apresentou a literatura de verdade pra Miguel o que influenciou bastante a seguir sua carreira de escritor. Pensou também em Yasmin, ainda mantinha um contato com ela, mas bem esporádico. Assim como João Paulo ela mudou os rumos da vida de Miguel, mas de uma maneira diferente. Na verdade ela salvou a vida de Miguel algumas vezes, quando ele esteve mais próximo do precipício, incrivelmente ela sempre estava lá para puxá-lo de volta. Lembrou-se de Romero um amigo seu, homem de extrema sobriedade com quem Miguel trocava correspondências frequentemente, não só sobre sua carreira literária, mas também sobre sua militância política, sobre a paixão de ambos pela música, sobre diversas questões, o assunto entre eles corria fácil. Fred que hoje em dia vagava pelas ruas de São Paulo com seu trompete mágico, encantando as pessoas nos bares por onde passava.
A quantidade de pessoas nessa lista deixou-o confuso. Afinal, pra quem ligar? Se continuasse divagando muito em seus pensamentos os assassinos logo perderiam a paciência e não teria ligação nenhuma. Algo então invadiu subitamente a cabeça de Miguel, um sentimento perdido, na verdade, que há muito tempo estava adormecido e que naquele momento renasceu com uma força inacreditável. A imagem de Bianca veio nítida e clara na sua cabeça. Era a última imagem que ele guardara dela, afinal, já tinha um bom tempo que não a via. Sua pele clara e rosada, o seu grande e contagiante sorriso ornado por lábios de um vermelho bem vivo. Os seus olhos verdes muito brilhantes. E os seus cabelos, era o que mais agradava. Eles eram compridos, o que deixava os cachos loiros bem destacados que caíam sobre os ombros em grande volume.
Seus olhos umedeceram-se. Não teve mais dúvidas. Colocou sobre o seu número e apertou para que a ligação chamasse. Torcia desesperadamente para que ainda fosse o mesmo número, o que era bem improvável, já deveria ter passado uns dez anos da última vez que conseguiu falar naquele número. Ao menos o celular chamou, isso já era um bom sinal, tocou uma primeira vez, uma segunda, uma terceira. À medida que o celular ia tocando Miguel ia ficando mais nervoso, mesmo que ainda fosse o mesmo número, depois de tanto tempo quando ela olhasse que era ele, acharia um absurdo atender.
No sexto toque, quando Miguel já estava pra desistir ela atendeu.
- Alô? Atendeu num tom desconfiado e ao mesmo tempo curioso.
- Bianca? Sabia que era ela, mas queria ter a total certeza.
- Sim, sou eu.
- Oi, tudo bem é o Miguel. Nesse momento ficou pensando na possibilidade de que Bianca não reconhecesse a sua voz, mas ficava mais preocupado ainda em pensar como explicaria quem ele era.
Bruno olhava boquiaberto para Miguel, a maneira como estava agindo, nem parecia que os dois estavam a um passo da morte. E as preocupações de Miguel se confirmaram.
- Miguel? Que Miguel?
Decidiu tentar sair desse embaraço falando seu nome completo e falando que "era o Miguel, dos tempos da faculdade, lembra?".
- Ah! Oi Miguel. Tudo bem? O espanto dela era evidente, mas transparecia que desde o princípio sabia quem era.
Esclarecidas as coisas, parece que ficou mais difícil para Miguel responder. As lágrimas já caíam fácil dos seus olhos e o nó feito na sua garganta parecia impossível de ser desatado. Mas entre pausas e respirações profundas, tentando disfarçar o seu tom de voz, prosseguiu:
- Então Bianca, to ligando pra saber só como você tá mesmo? Tá tudo bem? O que você tem feito? Tá trabalhando no que?
Tudo isso realmente parecia muito estranho para ela. E também percebeu que a voz dele estava diferente.
- Ué, comigo tá tudo bem. Eu to com minha própria escola de inglês agora, tá dando bem certo as coisas lá. Mas tá tudo bem com você? Sei lá, depois de tanto tempo você ligando assim, to achando sua voz estranha também.
