terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Convidado Ronie Von Rosa Martins



A VELHA


Todo cão é um bicho. O homem. Bicho também. Pensou a velha. Sentada na cadeira. Rosto na janela. Moldura antiga. Vetusta imagem do tempo gravada. Nas rugas que percorriam todas as carnes que compunham o rosto da velha.  A televisão era a janela. Sempre a janela. E o fora do mundo. O seu.

A rua e sua oferta. Pobre a rua. Mas proposta. Que recusara há muito. A janela bastava. E os olhos iam longe. O que não viam criavam. Poderosos olhos de inventar verdades. Que seriam ou não.  Virtualidade latente. A semente e a árvore. A árvore em estado de vontade de ser.
Velha. Lhe chamavam carinhosamente. E sorria sempre. Dentes desgastados mas ainda presentes em sorriso espirituoso e distante. Os parentes eram memória. O marido ausência. A morte era uma coisa interessante. Pensava. No início magoava, doía. Depois afagava, acarinhava... não sabia se queria. Estava em dúvida.
Decisão difícil. Viajar para o distante... sorriu. A janela como moldura. Da rua os olhos outros sempre viam o mesmo quadro. Até a noite. No escuro. Não saia da janela. O sono não existia, parecia morte, e ela não tinha decidido.
E era com ela. Ninguém interferiria. Ela tinha o poder. Na aparente fragilidade,  uma força latente pulsava, e era nos olhos grandes e claros que se mostrava. Olhos de ver tudo. Olhos de devorar tudo. Nem a noite escondia dela seus segredos. E da janela ela via. Sem medo. Via as angústias de todos, os medos. Via os fantasmas e segredos que escapavam dos sonhos e dos tormentos noturnos. Também as fantasias e os terrores, desejos... e nem ruborizava, acostumada com as coisas humanas dos homens.
Criaturas estranhas.


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Ronie Von Rosa Martins



segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Eu não escrevo o amor, mas amo quando escrevo...



amor se faz amando
como tratamento cancerígeno
mata-se temores
mata-se pudores
depois em metástase
nascem plenos, de novo
pelas veias, pele, em rogos
gemidos, gritos sem socorro
corpos grudam em harmonia
numa plena quimioterapia
numa cura total, sem cura
num ápice carnal, que não dura
acaba em gozo
ou crime passional...

sábado, 27 de dezembro de 2014

Retrospectiva 2014



        Esse ano de 2014 foi um ano de conquistas literárias, inéditas, e que muito me alegraram. São elas:

     Duas poesias selecionadas nos concursos "Poesia no ônibus", de Gravataí e Santa Rosa, cidades gaúchas.
     Nesse concurso, poesias são selecionadas para serem transformadas em adesivos, colados nos ônibus que percorrem as ruas dessas cidades. Há uma iniciativa igual em Porto Alegre, mas lá não consegui ser classificado. Vejam os textos:


POEMINHA (SANTA ROSA)

Passatempo
Passarada
Passarela
Passageiro

Tudo passa
Só não passa
Teu passado em mim


TERCETO (GRAVATAÍ)

Jardineiro
Trabalho que me encanta:

Cabeleireiro de planta.



     Uma poesia selecionada no concurso "Pão e Poesia", promovido pela prefeitura de Blumenau (SC).
     Nesse concurso, poesias são impressas em sacos de pão, distribuídos em pontos diversos de Blumenau e de cidades ao seu redor, como Gaspar e Timbó.

     Veja qual foi no seguinte link: http://www.recantodasletras.com.br/poesiasdeamor/5047288


     Outra conquista será a publicação de um conto meu, em uma antologia organizada na Alemanha. Mas, por enquanto, prefiro manter segredo. Aguardem notícias sobre esse livro em  2015...

