sábado, 31 de março de 2007

Primeiro mês

Neste aniversário de primeiro mês o blog já passa por reformulações.
Apresentamos os novos escrevinhadores:

Anderson Henrique é Advogado na Cidade de São Paulo e procura escrever mais do que petições. Divide seu tempo entre os Fóruns, os bares e a faculdade de letras. Dia 13.




Sacerdote é o responsável pelas almas do Bar, cuidando para que os pecados alheios sejam prontamente remidos junto à Instância Superior. Normalmente, faz a dura ligação entre o Sagrado e o Profano, possiblitando que esses dois elementos venham a se misturar. Cumpre com a árdua tarefa na terra de purificar os povos, através de minha "santa/sacana" escrita. Dia 25.

Barba Uonderias - tentou ser músico, tentou ser compositor, tentou também outras formas de arte: desde esculturas em vela a instrumentos musicais feitos com elástico. Acabou parando aqui. - Dia 26



Rita Luna- auto intitulada medusa insana por causa de delírios poéticos,26 anos,formada em psicologia desde 2004, não atuante. Entre varías cabeçadas numa parede de vidro, fez cursos de escultura, filosofia,oficina de contos,teatro, oficina de criatividade na faculdade e participo de uma oficina de poesia na casa de cultura Haroldo de Campos (Casa das Rosas) em Sp, chamada "Rascunhos Poéticos". Dia 28.

Gláucia Ribeiro.Estudante de filosofia, apaixonada por poesia.Atenta a arte de escrever procura sempre crescer e melhorar com cada palavra escrita,seja em textos filosóficos, produções acadêmicas ou simples sentimentos por hora chamados de poesia.No mais ser em crescente evolução. Dia 29.

Nos dias 10, 20 e 31 (quando houver) serão apresentados os convidados do Bar.

As contribuições podem ser feitas de duas formas: acessando o bar no iorGut e postando textos. Os melhores serão escolhidos como convidados. A segunda é encaminhando-os diretamente ao Bardo, (zelador do site). O texto será apreciado por um conselho e publicado de acordo com a relevância.

Convidado: Tchello D'Barros

mais
luz
do
que
o
sol
do
meu
céu
o
som
do
seu
sim
-----------------

partes de mim
se partem se
partes de mim

quarta-feira, 28 de março de 2007

Escritos Desesperados

Bem, é com grande satisfação que publico aqui o lançamento do meu primeiro livro, chamado Escritos Desesperados. O livro está disponível em www.livrorapido.com.br. Obrigado a todos do Bar do Escritor.

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A MORTE DO POETA

A cada novo poema,
O poeta morre:
É um pedaço dele que ali se vai;
A cada novo poema,
O poeta sofre:
Dia a dia, mais e mais;
A cada novo poema,
O poeta foge:
De si mesmo e da sua realidade;
A cada poema,
Ele sonha:
Com sua irreal felicidade;
E então no próximo
Ele chora:
Pois vai embora o sonho e fica a saudade;

E a cada novo poema,
O poeta sente:
Ora amor, ora solidão;
E a cada novo escrito,
Ele mente:
Acreditando que encontrou a solução;
E então novamente,
Ele sofre, morre,
Mente e sente;
Para no próximo poema,
De repente,
Deixar-se cair no chão,
E levar consigo
Todos os seus escritos
Para o fúnebre caixão.


André Espínola

terça-feira, 27 de março de 2007

Sonolência Grave

Hipnos assombra as alegrias menos isentas
E semelhante ao grito rouco dos devassos
Ele também arrasta seus pesados passos
Pelos jardins de flores nuas e sonolentas.

Poucos resistem ao rumor rasgado e escuro
Que afronta sonhos, corações e pesadelos
Quando ele chega no silêncio dos apelos
Para alargar nosso sorriso mais impuro,

E ao despertar banhado em sangue novamente
Homem nenhum conseguirá dormir calado
Vendo deitar esse sombrio monstro ao seu lado.

Mas sempre há aqueles que vivendo o inconseqüente
Bebem, assim como eu, soníferos mais fortes
Para dormirem por prazer milhões de mortes!


Eduardo Borges (Rebellis)
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Hipnos, segundo a mitologia grega, foi o deus do sono, filho da noite, Nix, e do caos primordial, Érebo. Seu filho mais importante foi Morfeu, o deus dos sonhos.
Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hipnos

segunda-feira, 26 de março de 2007

Amor de mas

Não te confies
Porque tuas mãos
satisfazem meu corpo

Ou se ofendida
Chorei
E te pedi perdão

Se na angústia
Não busco os braços de outro

E negando-te
Conquisto homens
E digo não!

Se tua língua
Cansou-se
de sugar meu gozo

E ultrajada
Suplico um carinho a mais

Não é nada
Meu amor
Que tanto confirmas

Não estás imune
Pois de entregar-se
O corpo cansa.

Hoje a fadiga
e a liberdade
Foram tanta...

Que não sobrou nem
o mesquinho apego.

domingo, 25 de março de 2007

O Centauro de Saramago

Conheceram-se no salão de cabeleireiro. Ele entrou no estabelecimento atrás de uma promoção para corte à máquina e a gerente, uma felliniana de quase 100 quilos, convocou Nélida para executar o serviço. Sentado na cadeira, observando-a através do espelho, Ignácio sentiu o célebre desconforto machista em ser atendido por um travesti. Suas mãos eram pesadas, mãos de homem, a despeito da tentativa de figura feminina que Nélida se esforçava em representar. Não fosse o leve azular da barba e a voz artificialmente colocada, por mulher passaria. Ele voltou para casa incomodado, mas reconhecendo que Nélida havia caprichado no corte.

Na segunda vez, já estavam um pouco mais íntimos e o desconforto diluíra. “Trabalha em quê?”, perguntou Nélida enquanto manejava com maestria a máquina. “Professor de matemática”, foi a lacônica resposta. Como estávamos na Quarta-feira de Cinzas, Ignácio ouviu, atento e assombrado, o relato de Nélida para as outras cabeleireiras sobre suas aventuras no Baile Gay fantasiada de Coelhinha da Playboy. Voltou para casa curioso, imaginando Nélida dentro dos seus trajes carnavalescos.

Na terceira ida ao salão, encontrou um negro forte sentado onde já considerava o seu lugar. A felliniana chamou outra cabeleireira para dar um trato em sua cabeça semi- raspada e Ignácio, disfarçando a contrariedade, ficou bisbilhotando os movimentos de Nélida que, num frenesi entusiástico, esculpia na nuca do Apolo de Ébano a palavra “Mengo”. Voltou para casa platonicamente enciumado.

Em sua quarta visita ao salão, durante ritual do corte, Ignácio pediu Nélida em namoro. Foram juntos para a casa do professor terem sua primeira noite de amor.

Passaram a dividir um quitinete em Botafogo na companhia de um gato angorá chamado Oscar que interpretava o papel do filho que nunca teriam. Viviam como marido e mulher, pois Ignácio não a desejava como homem e tão pouco Nélida prestava-se ao papel ativo. Só um detalhe atrapalhava a paz conjugal: os flácidos 13 centímetros de Nélida. Ignácio tinha verdadeira ojeriza ao falo da amada, mal conseguia encará-lo. Passaram muitas madrugadas de carinhos no escuro, com o membro de Nélida ocultado pelo negrume do quarto enquanto o travesti recebia Ignácio de bruços, escondendo a parte de sua anatomia embaraçosa ao amado.

Um dia, pousou nas mãos de Nélida um livro de contos de José Saramago. Não era dada a leituras, mas interessou-se pela história de um centauro caçado impiedosamente por um grupo de humanos. Narrava Saramago que a criatura mitológica sempre tivera o desejo de dormir deitado de costas, o que sua constituição, meio homem, meio eqüino, o impedia de realizar. Encurralado, o centauro queda-se por um desfiladeiro e tem seu corpo violentamente cortado ao meio por efeito de uma pedra pontiaguda. Em seus últimos momentos de vida, a porção humana do centauro caído de costas experimenta o prazer de sentir solo acariciando seu omoplatas. Emocionada, Nélida cerrou o livro e tomou uma decisão.

Foram quase dois anos de espera, mais seis meses de recuperação após a cirurgia. Dr. Euclides Pessoa, conhecido nos meios cirúrgico-científicos como “O Pitanguy das Xoxotas”, fizera um trabalho digno de figurar em qualquer galeria de arte, dada a perfeição em que construíra a vagina de Nélida. Então, tal qual o Centauro de Saramago, o agora ex-travesti provou da emoção única de, omoplatas roçando os lençóis, receber um homem, seu homem, de frente pela primeira vez na vida e ambos, unidos e extasiados, gozarem os prazeres que um prosaico papai-e-mamãe só àquele casal poderia proporcionar.