Com isso, ela o colocou em xeque. Os assassinos já olhavam impacientes para ele, apesar de só ter passado uns três minutos de conversa. Estavam preocupados e atentos no que podia falar.
Mais uma vez Miguel respirou fundo e continuou sem saber aonde queria chegar.
- Tá sim Bianca, só quero conversar um pouco mesmo. E o Augusto, como que ele tá? Augusto era um grande amigo dos dois na época de faculdade, que depois do rompimento deles, ficou bem próximo de Bianca tendo uma forte amizade com ela, não passou muito tempo para que casassem.
- Ele tá bem, tá dando aula no Rio, dae ele vem todo final de semana pra cá.
- Nossa deve ser complicado essa coisa de distância, mas o que importa é que vocês estão fazendo o que gostam. Mas eu lembro que a Silvia fazia o mesmo com o marido dela e dava super certo. Silvia foi a orientadora dos dois na faculdade.
Bianca já não sabia nem mais o que responder e tentou engatar uma pergunta padrão:
- Mas e você como está? O que tá fazendo da vida?
Nesse mesmo instante os jagunços já haviam perdido a paciência, e com um gesto de cabeça mostraram pra Miguel que queriam que ele encerrasse a ligação. Nessa hora ele percebeu que era "tudo ou nada", sentia que as palavras que iria falar daqui pra frente tinham que ser muito precisas. Deu a respiração mais profunda que pode e engoliu seco, o choro cessou e incrivelmente parecia estar calmo agora.
- Bianca, apesar de tudo, apesar de tudo mesmo, na verdade eu só te liguei pra te dizer que eu nunca deixei de te amar. Eu sei que você não deve tar entendendo nada disso e já deve estar achando ridículo, mas é muito sério isso Bianca. Nesse momento o choro voltou descontrolado ao rosto de Miguel, mas ele prosseguiu firme. Podia ouvir a respiração séria no outro lado da linha que ouvia atentamente tudo o que tinha a dizer.
- Pra mim hoje é muito claro, que era só uma questão de paciência e carinho, mas quando eu me arrependi já era tarde demais e com razão. Mas não importa Bianca, eu amo muito você e também amo o Augusto, também nunca deixei de amar ele. É muito bom ver que vocês dois justamente tiveram paciência e ainda estão juntos, tomara que tudo dê certo pra vocês, tomara mesmo, de verdade. Fica bem Bianca, eu só te peço uma coisa...
Nessa hora ela respondeu num "quê Miguel?" bem apertado, já estava chorando também, parecia que de algum modo sentia que algo estava pra acontecer.
- Tenta esquecer toda mágoa, tudo de ruim que eu fiz, tenta lembrar só das coisas boas, das nossas brincadeiras e coisas bestas que a gente falava, tenta lembrar disso por mim. O que eu mais sinto falta na verdade é da sua risada Bianca, eu lamento demais saber que eu não vou ouvir ela agora. TE AMO MUITO BIANCA, TCHAU.
E desligou o telefone sem esperar a resposta que poderia vir do outro lado. A conversa deveria ter durado no máximo uns dez minutos. Não sabia se estava aliviado ou mais tenso depois da conversa, mas naquele momento não havia espaço para tensão. Olhou a sua volta, Bruno chorava mais do que ele e ficou surpreendido ao olhar para os assassinos. Um estava chorando um pouco também e o outro com os olhos avermelhados. Justamente esse último falou:
- Ajoelha os dois!
Bruno fechou os olhos e ajoelhou, mas Miguel continuou estático fitando os dois. Isso os deixava mais nervosos ainda, depois de toda aquela conversa no telefone o mínimo que esperavam é que os dois se rendessem por completo no momento final, ficarem de joelhos representava isso.
Miguel olhou então para o céu mais uma vez, estava de um azul claro sem nuvem alguma, por isso mesmo trazia aquela sensação de imensidão e de quão pequenos os seres humanos são dentro daquela redoma. Nesse mesmo céu conseguiu ainda visualizar uma imagem: Bianca rindo, dando gargalhadas, ficando extremamente vermelha de tanto rir das cócegas que ele fazia nela. Então sorriu largamente e ouviu um estouro, provavelmente nem chegou a ouvir por completo.