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Pequeno Assovio

Me sinto pequeno, diante de cada harmonia que a princípio soa simples, mas a cima de tudo soa sincera. É como se todas as minhas tentativas fossem meros falsetes, com extremo esforço posso atingir um purismo técnico, porém vazio de criatividade. No momento em que penso isso, caminho sobre a praia. Minhas calças jeans e minha camisa vermelho sangue chama atenção no meio de tantos corpos seminus.
Paro. Olho para o mar e vejo as linhas poéticas que surgem de cada onda. Ele zomba de mim. O mar zomba de mim. Brincalhão como é, não poderia fazer algo diferente naquele momento.
- Oi.
Olho pro lado e lá está ela. Pequena menina branquinha, singular em cada gesto, mulher atraente aos olhos comuns, muito atraente.
- Nunca pensei que fosse te ver aqui.
- Nem eu.
- Como assim?
- Só quero dizer, que nunca me imagino caminhando na praia. Sei lá, é estranho pra mim. Mas tudo ultimamente anda tão estranho, que agora já não faz diferença.
Ela sorri. Ri. Sua risada é um pouco mais disfarçada do que a do mar. Mas aquilo me soa como um sorriso. Vejo os dentes e a boca, tudo fica em silencio naquele momento. Quantas vezes eu beijei aquela boca? Era salgada como o mar? Talvez só no final. Ela me pergunta:
- Mas afinal quais são suas crises atuais?
- Inutilidade poética em pleno auge criativo.
Belos sons de gargalhada. Maravilhosos sons de gargalhada.
- Como assim? O que isso quer dizer?
- Não sei, é essa a questão. Não quer dizer que eu não tenha feito nada, mas tudo soa como inútil. Para poesia, pro nosso mundo até que tem algum valor.
- Você sabe que não vejo sentido nenhum nessa conversa.
- Sério? Pensava que não. Qual foi a última vez que a gente se viu?
- Sei lá, faz muito tempo. Você tá mais maluco do que antes, acho que foi por isso que a gente não deu certo.
- A gente não deu certo pela utilidade que eu almejava naquela época. E agora que tudo finalmente se torna inútil, eu não vejo sentido.
- Meu Deus, as vezes isso cansa sabia? Você nunca pensou em relaxar, em ser normal?
- Normal? Corta essa vai. Você sabe o tanto que isso é furado.
- Sei, mas quem sabe dizer essas coisas não te ajuda a voltar pro eixo.
- Eixo, eixo, eixo, eixo, exu, exu.
- Acho que já vou indo.
- Não espera, senta aqui do meu lado.
Ela usava biquíni, o loiro do cabelo refletia bem o sol. A pele tinha um contraste bom com aquilo e eu despenteado como sempre sentia o suor escorrer, grudento, simplesmente grudento. Mesmo assim me atrevia a estar ali, ao seu lado, na ousadia da troca de presenças.
Sentamos. Foi bom. Realmente bom saber que existia alguém ali do meu lado, olhando o mar zombeteiro e que a chacotas do espelho já não seriam secretas. O que ela pensava, o que ela pensava dele, o que pensava de mim? O que eu penso sobre ela? Quem dera fosse a única, mas foram tantas que minha esquisitice teimou em afastar. Se afasto tanto porque será que atraio? Consiste numa teoria de polos opostos e complementares?
- Você não tá com calor com essa roupa?
- Sim.
Olho pra ela bem nos olhos. Azuis, porém bastante sérios.
- Pra você o que é conversar comigo nesse exato momento?
- Estranho, como sempre foi.