Obs: Em virtude dos últimos acontecimentos, embora não tenha utilizado-me do texto do conto “Centauro”, sinto-me na obrigação de citar a fonte que serviu como uma das inspirações para meu conto.
Objecto Quase, de José Saramago. Editora Companhia das Letras, Ano: 1994.

sábado, 24 de março de 2007

TRANSFORMANDO O LIXO CULTURAL


[Exposto no Museu de Arte de Israel.]

Sabe aquele domingo de folga em que você está louco para descansar, deitar no sofá e ligar a televisão? Pois é... Às vezes, ele acaba se tornando um tédio, você fica tentando procurar algo para assistir e não acha. Desforra toda sua raiva no controle remoto e atira-o contra parede. Fica sem entretenimento, porque não passou na locadora para pegar aquele último lançamento de DVD. A única saída é ler uma revista ou livro, navegar na Internet, brincar com as crianças, dar banho no cachorro ou sei lá... Domingo é o pior dia para assistir televisão, pois ficamos com o lixo televisivo acumulado da semana.

Mas o mau cheiro é exalado pela sala, quando se fala em educação, pois a programação da TV aberta está carente. Algo educativo pode ser encontrado para as crianças na TV a cabo, mas quem não tem dinheiro para adquirir a assinatura fica a deriva ou apela para “TV a gato” ou “gato net”, como são conhecidas dentro das comunidades carentes.

Quando faremos a transformação do lixo cultural?

Quando deixarmos de assistir novelas que valorizam a infidelidade, a hipocrisia e a prostituição. Quando alguns programas de TV forem produzidos por pessoas competentes que apresentem programas culturais plausíveis. Quando crianças deixarem de ser erotizadas por propagandas de forte apelo sexual, enfim, quando muitas pessoas fugirem do conformismo e deixarem de ser contaminadas pelo lixo transmitido por várias emissoras.

É mais fácil trazer programas de TV pré-fabricados da europa e américa do norte, culturas importadas. Não venha me falar em patriotismo. O que temos hoje? Brasileiros que já se naturalizam americanos, espanhóis e etc.

Muitos brasileiros parecem pinto no lixo quando contemplam novas idéias americanas e européias nos meios de comunicação, as pessoas compram qualquer barulho para não sair da moda, ou pelos menos, para permanecerem nelas.

Vejam a imagem acima, se todo monte de lixo fosse transformado em arte, como seria o Brasil? O que você espera para o futuro do Brasil?

Este camarada aqui: Ariano Suassuna vai muito além... da minha indignação.

Lena Casas Novas

sexta-feira, 23 de março de 2007

Sentidos

Cultivava o duvidoso hábito de guspir no prato em que comia. Mas era só da boca pra fora.

Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

quinta-feira, 22 de março de 2007

Cilada



O copo cintilava em cima da pia. Veneno de rato dissolvido em suco de laranja. Que idiotice! Que importava o gosto? Eu ia morrer mesmo. O telefone me tirou dos pensamentos.Guardei o copo rapidamente no armário.
-Alô. Querida? Fui promovido!Vamos comemorar... Era Roberto, meu marido.
Conversei com naturalidade, não podia decepcioná-lo, em seguida, desliguei. Ia preparar um jantar de comemoração. O suicídio ia ficar para amanhã.
Desde que descobri que tinha Aids minha vida virou um inferno.Não podia ser um transtorno para a família. Roberto era um marido exemplar, meu filho Douglas, uma criança adorável e meu pai, o velho Alfredo, homem íntegro e amigo. Novamente o telefone.
-Alô.Dona Sonia Rebelo?
-Sim, eu mesma.Quem fala?
-Aqui é do laboratório Brasil. A senhora fez um exame de sangue há três dias. Os resultados foram trocados por um funcionário inexperiente. A senhora não está doente. Seu exame deu negativo.
Não escutei mais nada. Eu não ia morrer! Deus! Foi Deus que tirou aquele copo de minhas mãos.
Fiz um jantar inesquecível.Filé a milanesa como Douglas gostava.Arroz de forno, batatas grelhadas, vinho tinto e musica romântica.Eram 23 horas quando finalmente eu e Roberto ficamos a sós.Olhares cúmplices, atrevidos, correria, nosso joguinho começara. Pega-pega, roupas pelos cantos, gemidos.Parecia a melhor de todas as noites. Nossa melhor performance!
Amanheceu! Era domingo e o relógio batia dez badaladas. Olhei para o lado, Roberto já tinha levantado. Vesti o roupão branco e fui até a cozinha.
-Bom dia amor. Dormiu bem? Ele me deu seu melhor sorriso.
Meus três amores sentados à mesa do café.
-Olá papai, que bom vê-lo. Querido, por que não me acordou? Eu faria o café de vocês.
-Nada disso. Fizemos um bolo de chocolate. Venha, experimente. Está delicioso.
-Mamãe. Eu arrumei a mesa. É a toalha que você gosta.
-Senta filha, antes que o café esfrie.
Os copos limpos no armário.O armário...aberto. O copo. Deus! O copo de veneno em cima da mesa... Um restinho de líquido amarelo... Quase vazio... Vazio...


Me Morte

quarta-feira, 21 de março de 2007

Ebook DOIS DIAS DEPOIS

É com muito orgulho que lanço, hoje, neste bar, o ebook de poesias DOIS DIAS DEPOIS.
São 22 poemetos escritos na mesa do Bar do Escritor no iorGut, sempre escutando as opiniões dos bebuns e absorvendo as críticas, para que toda a depravação nos conceitos e nas abstrações poéticas sejam de exclusiva culpa do autor.
E é assim: uma revelação, de forma direta, anárquica, atéia e sincera. No certo e no errado. Até que a morte o dignifique.
Ou não.
Espero que se divirtam!
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Opiniões sobre o livro, por três poetas da interNerd:

Rosa Pena - "Somos fruto de uma era que conseguir sobreviver com um sorriso já é complicado.Você vai além.Cria lirismo desde o pão fresquinho de cada dia até o pão dormido que recebemos de herança..Faz rabanadas deliciosas “de olho fechado!”

Tem horas que me lembra Bandeira.. “Notícia” é bem ele.

Sem dúvida alguma você faz parte daqueles que com palavras decifra enigmas e cria novos.

Em tempos de mesmices, salve-salve o ultracontemporâneo MÃO BRANCA."


Fabbio Cortez - " Acho sua poesia superfluente, veloz, agradável de ler (seus versos têm uma leveza muito bacana - coisa que não tenho visto por aí - e consegue, o que é melhor, dar as pancadas intelectuais necessárias, de forma aberta, verdadeira, dando sim as devidas esculachadas sem perder a dignidade, sem apelar)... não adianta, mano, somos meio doidos mas temos lá nosso coração escondido dentro da carenagem.

Gostei de tudo, mas posso aqui destacar "Último brado do guerreiro" e, mais ainda, "Pedrada na testa" (sensacional)."

Salomão Rovedo - "Recém saído do forno este e-livro (ou e-book) “Dois dias depois” de Mão Branca consagra a poesia flagrante como um dos segmentos consolidado da poesia brasileira. Mas, quem é essa figura, que se torna mítica dentro da literatura internauta, cuja estética do invisível nos ataca com versos aparentemente agressivos, mas que na verdade são os reflexos de cada um de nós mesmos? ..." - Leia na íntegra.

Agora que já me enchi de confete e tô babado até o pescoço, inda mostro outros
EBOOKs.

segunda-feira, 19 de março de 2007

Convidado: Barba

* pois sempre é bom ser criança

O ladrão

Abre os olhos e vê um clarão de luz entrar pela fresta embaixo da porta do seu quarto. O Assustado percebe que alguém caminha pelo corredor. Ele pega o celular e começa a discar para a polícia, mas desiste e espera um pouco para ter certeza que há mesmo um ladrão em casa. O som dos passos chega à cozinha. O suposto ladrão abre a geladeira.

- Além de roubar minhas coisas, ele quer comer minha comida? Eu não posso permitir isso! – pensou o Assustado.

Dentro do quarto ele encontra um grampeador preto no guarda-roupa e segura o objeto como quem segura uma arma de fogo. Aproxima-se da porta lentamente e com muito cuidado gira a maçaneta. Deixa abertos apenas dois centímetros, o suficiente para ver onde o ladrão está agora.