publicado originalmente em: http://ilusoesliterarias.blogspot.com.br/2013/11/acerto-de-contas.html

Dança

Num baile a tudo e a todos fico atento.
Nada me escapa: gesto, passo ou som.
Tudo pros outros é suave e bom,
mas cá pra mim é trava, é sofrimento.

Se um par me passa em graça, em vez de alento
me vem a dor de agir conforme o tom,
e imóvel pedra provo não ter dom:
dançar pra mim é trava, é sofrimento.

É belo o harmonizar do som que encanta
atar em sincronia o movimento.
De ver a alegria é enorme, é tanta!

Mas se deixo levar por um momento
e num arroubo louco eu tento a dança
renovo a prova: é trava, é sofrimento!

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Salgado


Fazia sol.
Tão forte, que ele mantinha os olhos ligeiramente fechados. Estava sentado em um banco no calçadão, em frente à praia, olhos fixos no mar.
Tranquilo.
Olhos no movimento das ondas. Ligeiramente fechados.
Pensou em Fernando Pessoa. Não porque fizesse sentido, mas porque achou que combinava. Quis declamar um poema dele. Mas não havia clima para. Também não conhecia nenhum de cor, o que impediria qualquer gesto.
Desviou, então, o olhar do mar, observando o que havia em volta.
Nada interessante.
Voltou e ficou pensando no tranquilo movimento ligeiramente fechado das ondas. E naquele eterno ir e vir.
Horas antes, ouvira muito sobre o ciclo da vida. Ir e vir. Começo e fim. Tranquilo. Que as coisas acabam. Que foi melhor. Que a única certeza da vida é.
Era clichê, mas, ao final de todo aquele discurso previamente idealizado, pôde sentir, de fato, o peso. Com a mão esquerda numa das alças.
Não tinha chovido. O sol forte. Desde cedo. Os olhares parados. Desde cedo. Não choveria. Não do lado de fora.
Olhou em volta de novo. Mas não encontrou ninguém. E pensou que peso não é só o resultado da ação da gravidade sobre os corpos. E pensou que pesava. E que talvez um gerúndio se adequasse melhor aquela sensação. E resolveu parar de pensar um pouco.
E respirar.
Mas não conseguiu. Angustiou-se um pouco. Havia um peso. Passou a mão no rosto e olhou pro mar. Procurando uma resposta. Tantas perguntas. Mas só uma, justo a sem resposta, era a única que interessava.
Durou alguns minutos. Talvez horas. Não saberia precisar.
Não houve resposta. Nem haveria.
Foi quando sentiu os olhos arderem um pouco e o gosto salgado da lágrima na boca. E, mesmo sem a resposta, pôde respirar.

domingo, 24 de novembro de 2013

Mais umas biritas literárias

FLEXÃO, RE.FLEXÃO

Quando tempo turvo
Até me dobro,
Até me curvo,
Mas não nego,
Não me entrego,
Não quebro,
Requebro!

Sou terrível,
Sou flex,
Sou flexível.


VIDE-VERSO
            
Outro lado da moeda, anverso.
Povo brasileiro, diverso.
Ontem oposição, hoje inverso.
Politiqueiro, perverso.
Acidente de avião, reverso.
Contra a corrente, controverso.
Sem fronteira, universo.

No fim, é sempre assim:
Tudo acaba em verso!


Obs:

• FLEXÃO, RE.FLEXÃO e VIDE-VERSO, poemas extraídos do livro “Só Concursados – diVersos poemas, crônicas e contos premiados” – 2010. 

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Saudosismo


Passei na casa dos meus avôs para uma visita rápida. Inocência minha achar que conseguiria sair de lá antes do jantar; Como sempre, minha avó convenceu-me a ficar. Segundo ela, estava preparando uma comidinha especial e, além disso, eu andava muito magro, muito branco, precisando comer bem. Decidi ficar.

Enquanto ela terminava os preparativos, sentei à sala com meu avô para ver o jornal. Ele, esparramado na velha poltrona de couro, após duas ou três notícias, comentou:

– Bons os tempos em que só se roubavam corações.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Convidado Felipe Daher




Alto clero

Dragões escarlates
Voam pelo cinza metropolitano
Baforadas de fogo queimam
Os crânios dos transeuntes
Três bolinhas giram
O malabarista recolhe seu tesouro
Nas esquinas os açougues
Vendem o produto da exclusão social
Fast-food, tira a embalagem
Come o que gosta e joga o resto fora
Bueiros entupidos com o lixo da aristocracia
Enchentes carregam o passado
Destroem o presente
E só da um salário mínimo de futuro
Os presídios do planalto central estão vazios
Seus ocupantes estão em belos jantares
Bebendo vinhos caros e fumando charutos
O único que dorme na casa de albergado é seu vigia
Enquanto diárias de hotéis luxuosos são pagas
Para reuniões com lindas garotas.
O destino coletivo é decidido na cama
Em cima de lençóis suados e corpos esgotados.
Tempo bom aquele em que tudo acabava em ‘pizza’,
Agora tudo acaba em “PICA”...