- Entendo.
- Entende nada, finge que entende.
Eis o meu primeiro sorriso do dia. Ela gosta, gostou, sei que gostou. Maria Flor é o nome dela. Nos conhecemos a dois anos atrás, o nosso relacionamento durou quatro meses e vinte e sete dias. Poderia considerar como cinco meses, mas prefiro ser exato. Na verdade o seu nome é Marcia ou Lidia, não sei, não me lembro mais. Mas esses são os nomes mais recorrentes na minha cabeça, provavelmente é algum deles.
A atração carnal era ponto forte, mas nunca se tratou disso. Ela cantava. Nem a canção materna era tão reconfortante como a voz dela. Talvez pela ausência materna considerasse isso. Postura de mãe não tinha. Era daquelas eternas crianças que aprende as brincadeiras da vida adulta e sabe levar muito bem desse jeito. Fez muito bem para mim, como todas de uma certa maneira fazem. A minha boa influência como sempre foi somente no início, depois o caos.
Gostava de acariciar os cabelos do meu peito, era fanática nisso. Eu tinha tara em seus pés. Depois que terminamos cheguei a sonhar algumas vezes, somente com eles. Desperto novamente com frases perdidas.
- Sabe o que é? Quando ti vi, pensei em passar reto. Percebi que você estava distraído e provavelmente nem ia me ver. Mas não sei, alguma coisa me atraiu pra você, magnetismo, e eu bancando de pedaço de metal. Ai que raiva de falar essas coisas.
- Relaxa.
- Enfim, já deu pra notar mais ou menos como anda sua vida, mas a minha também não tá boa.
- Eu nunca disse que minha vida estava ruim.
- Ai, viu? É por isso que eu te odeio.
- Eu sei e acho que você tem razão.
- E por isso também.
Tapei a boca dela com minha mão. Os olhos refletiam indignação, mas lá no fundo agradeciam, pois sabiam que aquela forma de comunicação a muito tempo já estava falida. Faliu para humanidade toda. O gesto de carinho nos cabelos loiros veio como sucessão, a mão ainda continuava na boca, os olhos me diziam tudo o que precisava. Pediam para não fazer aquilo, mas denunciavam a entrega. Enfim ambos cederam, ela deitou no meu colo e eu continuei com o carinho nos cabelos.
Queria perguntar para o mar agora, o que ele achava de tudo isso. Será que ainda achava engraçado. Eu ao menos, sentia que aquele gesto não fora um falsete, suspeitava que poderia haver algo de poético ali. Cabe ao julgamento de cada um, ao meu, ao seu, ao do mar e ao dela é claro.
Ficamos ali durante muito tempo, ela no meu colo e eu lhe fazendo carinho. Por aquilo eu já conseguia compreender porque sua vida estava ruim. Estava ruim, pelo mesmo motivo que a vida de todo mundo está. Pela impossibilidade de uma nova forma de comunicação que nutra corpo e mente e que seja para todos. Não havia o que fazer, a não ser dizer que continuasse tentando.
Ela sabia também que eu continuaria flutuando em minha orbita especifica, mas que aquilo ainda poderia ter uma utilidade para todos nós. Uma autentica utilidade poética.
Passado muito tempo, nos levantamos. Para não quebrar o protocolo, disse um pedido de desculpas com o olhar. Nunca terei a certeza de qual foi a resposta. Ela simplesmente se virou e foi embora, decidida sobre alguma coisa. Alguma coisa realmente importante.