A luz da sala foi acesa. O Assustado se estende no chão e arrasta-se até a cozinha. Verifica o que o intruso comeu quando abriu a geladeira:

- Putz! Uma fatia de pizza, o que sobrou do bolo de ontem e provavelmente ele está com a tigela das uvas nesse momento.

O Assustado se prepara para ir a sala dar o flagrante no ladrão que acaba de ligar a televisão. Ele segura o grampeador com firmeza, abre a porta da cozinha silenciosamente, anda com cautela até o fim do corredor. Estica o pescoço a fim de ver o ladrão que está sentado no sofá. Conta de um a três, fecha os olhos, pula no meio da sala e grita em plenos pulmões:

- Pare, se não eu atiro!

Dona Socorro quase se engasga com as uvas que estava comendo.

- Diego Leonardo, você enlouqueceu? Quer me matar com um susto desses?

- Eu só tava brincando mãe. Não consigo dormir.

- É sério? Agora você vai dormir nem que seja à força. Vamos, passe para o seu quarto!

- Ai! Ai! A senhora vai arrancar minha orelha, puxando assim.

A mãe do Assustado o tranca no quarto. Castigo por um mês.

domingo, 18 de março de 2007

Conversa informal com O Poeta Affonso Romano de Sant'Anna.

Faz alguns dias, talvez faça mais dias do que alguns dias...
Desde que assumi o compromisso de uma postagem no Blog Bar do Escritor a responsabilidade e a preocupação têm ocupado os meus dias e noites.
Aquele frio conhecido na barriga (que penso eu estar a visitar a todos) é minha atual companhia.
Alucinada com a escrita de Affonso Romano de Sant’Anna, eu ousei um bate-papo. Conversa que a gente puxa com o outro ao lado.
E o meu intuito é o de presentear a todos com a visão de um Poeta, a meu ver, genial.
Por que Affonso? Pela sua dedicação as letras e o conteúdo social de seus textos e poemas. E porque março é o seu mês (27/03) e o nosso (08/03).


Conversa informal com Affonso Romano de Sant-Anna.


Eliane Alcântara – Incondicional amante de suas letras, aguço a curiosidade para mergulhar nos comentários que o elevam a, Poeta Conhecedor da Alma Feminina. Qual a sua visão frente a tais comentários e quais as vantagens e desvantagens de tal título?


Affonso Romano – Será que conheço mesmo a “ alma feminina”? Claro que é um elogio e tanto. Sobretudo se lembrarmos que muita gente, como Freud, vivia confessando que não entendia as mulheres. era ele que dizia: “Afinal o querem as mulheres?”.Tento conhecer um pouco de mim, e eu tenho muitas mulheres dentro de mim, talvez seja isto.


Eliane Alcântara - Em entrevista dada ao Jô Soares, senti o Affonso um pouco tímido. O Poeta estava em comunhão com o homem ou o homem apresentava o Poeta encarnado? Qual face mais complicada administrar sendo o homem um animal múltiplo?

Affonso Romano –Entrevisa com o Jô é sempre um jogo mais rápido e sempre surpreendente. Com o Roberto Dávila, pela natureza do programa, é mais fluente, tranqüilo, pode-se falar mais. Veja como as coisas são, algumas pessoas acharam que eu estava até muito à vontade.


Eliane Alcântara - Literatura marginal. Estamos todos as margens de um período em que a violência se aperfeiçoa. Como o poeta tem captado as manifestações poéticas dos ‘novos poetas’ frente a tal palco, divulgados via-internet, rádios, publicações próprias etc?

Affonso Romano –Olha, apresentei na Alemanha, durante a Copa da Cultura, uma conferencia sobre o problema dos “ centros” e “ periferias”, tentando redefinir essas coisas. A sua pergunta incide sobre isto. A periferia foi para o centro e o centro para a periferia. Vivemos tempos estranhos e excitantes.


Eliane Alcântara - “Sobre a atual vergonha de ser brasileiro” - atualíssimo -, o Poeta ainda vê um ‘povo- macunaíma’ a ceder ao chicote dos governantes sem a rebeldia da voz ‘de um povo heróico o brado retumbante’?
Como a Poesia contribui junto a outras áreas do conhecimento para a educação/formação do homem?

Affonso Romano –Outro dia a Fiocruz fez um seminário internacional e me chamaram para falar sobre Poesia e Ciência. Ta vendo? Poesia está em tudo. Na política, no amor, na ciência. Isto, é claro, desde que você tenha um conceito exigente de poesia, um compromisso com a linguagem e com seu tempo.


Eliane Alcântara – Projetos, livros, trabalhos? Gostaria de divulgá-los para fãs de carteirinha? Quais as surpresas podemos aguardar com o setuagenário do menino Affonso?

Affonso Romano - Está saindo dentro de um mês pela L&PM um novo livro de crônicas “Tempo de delicadeza”. Acabei de publicar “ O homem e sua sombra” e “A cegueira e o saber” E estou para publicar mais um livro de ensaios analisando a crise das artes plásticas em nosso tempo.
Ah, sim, agora dia 31 de março vou participar de uma coisa sensacional: vou dar um recital de poesia na Gruta da Lapinha, lá em Minas. Já pensou?

Eliane Alcântara – Como vê a iniciativa de um blog como essa, do Blog Bar do Escritor, que conta somente com a boa vontade de seus colaboradores em difundirem suas letras e qual a contribuição percebida no contexto homem contemporâneo?

Affonso Romano –O Fernando Pessoa responde melhor com aquela frase que todo mundo conhece, de que nada é pequeno(nem o blog) quando a alma não é pequena


Eliane Alcântara - Bem, é isso. Claro que o presente chegou antes do dia 23, e nos fomos os agraciados. Obrigada, Affonso, pela atenção. Felicidades na nova idade e muitos, muitos anos a mais para que possamos comemorar a dádiva que é tê-lo, imortal.

***

Liturgia.


O pecado que minha boca parece trazer
é uma liturgia indulgente
quando teu sexo sacro
a(s)cende a chama do meu corpo.


Eliane Alcântara.

sábado, 17 de março de 2007

Eu, o Amor e a Solidão


Naquela noite fria eu estava sozinho no meu quarto escuro. Uma luz fraca iluminava parcialmente o quarto. Eu estava sentado, escrevendo alguma coisa, com uma garrafa de vinho pela metade em cima da mesa, um cinzeiro com um cigarro aceso e a Solidão ao meu lado.

Ela era minha acompanhante. Cada vez que terminava algum poema ou conto, mostrava-a e ela fazia suas críticas, mostrando-me o que e onde mudar, de acordo com suas emoções.

Inesperadamente um desconhecido entrou no quarto.

Inicialmente não o reconheci. Estava um pouco escuro.

Mas era o amor.

Ao reconhecer o visitante meus olhos se encheram com o brilho da esperança, um brilho de felicidade, um brilho de admiração diante de um visitante nobre, ilustre. Mas no olhar da Solidão via-se a chama do ciúme.

O amor passou uma vista rapidamente pelo quarto, encarou a Solidão, olhou-me piedosamente e falou:

- Vem comigo. Tu, que há tanto me esperas, vem comigo, vem!

Aquelas palavras pegaram-me de surpresa. Eu não sabia como reagir!

Não sabia se corria para abraçá-lo, aproveitando sua tão sonhada presença, ou se respondia um simples “eu vou”, educadamente, controlando minhas emoções.

Não fiz nada disso.

Eu chorei.

Caiu uma lágrima pelos meus olhos.

- Não posso. – falei tristemente mostrando-lhe a algema que me prendia à Solidão.

O amor imediatamente compreendeu minha situação: eu era um prisioneiro.

A Solidão, por sua vez, sorria vendo toda aquela cena. Estava muito confiante em si mesma.

Mas uma coisa eu não entendia. O amor continuava a olhar-me de um jeito estranho, condescendente até.

O visitante então falou:

- Não te preocupes. Não desistirei de ti. Ocasionalmente visitar-te-ei a fim de que tu te acostumes com a minha presença. Dar-te-ei a força necessária para que tu possas te livrar dessas algemas, do domínio da Solidão. Doravante terás a mim como companhia.

Olhei-o em agradecimento.

Ele entendeu, virou as costas e se retirou.

E eu fiquei novamente sozinho com a Solidão.

Tomei mais um trago do vinho, sentei e tornei a escrever.

Aguardando a próxima visita do amor.


André Espínola

sexta-feira, 16 de março de 2007

Fakes, verdades, mentiras e preconceitos.


- Silêncio! Silêncio!
- Queira o réu levantar e ouvir a sentença.
- A União o condena a 1 ano de reclusão ou pagar a fiança de 15 mil reais! - proferiu, dentro do seu ar severo e na pertinaz aparência do senhor absoluto.
- Eu sou inocente! Eu sou inocente! Eu vociferava inconformado para uma platéia constituída de uns 6 ou 7 gatos pingados, todos desinteressados, evidente.