---
Felipe Daher
felimescouto@gmail.com


terça-feira, 19 de novembro de 2013

(Mais) Um Brasileiro

Sebastião era como muitos brasileiros país afora. De origem muito humilde, teve de trabalhar muito cedo para ajudar no sustento da família. Com onze irmãos (que poderiam ser catorze, caso três deles não tivessem falecido prematuramente), Sebastião já havia trabalhado mais na adolescência do que muitos outros numa vida inteira.

Mas Bastião, como era carinhosamente chamado por todos que o conheciam, não carregava nenhuma mágoa de sua vida sofrida; pelo contrário, estampava sempre um semblante alegre, com um belo sorriso em seu rosto já enrugado, na sua pele curtida pelo sol forte do dia a dia.

Bastião havia construído sua família. Seis filhos, todos adultos e vivendo suas próprias vidas. Bastião também contabilizava 18 netos; apesar de ele nunca saber ao certo se eram dezoito, ou dezessete, ou dezenove, Bastião nutria um carinho imenso por todos eles, mesmo que alguns estivessem morando longe do avô. “É um Brasilzão muito grande, e meus filhos correm atrás do trabalho onde ele está” dizia Bastião que, a propósito, nunca havia saído do próprio estado onde nasceu.

Mas Bastião via seu país, ou uma parte dele, pela tela da TV. Como a recepção de sinal só permitia que Bastião assistisse a um canal com nitidez, era este um mesmo que ele assistia. Bastião gostava de se deitar após mais um árduo dia de trabalho e de ver TV ao lado de sua velha companheira, dona Zezinha, que passava os dias em casa costurando para as vizinhas da comunidade onde moravam, no intuito de ajudar no apertado orçamento familiar.

Dona Zezinha chegou a frequentar a escola por um tempinho quando criança, o que a fez aprender, mesmo que com certa dificuldade, a ler; já Bastião permaneceu analfabeto até os 40 anos de idade, quando uma de suas filhas, Zulmira, teve a paciência para ensinar o pai a ler.

Bastião pegava exemplares de jornais que seus patrões assinavam e lia somente as manchetes. “Não leio letra miúda. Não consigo” dizia Bastião, que apesar do gritante problema de visão, nunca havia consultado um especialista. Fato era que pouco dinheiro sobrava para Bastião procurar um oftalmologista; seus modestos vencimentos eram inferiores a um salário mínimo.

Por isso mesmo Bastião recebia donativos com imensa alegria, desde restos de comida até roupas usadas. Cada peça de roupa recebida, dona Zezinha costurava e adaptava para o marido usar. Bastião sequer lembrava quando havia comprado uma roupa nova pela última vez. “Acho que faz uns trinta, quarenta anos” calculava ele.

Bastião também nunca havia dirigido qualquer tipo de veículo automotor. Seu meio de transporte era a sua velha e enferrujada bicicleta, que segundo ele “nunca me deu pobrema”. Bastião pedalava pelo caótico trânsito da cidade sem se importar com os outros; ia e vinha assoviando melodias das músicas mais conhecidas de Luiz Gonzaga, sorrindo e pensando na vida.

Bastião também gostava de ano de eleição, por dois motivos: primeiro, sempre um político visitava sua comunidade e trazia cestas básicas ou até alimentos mais refinados para as famílias, apenas em troca de votos; e segundo, porque Bastião realmente se sentia importante ao poder ajudar na escolha dos governantes. A única coisa que Bastião lamentava é que os candidatos só iam uma vez a cada quatro anos até a comunidade. Ele achava pouco, mas pensava “eles tem muito que fazer lá em Brasília. Esse negócio de lei é complicado”.