Eu do meu lado, voltei a caminhar na praia e ainda continuei a me sentir pequeno. Só que as notas já estavam todas embaralhadas em minha cabeça. Arrisquei um assovio e acreditei que deu certo. Fui emendando os fraseados e não parei mais. Continuo até hoje e compartilho sempre que posso.

Encanto

Sem forma foste feita
e o acaso tornou rara,
formosa e assim perfeita,
qual encomenda para
se encaixar, na certa,
nos braços do poeta.

Do encanto o canto fez-se
e o verso ao pé do ouvido
faz arrepio nesse
corpinho aturdido.
Pra vida então desperta
nos braços do poeta.

E o anjo agora humano
num corpo de menina
descobre o quão insano
é o tom da sua sina
e vive a vida incerta
nos braços do poeta...

(em 13/11/2013)

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

De longe

Quem olhasse de longe não entenderia.
Ela estava agachada sobre a mesa do restaurante. Segurava uma faca com a mão esquerda e encostava na ponta o nariz. Na direita estava um garfo com as pontas tocando seu queixo.
Definitivamente, quem olhasse de longe não entenderia.
No entanto, cinco minutos antes, o ambiente era de paz e tranquilidade. Havia um casal sentado na mesa ao centro. Conversavam. Tudo aparentemente normal.
Estava ali havia meia hora. Sentado. Esperando. Movia lentamente a faca na mesa. Vez em quando, passava pela borda do prato. Mas isso não significava absolutamente nada. Ou não deveria.
Quando ela chegou.
Atrasada, ele disse.
Ela não respondeu. Beijou e começou a falar. Perguntou sobre o restaurante. Ele respondeu. Mas ela não prestou atenção. Tinha outras coisas pra falar. Mais importantes, ele imaginou.
Desistiu de ouvir. Pensou no quanto aquele atraso era sintomático. Pensou na vida. Pensou que pensar na vida era vago, coisa pra dizer quando não se está pensando em nada ou não tem nada a dizer ou pra evitar outras perguntas a respeito do que se está pensando. Pensou se era possível a vida se atrasar.
Quando se deu conta, ela ainda falava.
Geleia de damasco o que acha?, perguntou.
Não sabia o que responder. Se aquilo fazia de algum assunto ou se tinha a ver com o pedido. Sem saída, fez o que qualquer um faria: concordou com a cabeça. Ela sorriu. E continuou falando.
Ele segurou a faca. Não, não ia matar ninguém. Ainda que a ideia pudesse ser reaproveitada no momento oportuno. Riu consigo, rosto sem expressão. Com ela, desenhava nuvens imaginárias na toalha. A faca, não a ideia. Vez em quando, tocava com ela na borda do prato. Foi quando começou a olhar com atenção para o casal.
Pra isso, é fundamental usar aqueles cristais, ela disse.
Cristais? Copos ou hippies?, ele se perguntou. Não sabia o que, mas precisava responder. Responder rápido. Vacilava.
Ela sorriu.
Me acha boba né?
Não, que isso.
Achava. Claro que achava. Que papo era aquele de cristais? E geleia? Pensou num filme da adolescência. E riu de novo. Pra dentro. De novo. Ou consigo, como acharia bonito. Achava bonito falar consigo. E nunca tinha a oportunidade. Estava, afinal, rindo consigo.
Ela riu. Não dele. Ou com ele. Era um riso débil. Meio frouxo. Ele nem percebeu.
Ela continuou a falar.
Mas ele não ouviu. Estava olhando pro casal. Eles estavam numa mesa ao centro. A luz incidia sobre eles de uma maneira curiosa. Não sabia explicar. O casal se tocava carinhosamente. Eram jovens. Pareciam estar juntos há pouco. Ele imaginou, sem nenhum fundamento real. Só especulação. Pensou que tinham cara de estudantes. De humanas, provavelmente.
E ela falava.
Quem olhasse de longe, não entenderia, pensou. Tantas pessoas ali. Tão parecidas. E tão diferentes.
Ele não ouvia.
Mais nada.
Olhava pro casal. Tentava ouvir o que eles falavam. Mas não falavam. Nada. Não, não deviam ser de humanas. Talvez por isso se entendessem.
O telefone dela tocou. Era tosco. O toque.
Ela atendeu.
Ele continuou no casal. Agradeceu silenciosamente pela ligação. Ela encontrara outra pessoa pra conversar. Ou pra falar. E falava.
Tentava entender o casal. E fazia anotações invisíveis na toalha com a ponta da faca. Quando o telefone do rapaz na outra mesa tocou. O rosto da menina se fechou.
Instantaneamente.
A menina se levantou, subiu na mesa e agachou-se sobre ela. Com a mão esquerda, segurou a faca e tocou a ponta do nariz. Com a direita, encostou o garfo no queixo.
O menino não conseguiu atender. Ficou olhando. Estático.
Abandonou o casal e desviou o olhar de volta pra sua mesa.
Ela falava ao telefone. Ainda. Sobre geleias e cristais. Ele sentiu vontade de subir na mesa. Quem sabe se agachar e, garfo e faca a mão, compor alguma cena surreal.

Quem olhasse de longe não entenderia. Nem de perto.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Rede Social do BdE e Convidados

O Bar do Escritor agora tem sua própria Rede Social:
www.bardoescritor.com.br/site/
Remodelando sua origem no extinto Orkut, o novo FÓRUM do BdE segue a intenção precípua de ser um espaço plural e sem censura para o diálogo entre escritores, sempre aberto às críticas, em que se busca a maestria na arte das letras com foco na autenticidade e liberdade de pensamento.


SOBRE OS CONVIDADOS DE 2015
 

O Blog do BAR DO ESCRITOR recepciona autores nos dias 10, 20 e 30 de cada mês - além dos 32 escritores residentes. Em 2015 os convidados serão os 3 escritores da Rede Social do BdE que, no mês anterior, forem os MAIS LIDOS, os MAIS GOSTADOS e os MENOS GOSTADOS. Sim, divulgaremos os menos gostados do mês, exatamente para exaltar a característica principal do BdE - a crítica sincera - e também para incentivar a compreensão dos motivos que fazem um texto ser admirado... ou não.
Acesse. Participe. Seja um "barnasiano".

 www.bardoescritor.com.br/site/

O baú


Ela foi até o quartinho dos fundos; Em um canto escuro e empoeirado, encontrou o velho baú. Levou-o até a sala e começou a redescobrir tudo que estava guardado há anos.