Plaft,plaft,plaft...E ele batia insistentemente o martelo na bancada e, eu me perguntava se haveria algum local específico pra abrigar as batidas, afinal, a União não poderia ficar arcando com os danos que elas causavam na mobília antiga e de bom gosto. Dessa forma, ao me levantar e aproximar para ouvir a sentença eu pude ver em cima da mesa, uma peça sobressalente de madeira que funcionava como uma espécie de amortecedor e, por mais estranho que possa parecer, aquilo me confortou.
E sentença proferida, eu olhava para o advogado que me fora indicado pelo Estado já que eu não tivera a menor possibilidade de arcar com os honorários de um. Ele era um daqueles garotos legais, de fala meiga e de boa aparência, talvez uns uns 24 ou 25 anos e o jeito de quem esperava se dar bem na vida, mas, que momentos antes, sentira-se intimidado pela austeridade do juiz que em boa parte do julgamento (julgamento? uma piada,isso sim!) o intimidou ao indeferir sistematicamente suas alegações. Evidente, e eu sabia que já fora sentenciado antes mesmo julgamento,quando ao sentar-se no banco dos réus fui fulminado pelo olhar preconceituoso e odioso do senhor juiz. E certamente foi um caso recíproco de antipatia pois também não fora com a cara dele. E, em sendo assim, acredito que a prepotência aliada ao seu preconceito deve ter abalado o pouco que restara da autoconfiança do meu advogado, e isso acabou fazendo sentir-se tão ou mais culpado que eu, e aí, nada ou, quase nada ele pode fazer por nós. E eu continuava o olhando e ele não conseguia me retribuir o olhar e me parecia tão desprotegido como um gatinho arrancado das tetas da mãe, e então, passados alguns segundos, ele levantou o olhar e me fixou desajeitadamente me fazendo sentir toda sua decepção por não ter conseguido me livrar da acusação.
Como nada mais havia a ser feito só me restou rir de daquela comédia absurda. E assim, eu acabava de me conscientizar que estava condenado a 1 ano de reclusão, já que não havia os 15 mil reais que conseguisse me livrar dessa.
- Ok, doutor Erico, está tudo bem! Apareça em lá casa para tomarmos umas cervejas quando tudo isso terminar - eu lhe disse, antes que me saíssem porta afora.
- Ok, vou sim, senhor China, aparecerei por lá! - respondeu, ajeitando os papéis e os enfiando rapidamente dentro da maleta executiva.
Claro, ele nunca apareceu e foi aquela a última vez que o vi.


Mas qual foi à acusação? haverão de me perguntar.
Ah! A acusação foi simplesmente de ser um perfil FAKE e transitar livremente pelo ORKUT, barbarizando outros perfis normais e detonando pessoas de boa índole. E talvez não gostassem desse meu transito exacerbado, livre e sem compromissos por suas páginas, falando o que bem quisesse, insinuando aqui e ali casos amorosos ou mesmo, hipotéticas trepadas virtuais.
Talvez não suportassem a idéia que me mantesse no anonimato de um perfil irreal e sob o seu manto e, em alguma Comunidade por aí, insinuasse qualquer admiração ou tesão por um outro perfil, ou que dissesse que gostaria de transar com alguma madame X, fosse ela um perfil verdadeiro ou não.
E por falar em perfil FAKE, nada como considerar algumas situações vividas dentro de algumas Comunidades que se tornaram as minhas favoritas. Nessas comunidades as pessoas são inteligentes e interessantes e os papos que rolam são pra lá de malucos, e onde também se respira o pó da literatura nas suas mais variadas formas. Evidente, admito que se utilizar um perfil FAKE em alguns casos possa se revestir de um extremo mau gosto, pois nem todos tem a finalidade de se divertir e utilizar como nós, que conseguimos fazer dos nossos fakes “quase” que uma identidade real, tal é o nível de interação e contato que mantemos. Talvez me perguntem ; Por que então não se mostrar a feição real? Bem, a mim, não faz menor diferença mostrar-me ou não, mas, ao sabermos que o Veio China nada mais é que um mero personagem perdido entre os milhares que compõe esse espaço virtual e, não vendo qualquer motivo ou necessidade de fazê-lo, assim eu o deixo se permanecer.
Haverá mais algum sisudo juiz de plantão??
.....................................................................................
Ninguém?

quinta-feira, 15 de março de 2007

Sinal Verde

Matheus Costa
Ali seu Zé cantarolava
Assobiava um samba
E descansava o pé sobre o poste
Enquanto esperava o sinal fechar.

D'outro lado dona Maria
Pensava nas unhas
E ajeitava a saia curtinha
Que os carros ajudavam a subir.

Num arruma-arruma do que olhar
As coxas brasileiras da Maria
Deram força ao samba do Zé
Embaladas num molejo discreto e safadinho.

Das coxas facinho subiu pros seios
E pra boca e pros olhos
Um amor quase à primeira vista
– Das coxas pros olhos.

E se olhando continuaram
Disfarçando o sorriso
Dos olhos risonhos
– Eles já podiam se casar.

Aí, num súbito de sede e cegueira
Sem desgrudar os olhos dos olhos
A Maria confiou no Zé
Que confiou na Maria primeiro:

Atravessaram a rua assim
Se olhando e se olhando
E torcendo por um esbarrão
Que acabou um caminhão por fazer.

quarta-feira, 14 de março de 2007

(de Fernando Maia Jr.)

Ser escritor. Como definir isto? Quem pode e quem não pode dizer ser um escritor? Pode-se dizer que há escritores profissionais e escritores amadores? Se etendermos profissional como aquele que é remunerado pelo trabalho que executa e, em oposição, amador como aquele que pratica a arte por gosto e não para alcançar qualquer benefício monetário, sim, podemos dizer que há tais tipos de escritor. Mas provavelmente ambos trazem em si pelo menos uma coisa em comum: a necessidade de escrever.
Esta necessidade não é um vício, mas um pedido da própria natureza do escritor - da mesma forma como a fome é um pedido do corpo fraco e o dinheiro, do sistema. Um escritor vive escrevendo, hoje nas telas dos computadores, há pouco à máquina de escrever, ontem com a pena sobre o papel amarelado, no couro, no papiro, na pedra, na areia, no guardanapo - sempre no pensamento. Um escritor observa e escreve - ainda que o escrito se perca no amplo da sua mente e que nunca mais o próprio escritor se lembre do que escreveu. E muitas vezes sequer é preciso observar - basta que se pense e lá está o escritor; se tender a ensaísta, a dissertar; se tender a poeta, a construir ritmos, organizar rimas; se tender a prosista, a narrar, a descrever.
Porque a arte da escrita está intimamente ligada à personalidade do escritor e à maneira como ele escreve e porque ele próprio pode criar personalidades para que escrevam no lugar dele, tal arte é uma das que mais representa a diversidade não apenas humana, mas universal, pois não há átomo neste universo que um dia não venha a ser descrito nem pensamento nesta humanidade que um dia não venha a ser abordado pelas letras de um escritor ou de seus heterônimos. Tudo isso causado pela simples necessidade do escritor de escrever.
Há quem diga que a maior necessidade do escritor é a de ser lido. Entretanto, isto é apenas uma consequência, a de fazer germinar a arte produzida, porque o leitor é a terra fértil ou infértil a que o escritor arrisca lançar suas sementes, desejoso de vê-las crescer como um pai ou uma mãe carinhosos em relação a seus filhos. Daí podem surgir matas grandiosas ou pequenos jardins, um bosque bonito ou um pântano feio - mas estas metáforas não são as verdadeiramente imprescindíveis para se definir o que é ser escritor e sua fatalidade: escrever para viver!

Fernando Maia Jr.

terça-feira, 13 de março de 2007

Texto retirado por plágio

O texto que existia neste tópico foi retirado por causa do infeliz incidente de plágio que chegou até à Wikipédia.