Mas Bastião já não era mais um moleque. Sentia dores fortes nas costas, nos braços, no peito. Aguentava o dor calado, sem reclamar, sem faltar ao trabalho diário. Dona Zezinha percebeu que o marido estava fraquejando e insistiu para que este fosse ao SUS para ver o que acontecia. Bastião foi. E agendou uma consulta para seis meses daquela data. Certo dia, Bastião sentiu-se muito tonto, e pela primeira vez na vida, deixou o trabalho para ir ao posto de saúde. Teve forças para pedalar até a unidade mais próxima e, chegando lá, sentou numa poltrona para aguardar a sua vez de ser chamado. Isso não era nem dez horas da manhã. Quando o ponteiro do relógio anunciou quatro horas da tarde, a enfermeira de plantão gritou “Sebastião! Se-bas-ti-ão!”.

Aí uma senhora percebeu um senhor dormindo, com a cabeça abaixada, na poltrona ao seu lado. Cutucou o braço dele e perguntou “O senhor é o Sebastião?”. Não obteve resposta. A enfermeira se aproximou, pegou no pulso do homem e não viu batimento algum. Tarde demais. As pessoas ao redor se assustaram. Houve um princípio de tumulto, com algumas pessoas chamando o SUS e seu staff de “assassinos”, “carniceiros”.

Aos 65 anos de idade, Bastião morreu sentado na fila de atendimento. Seu semblante era de alegria, apesar da imensa dor que ele vinha sentindo. Sem saber que doença tinha, mas certo de que havia cumprido a sua missão na terra da melhor maneira que pode – dentro das condições que a sua família e, em especial, que o seu país havia lhe proporcionado.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Brincando de Boneca

Mamãe diz que brincar de boneca é coisa de menina. Nem ligo pro que ela diz. Sou homem e posso provar. Haja vista as mulheres que amei. Além disso, o que há demais em brincar um pouquinho? Tem adulto que joga videogame. Meu hobby é esse, passatempo da hora de almoço. Esta perna cabe aqui no corpinho, vai ficar diferente da outra, mas pior se ficasse perneta. A cabeça, felizmente, não se perdeu. É original, mas deu um trabalho colocar de volta no lugar. Os braços eu vou utilizar dessa outra aqui. Braços negros e corpo caucasiano? Paciência, é o que se pode arranjar no momento. Vou ter que prender com algum parafuso. O Geraldo da manutenção deve ter um do tamanho necessário. Melhor não. Geraldo não entenderia. O vestido eu pego com a dona Marta lá na lavanderia. A droga é que branco fica parecendo noiva. Depois eu dou um banho nela, pra espantar este cheiro podre de membros amputados aqui do lixo hospitalar. Será que vão dar por falta de você lá na sala de autópsia, meu amor? Que marido horrível que você tinha, precisava te esquartejar e jogar as partes na Lagoa Rodrigo de Freitas?

domingo, 17 de novembro de 2013

Quando bebo

Quando bebo me convêm
                               dizer algumas verdades
                               também algumas mentiras

muito cheio
           de bondade
           e bobagens

sábado, 16 de novembro de 2013

Pontaria

Um soco
que retira todo o ar
dos pulmões

O tesão
o pau como uma arma
carregada de balas

A alma
em puro fogo
tomada de álcool

A poesia
é como um jogo
de tiro ao alvo.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Mandrágora

Era sabido naqueles dias da Idade Média que, onde repousavam pendurados os corpos dos enforcados, brotava na terra uma raiz mágica chamada mandrágora. Iselda aprendeu com sua mãe que, nos últimos estertores, os enforcados ejaculavam o esperma que fecundava a terra, transformando-se no elemento que servia para evocar o diabo. Ela fez tudo conforme ensinava o grimório: o círculo, o caldeirão fervente, as palavras ancestrais e, por fim, a sagrada raiz, que se parecia com um pequeno homúnculo de cinco pontas. O cheiro de enxofre no ar anunciou a presença maligna: - Mulher, aqui estou. Faze teu pedido. - Quero que me faças homem. E assim foi feito. Ela se tornou um lindo moço chamado Isar, que matou um desafeto pelo amor de uma donzela. Certa de que viveria melhor como homem, a bruxa acabou sentenciada à forca. Do seu estertor brotou uma nova mandrágora...