Tinha ali um sorriso sincero, que já estava um pouco amarelado pela falta de uso. Havia também uma porção de otimismos infantis, que - apesar de serem infantis - eram pelo menos dez vezes maiores do que os adultos. Também brincou um pouco com os sonhos, fantasias e ilusões. Encontrou até alguns medos, mas algumas peças tinham sumido com o tempo.

O velho baú rendeu bons momentos, mas, ao final da tarde, ela recolheu tudo do chão, fechou o baú e colocou-o de volta naquele canto escuro. O sorriso, amarelado, acabou esquecido - debaixo do tapete.



domingo, 21 de dezembro de 2014

Mariposas


 

De asas transparentes

Se espalham luzes em prata...

Refração lunar

 
 
Imagem: http://planetatierra.loquenosabias.com/la-sorprendente-mariposa-transparente

sábado, 20 de dezembro de 2014

Convidado Vinicius Bandeira



honra, e ele?





Fazer sexo com um estranho para se vingar do marido que a estava traindo com uma mulher mais nova e mais bonita. As dores foram-se somando evolutivamente. Primeiro, a dor da desconfiança, que não demorou a trazer a dor da descoberta, que se transformaria em uma dor do cotidiano. Ir para cama com um estranho seria o remédio? O marido não se importaria: passava dias na casa da amante. Levou-a para trabalhar com ele. Quando a mulher telefonava para choramingar suas dores, era a amante quem atendia. Pela linha telefônica, os xingamentos se digladiavam. A pressão da mulher subia. Um forte calor a tomava. Seria o calor da menopausa? A amante se divertia. Ria, provocava... Quanto tudo acabava, a mulher deitava-se no sofá, acometida de taquicardia, uma terrível dor no peito, que descia para as pernas. As mãos formigavam. A respiração vacilante. Mamãe, você está bem? Estou filhinha, a mamãe está ótima. Vá brincar com o seu irmão. Vá! Tá bem, mamãe! O que fazer com essa vagabunda? Tenho que matá-la. Quem sabe ele não se sentisse culpado e até me arranjasse um álibi? Ledo engano. E se eu me suicidar? Teria, enfim, o caminho totalmente livre. Traria a moça para dentro de casa, casaria com ela e até faria as crianças a chamarem de mãe. Meus filhos chamando aquele ser diabólico de mãe. Desistiu de matar e de morrer. Minha inimiga viverá para me assistir vencer. Tomou um banho. Colocou aquele vestido que um dia comprara para seduzi-lo, mas acabou desistindo de usá-lo após descobrir a identidade da amante. Mamãe, você vai sair? Vou filhinha, mamãe vai fazer umas compras. Posso ir com você? Hoje, não, amanhã eu te levo pra passear. Ah, mãe, eu não posso sair com você e o meu pai que nunca aparece! Vá brincar com seu irmão, quando eu voltar a gente conversa. Na rua, caçar. Sentar à mesa de um bar é um recurso que parece ser proveitoso. Daí é só olhar e se deixar ser olhada. No fim do expediente, os bares costumam ser mais frequentados. A primeira vez dá uma angústia, um frio na barriga. Medo, esta é a palavra mais certa. Voltar para os filhos, é o que há de mais sensato e honrado. Honra, e ele? Àquela hora, certamente estaria com ela. Eu também tenho o direito. Quero um mais novo. É só consegui-lo e irei desfilar com ele na frente dos dois. Passou a sair todas as tardes. Mudava de bar. Entrava nas lojas. Sempre alerta. A caça podia aparecer a qualquer momento. Arranjou uma moça para cuidar dos filhos. Um dia o namorado foi buscá-la. Ela o viu no portão. Entre, não fique aí fora. Espere aqui dentro. Começou a preparar o rapaz para um concurso de soldado da Polícia Militar. Mandava a moça levar as crianças para passear. O rapaz não resistiu aos encantos da cinquentona, que tinha mais tempo de cama do que ele de vida.



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Vinicius Bandeira