O Bar do Escritor e seus escrevinhadores se solidarizam com a autora aviltada, Sandra Pontes, e lembra que tb execramos o plágio ou apropriação de qualquer monta.
Mão Branca

segunda-feira, 12 de março de 2007

Um corte

Cego, já velho, deformado e enrugado, esta sozinho a caminhar, procurando um abrigo, onde possa descansar. Pois sobrevive do resto, do lixo, é um ser que ninguém quer por perto, esperto, fica quieto, esperando algum resto para poder comer. Não o tratam feito gente, pois animal para muitos parece ser. Muitas vezes pisoteado, esmurrado e espancado, só para ver se sabe gemer. Muitos passam por ele e sentem medo ao lhe ver, as mães ensinam seus filhos que perto dele não se deve chegar, entristecido não fica mais, pois acostumou a se esconder.
Muitos o tacham de drogado ou bêbado, mas se bebe a para tentar esquecer, que família já teve, que feliz já foi, mas hoje só lhe resta a dor e a agonia. Da boca de muitos já ouvi, o como eu sofro por aqui, mas entre só ele que
tem o direito de dizer que esta nesse mundo apenas a sofrer.

Anaconda de Deus

domingo, 11 de março de 2007

Otávio não é de Rocha.

Desço do carro sem me preocupar com a rua, com minhas coisas e o porteiro vitalício que já cansei de ver. Subindo à casa ouço vozes e me deparo com uma festinha familiar. Todos me cumprimentam, não muito breve nem usualmente, como se eu fosse a razão pela qual eles pudessem se fazerem ouvidos e interessantes com as suas fofoquinhas e juízos de valor. Deve ser pelo meu aniversário que está perto ou somente estão agradecidos pela ocasião de exercitar a “socialidade”.
A casa estava mudada. Coisa sem muita importância pois todos os móveis eram conhecidos. Verdade que estava bem mais bonita, mas a essência das coisas era igual: as pessoas com as mesmas mágoas, piadas e crueldade que só a intimidade é capaz de conferir-lhes, mas com as roupas e expressões embelezadas; os móveis e as paredes velhos cobertos de enfeites novos; o sofá cor de nada todo rasgado por Vivi, agora era mostarda e tinha uns pezinhos prateados. Tudo perfeitamente explicado por um dia de festa. E por falar em Vivi, cadê ela?
-“Que pele bonita, meu filho! Tá tão mais branca!”
Como de costume, a família não me permite uma ensimesmação prolongada.
-“Otávio, se cuide...”
-“Agora tá a cara do pai mesmo, duas bolas!”
E meu também velho repertório de humor irônico e sensato tão responsável por minhas vitórias e ar de superioridade.
Com as vaidades aguçadas e cansado do carinho e indiscrição da família, vou para o quarto com a tranqüilizadora idéia de intimidade. Abro a porta e vejo Vivi. Por que será que ela está aqui metida no quarto? Lhe observo com euforia e carinho esperando que ela corra para os meus braços, mas ela fica ali, quietinha. Deve estar dormindo...
Entro devagarinho e tento acariciá-la, mas um pulo sobressaltado lhe leva correndo pela varanda. Pronto! Todo mundo ouviu o tumulto! Minha frágil superioridade e intimidade se foram, estou mais uma vez metido nesse cenário!
Na tentativa de salvar o pouco que me sobrou de paz e dignidade, tento me aproximar dela novamente com gestos discretos e amáveis. Não faz sentido ela me tratar assim, logo ela que é louca por mim, que me seguia por todos os lados, e implorava pra dormir comigo... certamente lhe dei um susto grande, coitada!
Me aproximo confiante... filha da puta! Quase me morde! Todos me olham com pena. E dando a última pincelada nessa cena ridícula, me refugio no velho espelho da sala , humilhado, evitando os olhares alheios. Mas o esconderijo é meu pior delator! Imóvel, atacado, despido... vejo o passar dos anos na minha carne flácida, a distância na minha expressão, e destacado pela dessimilitude do que me rodeia, surpreendo minha mente artificiosa tentando me tornar mais um Rocha... negando-os.
Não só Hegel e minhas filosofias idealistas e "cults", tão arduamente construídas na adolescência, caíram por terra, a realidade está fora de mim, me morde, me reclama, acusa a estranheza do que não sou. Os latidos de Vivi reclamavam minha identidade.


Jimenna Rocha.

sábado, 10 de março de 2007

sexta-feira, 9 de março de 2007

Barro


No princípio era apenas uma massa de barro, disforme, umedecida em virtude da chuva inaugural que desabara minutos antes. O hábil escultor tomou em suas mãos calejadas a amorfa liga de argila e água e, por intermédio de movimentos circulares, transformou-a em uma esfera. Observando a bolota de lama condensada, recordou-se com um sorriso emoldurando o rosto a forma dos incontáveis planetas a pontilhar o espaço e, enquanto a dividia em cinco esferas menores concluiu, satisfeito, que a finitude das coisas havia sido uma bela idéia.

Iniciou sua obra construindo o modelo. Das cinco pelotas de barro nasceram o tronco, duas pernas, igual número de braços e a cabeça que, unidas, já insinuavam a forma humanóide. O talento inquestionável do escultor moldou os músculos do tórax e dos membros. Em seguida, esculpiu artérias protuberantes por todo o corpo, dando aspecto atlético a figura. Trabalhava com extrema rapidez, modelando olhos, lábios, orelhas e o nariz. Preocupou-se com os acabamentos, dedos, unhas, pêlos, linhas das mãos. Gostou do resultado, achando que a escultura carregava certa semelhança com o próprio artista. “Que obra de arte é o homem!”, exclamou enquanto soprava a narina do boneco de barro, contemplando-o com o hálito da vida.“Ide Adão! Segue o teu destino”, disse o Criador à criatura antes de largá-la, sozinha e indefesa, na vastidão daquele mundo por Ele também arquitetado.

quinta-feira, 8 de março de 2007

diálogo experimental

Pegou o telefone e foi falando:
- Telefonista, liga pra ambulância. Tô achando que eu vou morrer.
- Eu não sou telefonista.
- Como não? Isso é algum tipo de brincadeira?
- Esse negócio de telefonista só acontece em filme americano. Vc tá no terceiro mundo, camarada.
- E quem é vc então?
- Pode-se dizer que eu não existo.
- O quê?!?!
- Na verdade, eu sou a sua consciência.
- Ó. É mesmo, cara?... Legal... E aí, como vc tá?
- Eu tô bem. Mas sabe o q é? Eu queria falar com vc. Vc está?
- Ih, cara... pode-se dizer que não. Quer deixar algum recado pra mim?
- Sim. Fala pra vc parar de brincar com os cogumelos.
- Tá bom. Quando eu chegar, me aviso.