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

MATEUS 19:14

Driblando a vigilância,
irrompe uma criança
para pedir ao Santo Padre,
antes que seja tarde
e a outro inocente se fira,
que cesse logo a mentira
do Voto de Castidade.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

O Tempo (DBS)

O Tempo


O Passado me revolta, o Hoje me abandona e o Futuro me amedronta! Eu quero viver fora do Tempo....
(Danilo Souza)


O Passado me traz saudade, o Hoje me garante felicidade e o Futuro me faz sonhar! Eu só quero viver....
(Danilo Souza)


Às vezes, sou a antítese de mim mesmo.....

( ? )

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Desabafo

Com um lápis e um papel esquivo-me da prisão
Cá tenho alvedrio em meu mundo de ilusão
Não anseio ser diferente...só...ausente
Neste cálice que me corrói até o derradeiro fio de esperança
Que herança ignomia deixaste para mim...que levarei até o fim
Como desvirtuar o que nunca está igual?
Como ser careta se ser insano é normal?
Como retificar tudo de tortuoso se a lei é desigual?
Também posso ser afortunado neste caos-carnaval
Onde a verdade assombra
E dissimular a vista é a saída para não notar o mundo errôneo
Vamos dar risada...migalhas de pão
Para o infante nesta prisão
Sem grades...teto estrelar...tapumes de chão
Onde o ar é grátis...mas saldamos para contaminá-lo
Onde a poeira não baixa...já desce pelo ralo
Vamos sair...já estou extenuado de me planejar
Planejamento subliminar...sem raciocínio...televisão à elucidar
Não vou camuflar nada...não temos que se mortificar
Ser afável à toa e o mundo a nos subjugar
Partamos para rua...dar a face a bater
E obtemperar de outra maneira...mas não sabemos nem escrever
Brasil
Há de ser um Brasil melhor

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Teatro das Formigas - Ato 3 e Ato 4

Terceiro Ato
.
na 'seca come carne'
do sertão...

em conluio
com urubus,
elas traem a peça...

enquanto
orbitam pelas
cavernas cranianas

o sol refresca
o tatame

onde, vestidas
para o rigor da ocasião,
celebram

nos bastidores...
.
Quarto Ato
.
sob intensa chuva
de domingo...

sem missa
ou notícias nos jornais
em manchete...

as colônias
repletas de enredos
repetidos

encaram atordoadas
a presença
do patriarca

"in memoriam"...
.

domingo, 10 de novembro de 2013

Convidado Jovenal Maloa

Burros em tudo – inteligentes em nada

Haja maneira mais doce de brindar
Não! Prefiro brindar felicidades e alegrias neste meu silêncio
Porque não comeres e ficares calado?
Beber e ainda continuares calado…?
Gritos e suspiros fartos nunca em momento algum dirão,
Que da comida estás farto…!
E nem comportares-te como um delirante demente,
Definira quantos copos de talvez vinho você tomou!
Sou gigantescamente lucido!
Nada me fara não ser…
Pensamento correctamente íntegro e maduro
Não há como eu não saber, que gritar farturas
Somente em pobres de civismo e pior de intelecto
Cambalear de tanta embriaguez? Nunca!
Pois nada que tenha álcool bebo
Só correctamente correcto
Nego fazer papel de palhaço em público muito menos em versos