Emanuel Mello

terça-feira, 6 de março de 2007

Estória


Arlindo Orlando nascera em fins dos anos 60. Caboclinho típico, miscigenado até o último fio-de-cabelo. Viera de uma família complicada. Parte dos estigmas que carregou se devia a isso... Era neto de assaltante de Bancos famoso pela inteligência. Vovô Alfredo fora respeitado pela bandidagem das antigas, sobretudo , quando da última prisão, acabara líder dos presos políticos , lá na Ilha Grande.
Seu pai – Cesinha da Milonga- ainda era ritmista de Escola de Samba. Vivera sempre assim... Um representante sazonal da Cultura Nacional.
Quando o Carnaval acabava, restavam-lhe , apenas, os turistas pingando alguns trocados em seus “pockets Shows” nos bares do litoral da Zona Sul Carioca. Viúvo, era daí que tirava o sustento dele e do moleque.
Ele mesmo -Arlindo- iniciou sua vida produtiva, acompanhando o Jogo-do-Bicho na quadra da Escola de Samba, e, desde moleque, já fazia pequenos serviços às bancas de rateio. Logo se tornou apontador chefe,com meros 16 anos, pois , suas habilidades com os números fizeram dele uma lenda.
Um dos Grandes Beneméritos da Escola de Samba - Dr Da Silva– era, oficialmente , empresário famoso da área de finanças .Um sujeito alto ,forte e branquelo ; conquistador barato daquele lugar , e que , praticamente ,adotou-o dando-lhe estudo. Arlindo não seria mais um moleque perdido pelas esquinas. Ao menos era nisso em que ele acreditava...Afinal, havia sobrevivido à própria sina, como diziam muitos de seus parentes mais próximos.
Todas essas lembranças lhe vieram à mente , em meio à festa de final-de-ano da Companhia. Seria o momento em que todo o seu trabalho teria, enfim , reconhecimento. Ele sabia – intimamente- que grande parte desta década e meia, fora uma provação diária para ele. Ao abdicar de suas mais profundas crenças, tornara-se apenas mais um número no setor de Recursos Humanos, com o diferencial das suas incríveis habilidades, que , em meio às falsidades do mercado, faziam suas interferências e soluções serem alvo do respeito de todos. E, por que não dizer, da inveja também.
Por muitas vezes, Arlindo sorrira fraterno , para um pobre coitado que, no dia seguinte, seria mais um falido, engolido pelo rolo compressor da Companhia desalmada, da qual ele era mais um número , muito embora fosse o melhor deles. Para ele, se a guerra era inevitável,melhor seria fuzilar sorrindo. Como, aliás , Judas havia feito um dia...
Mas ele tinha que esquecer destas estórias, pois, agora era momento de festa! E ocorreria a nomeação do novo Superintendente, mantida trancada à sete-chaves, pelo respeitado Dr: Da Silva.
Apesar das rodas de aposta jurarem que ele, Arlindo, era o favorito ao cargo, ele bem conhecia as excentricidades do patrão. Mesmo que ,nos negócios, o pragmatismo fosse a tônica, ele não seria ingênuo de desconsiderar as esquisitices de um homem à beira da morte,vítima de esclerose múltipla, embora, ainda, debochadamente, consciente de seu poder; hemi entrevado numa cadeira de rodas moderníssima, fabricada (diziam...) pelas equipes da NASA.
Da Silva sempre fazia que todos engolissem suas vontades. . . Acostumara-se a impôr suas vontades. Nada importava. Só a sua vontade.
E mesmo nessa festa... Não perderia a chance de subjulgar tudo e todos . O que dizer de uma caipirinha – intragável- feita de Tequila, Mexericas e adoçante...? Aliás, a única bebida servida, ao longo do Cocktail. Adorava aquela mistura antagônica...
Nem água, nem refrigerantes... Nada além. Apenas a beberagem, apropriadamente apelidada , nos bastidores, de “ AMBEV – Aceite ,Misture,Beba ,Enjoe e Vomite”. Sim... Na entrada, modeletes em fim de carreira , ofertavam brindes corporativos, onde cartelas de Engov , eram o destaque. Parte do show particular de Da Silva iría começar. Parte , apenas...
Tudo corria como em toda festa, até que os ritmistas estranhamente pararam de tocar o Samba da Escola campeã. Uma correria se seguiu, para longe de um negro alto , que , com o laço do surdo atravessado no peito, trazia uma pistola prateada na mão. Sem dizer uma só palavra, o homem encosta o cano na têmpora de Da silva e atira. Um só tiro. E , aquele homem cuja morte era mera questão de pouco tempo, cai curvado , de olhos esbugalhados , e sorriso aliviado, na direção de Arlindo como se quisesse falar-lhe algo .
A frase do assassino ainda ecoava nos ouvidos de todos. Ele dissera à vítima que 33 anos foram o bastante .
Arlindo reconheceu o assassino pela voz. Era seu pai. O mesmo artista que driblava a fome com Arte. O mesmo homem, outrora sorridente, que naquele momento , ele não reconhecia mais. O mesmo homem, agora, deformado e crivado de balas,tingindo o surdo de vermelho.Arrastado para fora, como um saco de lixo...Inerte.
Um dos assistentes pega o envelope, caído ao lado do corpo de Da Silva, que, já era retirado do local. Muitos curvaram-se em reverência, aproveitando para , catarem nos bolsos suas apostas feitas. Muitos
apostadores haviam acertado o nome escolhido, e , alguns deles já bêbados, esfregavam as mãos. A banca-de-aposta quebrou nessa noite. A Festa – claro – acabou. Mas não se ouviu choro algum... Tampouco lamentos. Nem, dos Bookmakers que perderam uma grana preta. Parecia que aquilo já era esperado. Há muito tempo.
Os jornais noticiaram tudo no dia seguinte. Mas, em poucos dias, outra tragédia tomou conta das primeiras páginas. Era a vida. E a vida era assim mesmo.
Arlindo chegou onde sempre desejou, pelas mãos de um destino excêntrico. Coroado com sangue misturado de dois homens. Homens tão distantes entre si, e unidos num mesmo destino com hora marcada. A hora em que um deles decidiu que era a hora.
“(...)O que não tem jeito , ajeitado está...” dizia seu velho avô no passado não tão distante assim. Mas, Arlindo sentia uma verdadeira antítese de emoções . Uma mistura irracional de prazer e tristeza.
A vacância do cargo fez dele Presidente Temporário.E na verdade, por falta de herdeiros , sabia-se vitalício. Um cargo onde ele nunca imaginara estar. Um cargo ,onde as reverências dos colegas, sempre eram feitas com a respiração presa, com olhares baixos . Os tapinhas nas costas , pelos corredores, pareciam punhaladas que não sangravam.
Mas, a Companhia sem alma tinha um novo patrão. Dr: Arlindo. De corpo e alma. Um caboclinho orfão . De pais e mãe.
Saiu da sala que, agora, tinha seu nome estampado na porta,em letras garrafais e douradas. Pegou o elevador e subiu para a cobertura, que , lá do alto, vislumbrava toda a cidade adormecida. Lá de cima do Edifício Sede , olhou para o céu, e procurou sua mãe por entre as estrelas . Ela chamava-se Dalva. Como a Estrela... Ele sempre fazia isso, há 33 anos, desde que ela fora assassinada misteriosamente, em um apartamento bem em frente a quadra da Escola de Samba. Diziam ter sido um assalto.Ou um engano. Nunca se soube o que , de fato, acontecera. Diziam que o caso fora abafado. A autoria , desconhecida.
A verdade, nunca apareceu . Só comentários no passado, um aqui, outro ali, que nunca lhe pareceram conexos. E , alguns tapas nas costas, pesarosos e mal contendo um riso disfarçado.
Olhou novamente a cidade adormecida. As nuvens haviam escondido as estrelas . Era seu aniversário . Lembrou da primeira bicicleta que Dalva lhe dera , ganha numa rifa da Escola de Samba .E finalmente entendeu tudo.

Caroline - Série Bonecas de Papel

(foto: Alex Costa)

Por muito tempo reservei-me ao silêncio, nunca gostei de falar muito sobre minhas divagações, sobre minhas preferências, sobre meus interesses. Sempre que me atrevia a fazê-lo, consideravam-me uma perdida. Não que seja uma mulher à frente de meu tempo, nem tão pouco minhas visões sobre o mundo sejam diferentes da maioria das outras pessoas, a verdade é uma só, olham-me torto por gostar de meninas.
Bem, acho que me interpretei mal, não tenho nada contra meninos, nem contra sua libido exagerada, e a falta controle, quando os assuntos são sexuais. Não vou generalizar, pois já conheci muitos homens que faziam sexo tão bem quanto uma mulher, mas a maioria acha que dizer “gostosa” a uma desconhecida que passa na rua é um elogio, não uma grosseria, e que algumas respondem, mesmo que caladas: “vai tomar no cu, filho da puta, nunca viu bunda não?”
Minha mãe, carola, daquelas que não soltava da barra da saia do padre, mal percebia que ele também era diferente, como eu. Um dia ela me flagrou dando um selinho de despedida em uma colega de classe, ameaçou-me com duas bofetadas e com a pergunta mais hipócrita que já ouvi:
“_ Você não tem vergonha na cara?”
Como se fosse vergonhoso gostar de minha colega e ser beijada por ela.
Aprendi desde muito cedo a ter respeito pelos outros, coisas do tipo, não importa a raça, a religião, importa, sim, a índole da pessoa, mas, na realidade, aprendi a hipocrisia, sentimento comum no ser humano.
Será que a opção sexual de alguém fere o direito de outras pessoas?
Outro dia vi no Jornal Nacional que um policial prendeu duas meninas dentro do campus da USP, no refeitório, por estarem beijando-se na boca, uma sentada no colo da outra. Pergunto-me se fosse um casal “convencional”, teriam sido detidos? Creio piamente que não.
Quem deveria ser detido era o milico, que além de ser preconceituoso, abusou do seu poder para demonstrar seu preconceito.
Não acredito, nunca vi e nem vivi coisa mais linda que duas mulheres se amando, há uma aura, uma delicadeza, uma transcendência única, de espíritos que se entendem profundamente.
Quem dera hoje, minha querida Caroline, Carol, como te chamava ao pé do ouvido, tivesse quebrado meu silêncio provinciano antes, queria não ter sido covarde, não ter fugido do amor que tinha por ti, nem cedido aos caprichos de minha mãe.
Hoje, trago-te rosas vermelhas, não mais brancas, como sempre fiz, pois tenho uma confissão a fazer-te, encontrei alguém que me ama, assim como me amou um dia. Mas sou outra pessoa, diferente daquela criança que era, quando nos conhecemos, quando fazíamos amor no banheiro das meninas.
Só agora compreendo a força que brota de um coração dilacerado, só agora entendo seu ato de desespero e a sua coragem. Todos os anos, nesta mesma data, eu venho, e a cada ano que se passava, menos me entendia, e mais compreendia a força que de empurrou pra esse abismo. Ao ler “Aqui jaz uma moça que amou, que chorou, que lutou e desistiu”, revolto-me, pois sabemos que isso não é verdade.
Pichei no mármore frio, com tinta vermelha “Aqui jaz uma moça que soube amar e ensinou-me o amor!”

segunda-feira, 5 de março de 2007

Estréia

Chegou o dia 5.
É minha vez. O dia cinco de março é dia da minha estréia no Bar do Escritor.
Três dias antes disseram que eu ficaria nervoso.
Eu me lembro de ter dito que eu tiraria de letra. O alfabeto inteiro. Estava tranqüilo. Tranqüilíssimo.
Isso foi três dias antes. Era começo de noite do dia dois.
Passei a noite em claro. Contei carneirinhos. Pensei no meu texto. Contei mais carneirinhos. Tomei água com açúcar. Contei carneirinhos. Bobagem, água com açúcar. Aguinha com açúcar e carneirinhos. Daqui a pouco aparece o lobo mau e bota um fim essa história infantil. Pensei num texto e virei um vidro de maracujina. Apaguei rapidinho.
Texto que é bom, nada.
Graças à maracujina, meu dia 3 começou lá pela uma da tarde. Aí tive que recuperar o tempo perdido fazer aquilo que deixei de fazer pela manhã.
Por que diabos fui escolher o dia cinco? O mês tem trinta dias e fui escolher logo um dia lá do comecinho. O calendário estava todo aberto e escolhi aquele número. Sou burro mesmo. Poderia, por exemplo, ter escolhido uma das dezenas do burro: nove a doze. Teria ganho uma semana.
Rogaram praga.
Já chegou outra noite, não preparei meu escrito e os lençóis já começaram a pesar. Apesar de você, amanhã há de ser outro dia... A cabeça gira, gira e gira e gira e nada de fixar um conto ou uma crônica. Levanto da cama, pego um copo com água e digo com voz firme e alta:
– Não vou fazer a besteira de tomar outro vidro de maracujina. Eu sou um escritor responsável. Olhei para o copo de novo e de acordo com minha palavra, rapidamente engoli uma bolinha vermelha de Lexotan.
O dia 4 começou sonolento às três da tarde.
Meu tempo está acabando. Tenho de ter a idéia, escrever, revisar e postar. A contagem regressiva está próxima do dois , um fogo!
Ai! Deu dor de barriga.
Por que as estréias são assim?
Eu poderia ter ganho dois dias e escolhido o dia sete. Sete são as notas musicais. Sete são as cores do arco-íris. Sete são os motivos pelos quais não consigo escrever.
Meu tempo está se esgotando rapidamente e ainda tenho que organizar tudo para uma festa aqui em casa amanhã.
Tudo o que eu sempre quis na vida era escrever e ser lido. Minha grande oportunidade chegou. Dia cinco, por quê?
No fundo eu sei. Dia cinco de março completo 55 anos. É meu aniversário.
Este é meu melhor presente para quem escreve: escrever e ter alguém que leia até aqui.
Obrigado.

domingo, 4 de março de 2007

Dia de Festa

O garoto traquina acordou espevitado. Menino problema, meio flagelo mirim, aprontava todos os dias, mas desde semana passada era a própria imagem de anjinho- pintado-na-capela-sistina: bonitinho e estático. Esperava esse dia como quem espera um grande amor, uma promoção ou o resultado de um concurso. Era o dia em que ganhava, ao contrário dos costumeiros cascudos e chineladas (merecidos; frutos diretos das suas traquinagens), vários parabéns e de quebra alguns presentes. Não conseguira dormir direito, mas isso nem de longe poderia chamar de novidade. Era hiperativo, daí que adormecer sempre fora difícil. Era o que dizia sua mãe. (Que religiosamente, toda a santa vez que encontrava as amigas ou parentes contava e recontava as “danuíras” do prodígio-problema: vidros quebrados, brinquedos desmontados, o dia em que colocou fogo no vestido de casamento de uma prima do interior, quase destruindo a casa junto; que toda vez que o punha para dormir, era ela que ferrava no sono; que já fugiu até no caminhão de entrega da loja Carlos Saraiva, entre outras).
Mas nesse dia ele nada fizera de usual. Não havia tido nenhum vidro quebrado, nem colocado fogo em nada. Ainda. Com a expectativa aumentando que viu chegando um a um os parentes. Era dia de parabéns. Era dia de presente. Ficou parado no alpendre, cara mais lerda do planeta. Os tios apertavam a mão, as tias davam beijinhos, os primos vinham fazendo festa e trazendo os embrulhos: era a senha para correr para o quarto e rasgar finos papéis de presente, ora desenhados com motivos infantis (e meio idiotas, diga-se de passagem), outras com cores berrantes. Tudo no durex. Nenhum lacinho, pois lacinho era coisa de menininha.
Foi abrindo pressente por presente. Carrinho de bombeiro, avião, um falcon já fora de moda, algumas camisetas (Tia Tereza me paga!), um pião que nunca conseguiria usar (e que desapareceria em um bueiro dentro de exatos cinco dias), além de um pega varetas dado pelo namorado-universitário-quebrado de uma prima... Estava lá no meio de seus recém descobertos tesouros, quando o pai veio e lhe deu a jóia de maior valor e que ele esperava desde o meio do ano: um carrinho de controle remoto. Bom, remoto, remoto, ele não era. Tinha um cordãozinho que ligava o brinquedo a um pequeno controle que só possuía dois comandos, o que ia para frente e claro, o que dava ré. Mas era um carro de polícia, uma Mercedes, como ficaria sabendo alguns anos depois. Abraçou o pai agradecido e convidou os primos e amigos para estrearem a viatura na área do fundo, espaçosa e perfeita para um “test-drive”.
No meio do círculo formado pela garotada, lá estava ele na sua tentativa de “dia de rei”. Todo aniversariante é rei neste dia, como já tinha dito a avó. Mas a avó havia se enganado no caso dele em particular. Os primos podiam ser reis, como também os amigos, mas ele nunca era rei, nem em seu próprio aniversário (tá, no máximo um príncipe, mas logo virava sapo). Ele sabia disso. Sua magia não duraria muito tempo.
Um recém chegado primo rico, vindo da capital, foi quem pôs fim ao encantamento. Após cinco minutos observando a gurizada enfeitiçada com o minúsculo veículo, foi ao carro do pai. Veio de lá com uma caixa enorme. De dentro dela sacou um enorme Pegasus, o lançamento do ano, no mundo dos brinquedos; o Oscar dos carrinhos de controle, pois tinha um controle de verdade, que além de ser totalmente independente do brinquedo; por si só já era maior que o seu concorrente. Deu uma volta completa na turba de crianças que saíram correndo atrás daquela beleza dourada (haviam duas versões; a outra era prateada). O aniversariante pegou timidamente seu carrinho no chão e foi depositá-lo junto aos outros brinquedos. Os primos e amigos pegaram então cada um, seus respectivos presentes para tentar fazer frente à oitava maravilha da Estrela.
Pronto. Era sapo novamente. Pensou em colocar fogo em algo, ou quebrar algum vidro, mas as pernas franzinas ainda estavam marcadas da sova que havia levado não faziam dois dias. Apanhar no aniversário definitivamente não ajudaria em nada. Olhou para os tios que estavam junto com o pai, agora entregues ao jogo de truco e tomando cerveja; as tias reunidas na cozinha, a mãe contando novamente as diabruras dele.
Foi para a sala e sentou-se no canto, observando a avó tocar Sonata ao Luar no Piano (naquele momento pareceu a música mais triste e bonita da sua vida). Guardou aquele momento por anos, até uma psicóloga dizer que era bobagem e convidá-lo para o motel; mas isso seria anos depois. Ao final da música, sentou-se ao lado dela cabisbaixo:
- Vó, aniversário é um dia especial, não é?
- Claro, meu querido. É o dia em que celebramos mais um ano que nos foi concedido nesta terra. A comemoração da nossa chegada, que é celebrada por todos os que gostam de nós.
- A senhora fez muitos aniversários?
- Muito mais do que imaginava que faria um dia.
- E ganhou muitos presentes?
- Sim. Ganhei presentes maravilhosos, coisas que me são queridas até hoje.
- Vó, por que no aniversário dos meus primos e amigos, só eles ganham presentes e no meu aniversário todo mundo ganha?
- Por que você nasceu no Natal, idiota...

CAMINHOS

Um sorriso perdido no tempo
É tudo o que me resta
Daquele contentamento
Um dia vivido...
Agora vivo outra vida;
O passado perdido
E meu futuro incerto
Tramam juntos
Teimando em controlar
Um destino que não me pertence.