---
Jovenal Maloa
jovenalmaloa@gmail.com

sábado, 9 de novembro de 2013

PUTADETERNUM - a digníssima do Valqueire


O fato não é
Nem permanece
Pensamentos sobre episódios são o que há
Aforismos abstratos
Futuro e passado não contém eventos
Realidade é ilusão fora do presente
Lembranças são montagens de memórias
Devaneios comandados pelo individual
Não vendo e não escutando, não aconteceu.
Não procurem sarna pra se coçar
Confiança é parceira da omissão
Matrimônios duram um ano
Penso logo existo
Elogiosas bronhas pra todas
Maior galanteio não há
As outras
Meu casamento atual acabou emendando noutro
Ser visto por sua mulher olhando bunda feia na rua é o fim
Olhar bunda na rua não é feio
Feio é olhar bunda feia e ser pego em flagrante
Imaginar-se traída com barangas anula o amor mulheril
Desejar mulher feia é proibido, mas sou anarquista.
Outro pé na bunda por causa das bundas
Outro casamento convertido em amantes
Ex-mulheres no papel da outra são intensamente depravadas
Não são capítulos de namorar
Solteiro não funciona
Elas querem o lado B
Botar chifres na filha da puta da esposa
Casado eu não perco o ímpeto vocacional feminil da promiscuidade vil
Tô morando com minha quarta ex-mulher
Temos uma filha e resolvemos tentar
Mulher/Amante/Mulher
Confusão da porra
Elas viajaram e levaram o Totó
Minha casa sem mulher, filha e cachorro, parece um museu.
Um silêncio total
Não um silêncio qualquer
Um silêncio perturbador
Um silêncio tão alto que é impossível deixar de ouvir tanta ausência de som
Liguei pras primas e dei uma festa
Não sou afeito a museus
Uma das putas chamava-se Jennyfher Valqueire
A piranha deixou-me embucetado
Comer vagabunda da Vila Valqueire é um erro geográfico abissal
Moro em Ipanema e a cachorra não é local
Difícil
Não consigo terminar relacionamentos
Eu agrego mulheres
Sou apegado
Não me satisfaço comendo minhas oito ex-mulheres
Com frequência
Somando vagabundas
Colecionando amantes
Tomo Viagra duas vezes por dia
Eu tenho cinquenta anos
Vou ter uma overdose
Coquetéis de bucetas com Viagras e Ecstasys matam mais que cocaína
Vim parar em frente ao gabinete do juiz
Depois da festinha lá em casa eu viciei na Jennyfher
Garota Centauros durante o dia
Mãe casada durante a noite
Puta devassa da Rua Caning
Mulher de família virtuosa da Vila Valqueire
Quem não perderia a linha no cardápio requintado das perversidades sexuais
Paguei paixão pra vagabunda
A esposa do sargento Bráulio da Vila
Tudo é o que não deve ser
O sobrenome do sargento é Pequeno Cornélio
Sargento Bráulio Pequeno Cornélio
Eu achava que era embuste da digníssima do Valqueire
A vida é engraçada
A moeda gira no alto
Quando otário vira machão é uma merda
Aí é matar ou morrer
Imaginem o sargento Bráulio descobrindo a verdade da mulher
Legítimas fotos num envelope causando desorientação de pensamentos
Depois de infinitos minutos olhando incrédulo, o sargento Bráulio tinha uma nova mulher.
O marido que governa o destino da família não pode fraquejar
É fadigoso pro grande homem ascendente conviver com safadezas
O chefe da moral e dos bons costumes não pôde aceitar
Jennyfher Valqueire foi degolada e sua cabeça fincada na grade da Praça Saiqui
Foto da capa do jornal O Povo
Bráulio Pequeno Cornélio foi condenado a doze anos de prisão pela morte de Edisleia Souza Capixaba
Sim, eram os nomes nas carteiras de identidade.
O argumento da acusação foi de crime planejado
Muitos acompanharam a estória
Todos livres pra dizer e escrever o que pensam
Sargento Bráulio foi perdoado por ser bom pai nos programas de televisão
Jennyfher Valqueire foi condenada várias vezes
Sentenciada à morte e executada pelo Cornélio
Bombardeada impiedosamente pela opinião pública
Puta ad aeternum
Democracia do só rindo
Eu soube da morte de forma ruim
Fui intimado a prestar esclarecimentos do meu envolvimento com Edisleia Souza Capixaba
Por isso estou na frente do gabinete do juiz esperando ser chamado
Quando eu for perguntado, responderei:

- Sou defensor das injustiças sexuais existentes no pensamento moral! As putas me amam! Os conservadores querem minha morte!

Nada do que foi será
Ajuízo a meu favor
Tenho mulheres pra cuidar
O fato não é e nem permanece
Como uma fênix, Jennyfher Valqueire renascerá em minhas punhetas.
Eu vou trucidar o Bráulio!

Pablo Treuffar
Licença Creative Commons
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A VERDADE É QUE EU MINTO

A VERDADE É QUE EU MINTO

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

amor próprio



amo-te
de um jeito
só meu

sem parada
sem charada
sem trovoada

amo-te
de um ímpeto
só meu

sem bordoada
sem almofada
sem saraivada

amo-te
de um tempo
só meu

sem jangada
sem pincelada
sem alvorada

amo-te
de um barulho
só meu

com batucada
com gargalhada
com patuscada

amo-te
de um amor
só nosso

Carlos Cruz - 18/07/2013