Sou outro
Que não torce mais por coisa alguma
Sou neutro
E as decisões não são mais minhas

Sigo esse descaminho
Como outros tantos;
Em desatino me pergunto Até quando?

Cristiano Neto
"Deveras"

sábado, 3 de março de 2007

O caixão

A onda do ano dois mil é a morte. A onda de todos os anos é a morte. Quando se fala em vida, o que se diz é Morte. Se não fosse a morte, UAU!

E é aqui que lhes devo contar sobre Johny Le Perro. Johny Le Perro era um cachorro. Que percebeu a verdade da vida, e até seu último suspiro, matou até morrer.

Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

sexta-feira, 2 de março de 2007

MonAlisa

Rita tinha dois empregos, zeladora da universidade e diarista.Tudo para manter Manuela, sua filha, no curso de arquitetura. Mona, era assim que a chamava, pois tinha o mesmo sorriso enigmático da Monalisa de Da Vinci.

Estava fazendo uma prova para bolsa de estudos.

-Ei...Psiu, Mona...Era Júlio, seu velho amigo de infância pedindo cola. - A 2ª, por favor...Mona ergueu a saia e mostrou um pedaço de papel colado à calcinha de renda. Julio ficou tenso, ela sempre o provocava, mas aquele não era o melhor momento.

-Pegue.- A moça o olhou com malícia. Júlio estendeu a mão e tocou no papel, trêmulo. Mona deslizou na cadeira fazendo-o tocar no fundo úmido e fino da malha de algodão. Puxou a mão do garoto e o fez gemer. O papel que havia sido arrancado caiu ao chão. Mona fez menção de pegá-lo quando...

-Deixe que eu pego.- Era o professor que assistira tudo. Pronto, estava ferrada. Que burrice.Sempre agia assim, sem pensar.Mas agora...Não!Era o fim.Sua mãe ia ter um enfarte de desgosto.

-Eu não ia colar professor.Era uma brincadeira.

-Cala a boca! Dê-me essa prova.

-Por favor,...

-Já disse, me dê essa prova!- Tomou com força e começou um longo discurso.-Cansei de ser bonzinho com você, garotinha mimada.Só está aqui por causa de sua mãe, sempre trabalhando feito uma louca enquanto você faz das suas.Bebedeiras, desacatos, sempre revoltada com o mundo.

-Por favor, professor, eu não ia colar.Uma chance, por favor...

-Uma? E todas que já dei?

-Dessa vez sou inocente.Não pretendia colar. Era uma brincadeira...

-Dê-me a prova e saia da sala.Já!

A moça entregou a prova e levantou-se.

O professor coçou a cabeça. Talvez tivesse exagerado. E se fosse só uma brincadeira mesmo? Não podia levar tudo a ferro e fogo. De qualquer maneira, ela merecia um susto.Respirou fundo e disse:

-Espera...

-Como? Mona estava sem entender.

-24 horas...Você não adora brincar com outros?Não vive tentando ser o centro das atenções?Pois agora vai ter sua chance.Tem 24 horas para me surpreender.Vale a sua prova.Mas vou adiantando, nada mais que você faça me surpreende, esgotou todas as possibilidades.

-Não to entendendo...

-Dane-se!Choque!Faça-me ficar boquiaberto.Se jogue do décimo andar, morra, mas choque!Quero ver até onde vai sua criatividade.Disse isso e foi até a porta. -Agora saia!Fora!

Na rua ainda ouvia os risos dos colegas:

-Fodida! ESTÁ FODIDA!

Entrou no ônibus e foi para casa.

O que fazer?Já tinha entrado na sala do diretor e feito um strep em cima da mesa, o que lhe rendeu 10 dias de suspensão; peidara dentro do elevador cheio de gente; já se despira durante o sermão da igreja, o que lhe rendeu uma surra. Sem saber o que fazer chegou ao portão da fazenda onde morava com a mãe. Os donos só vinham aos finais de semana. Sua mãe cuidava da manutenção da casa e dos animais. Ganhava um extra que ajudava nas despesas.

Olhou para o galinheiro e foi até a cerca.

-Olá galinhada! Sentia-se uma idiota.Qualquer galinha ali merecia mais respeito que ela. Olhou pela primeira vez para uma delas, majestosa, com suas penas amarelas. -Olá. Está quentinha aí? Tinha oito ovos e a galinha parecia querer proteger suas crias. Era uma verme mesmo! Até aquela galinha fazia tudo por seus filhos. A mãe, coitada, teria uma síncope quando soubesse que perdeu a prova. Pegou um dos ovos e agasalhou junto ao corpo.Sentia necessidade de ser útil.

No dia seguinte, o professor entrava na universidade quando o zelador veio ao seu encontro.

-Doutor...Não foi culpa minha.

-Do que está falando?

-A moça...Apontou para a sala de aula que estava aberta.

-Que moça?O que houve?Um frio na barriga, ele correu em direção a porta. Mona estava deitada ao chão enrolada num cobertor.Quando viu o professor sentou e disse: -Bom Dia. -Que faz aí? Dormiu aqui? Mona ergueu as mãos e mostrou o pinto que acabara de nascer.O chão ainda tinha as cascas finas do ovo. -Meu Deus!Ele estava impressionado.Você...Chocou?

Mona deu o seu famoso sorriso enigmático como resposta.

Me Morte

a puta da casa

quinta-feira, 1 de março de 2007

O Bar do Escritor

Eu passeava pelo iorGut numa comunidade de poetas. Num tópico o autor pedia comentários. Atendi:
"Não gostei do seu poema, cara, tá confuso e sem sentido."
O sujeito se encrespou:
"Idiota, o poema é ótimo e diz muita coisa!" Foi a resposta.
Comentei, então, sobre um conto numa sala de literatura.
"Tá jóia, mas há erros de português".
"Dane-se" - Retrucou o outro. - "Eu escrevo do geito que quiser."
- Jeito não se escreve do jeito que a gente quer. - Pensei em voz alta, relembrando a frase de meu pai para aprender a escrever a palavra. - Se fosse, seria com o G da gente!
Oras, será que esses escrevinhadores interNérdicos já são ególatras o suficiente para não aceitar opiniões alheias? Estúpidos. Não sabem que é na adversidade que se cresce.
Decidi, então, criar a minha própria comunidade. Um lugar onde os textos pudessem ser criticados sem nenhuma censura nem apreensão em ofender o autor. Onde?
- Só num bar se fala verdades na cara sem receber impropérios.
Criei o Bar do Escritor. Fiz uma pequena propaganda e logo algumas pessoas entraram.
"Como você tem coragem de escrever algo assim?" - Foi minha doce crítica a uma das primeiras crônicas.
"É verdade"- Respondeu - "preciso melhorar."
Fiquei surpreso. E adorei. Existem outros que, como eu, não se consideram a última cerveja do freezer.
Quase dois anos se passaram. As discussões no bar pelavam os desavisados, assustando os excessivamente sensíveis e atraindo todos aqueles que gostavam de falar a verdade. Escritores, leitores, fakes*, críticos, pensadores, chatos, ateus, neuróticos, até pessoas normais tornaram a comunidade um ambiente agradável porém jamais impassível.
Meio viciado no prazer de conversar sobre literatura, resolvi difundir o que fazíamos, afinal, a mim era tão interessante opinar sobre os textos dos colegas e ter minhas próprias coisas sinceramente analisadas por eles que, num arroubo, programei um ezine dos debates e um blog diário para resenhas dos membros. Tudo gratuito, utilizando recursos da rede.
- Agora escrevo do jeito que quiser! - Exclamei, em voz alta, ao finalizar a organização. - Afinal, não quero que comadres literárias elogiem minhas coisas sem verdade e me deixem na pose ridícula de satisfeito com minhas letras se, ao contrário, eu houver cometido besteira. Bons amigos criticam os erros!
Alcançaremos algum resultado neste meio tão hermético?
Já alcançamos! Caminhamos sobre nossos próprios passos. Concordamos e discordamos percebendo que, independente do gosto pessoal de cada um - que, na verdade, é como bunda, cada qual com a sua - somos mais fortes quando unidos, mais interessantes em grupo e muito mais divertidos quando criticamos algum cretino do que quando elogiamos um bom texto.
Este é o Bar do Escritor. Um lugar sem censura, sem dinheiro, sem puxa-sacos, sem editores absolutos e, principalmente, sem inverdades.

Giovani Iemini,
o barmam.

* Fake - falso, em inglês, é um personagem criado para esconder a identidade real, muito popular no Orkut. É a versão virtual dos pseudônimos.