sexta-feira, 22 de julho de 2016

Sutil


Cantarolando, colheu do chão uma flor cheia de pétalas. Delicadamente, retirando pétala por pétala, começou a falar, entre sorrisos e suspiros:

– Bem me quer... Bem me quer! Bem me quer... Bem me quer!

Um amigo um tanto sem sal, e totalmente sem açúcar, interrompeu:

– Não! Não é assim!

Ao que ele respondeu:

– Você só diz isso porque você não conhece ela!

E continuou sorrindo.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Conversas a sós


Conversas a sós,
Entre mim e,
Sombras que me habitam.

Entre as que me agradam
E, as que me irritam.

Na solidão de uma cela
Cheia da minha companhia.

No aconchego do descanso
E, terror da luz que as clareia.

Entre, quem ama e se odeia.

Entre o que se conhece
E o que não se imagina.

Ante a contemplação
Do que nunca termina...

Cosmos em átomos...,
Moléculas em desenhos abstratos.

Meu amor em um porta-retrato
Desbotado pelo tempo
Perdido.


(08/09/2013)

terça-feira, 19 de julho de 2016

Bush Doctor

Arnaldo saiu de casa no horário de sempre. Banho tomado, cabelo penteado e baseado enrolado. Entrou no carro, selecionou no seu pen drive a sua coletânea preferida do Bob Marley, ligou o ar condicionado no talo e seguiu o seu tradicional trajeto da semana, por entre as ruas da cidade.

Arnaldo já sabia o tempo de percurso, tanto que sabiamente fechava o seu baseado tamanho extra large para, metricamente, fumar metade no caminho de ida, e a outra metade na volta. Sempre atento aos policiais ou guardas de trânsito, Arnaldo já tinha tanto a manha da coisa que escondia por entre seus dedos o cigarro de maconha de uma forma que poucos, ou ninguém, conseguiria perceber de fora o que era. Além de quê, seu carro tinha película e, devido ao calor tropical de sua cidade, Arnaldo sempre dirigia com os vidros fechados.

Na batida do reggae, Arnaldo prensava sua cannabis e viajava ao som do rei. Nada tirava-o do sério durante o seu ritual matinal. O trânsito, o stress, as discussões, tudo ficava de lado nessa hora. Absolutamente nada fazia Arnaldo perder sua calma. Apenas ele e seus dois Bobs, um no som do carro, o outro indo direto para a sua mente. Simples assim.

Quando o seu cigarro chegava à metade, Arnaldo já se punha a apaga-lo, geralmente entre as avenidas 07 de Setembro e Pedro II. A partir dali, se nada de anormal acontecesse, eram menos de quinze minutos até o seu destino final. Tempo para mascar um chiclete, e olhar no retrovisor a vermelhidão dos olhos. Mesmo tendo mais horas de fumo do que urubu tem de voo, Arnaldo ainda achava graça em olhar a si mesmo com as pupilas dilatadas – assim como quando era adolescente, antes ainda de entrar para a faculdade, quando Arnaldo fumara seus primeiros beques. Sim, Arnaldo parecia não perder aquele seu lado infantil, mesmo já estando perto dos quarenta – afinal, para ele, aquilo sim era a mais pura alegria.

Ao estacionar seu carro na vaga de sempre, Arnaldo pegou o colírio e pingou em seus olhos. Borrifou um pouco de perfume por entre os dedos e pelo pescoço e entrou no prédio comercial. Ao chegar no consultório, foi já de cara avisado pela secretária:

- Bom dia Doutor Arnaldo! Bem, são cinco pacientes agendados para a manhã, e quatro para a tarde de hoje. Isso se o seu Azevedo não aparecer aqui lá pelas duas horas. Aí já viu né... o que digo pra ele?

- Diga que espere. Se ele quiser uma reconsulta, vai ter de pagar. Não adianta querer fazer pelo plano, viu?

- Ah, vou dizer pra ele. Nossa, já estou até vendo a cara dele... Bem, já deixei seu chá gelado no frigobar e o café expresso na sua mesa, doutor Arnaldo. A primeira paciente já deve estar chegando...

- Obrigado, Marialva. Até mais!

Arnaldo entrou em seu consultório e ficou cantarolando a última música que escutara no carro. Bebericou o café e viajou o que pôde, até que sua primeira paciente chegasse e acabasse com sua festinha particular.


segunda-feira, 18 de julho de 2016

México 70 - A Copa que eu não vi

Será possível alguém sentir saudades daquilo que não vivenciou? Por mais estranho que pareça, eu sinto, pois sempre me lembro com nostalgia da Copa do Mundo que, com meros quatro anos de idade,  eu não vi.  Ele foi disputada  no México, 1970, quando onze homens vestiram a camisa amarela da seleção brasileira e juntos elevaram o futebol à categoria de obra de arte.
Esqueçam tudo o que ouviram falar do governo Médici, seus porões sangrentos e a utilização do futebol como massa de manobra para manter o povo alienado e em seu lugar. Ignorem milagres econômicos, Guerra do Vietnã ou o movimento hippie. Procure no Youtube a Copa de 70 e foque-se apenas nas quatro linhas que demarcaram o campo de batalha do Estádio Jalisco, na cidade de Guadalajara. Naquele longínquo mês de junho, o “scratch canarinho” como era carinhosamente chamada a seleção, apresentou um espetáculo futebolístico nunca visto antes e quiçá impossível de ser reapresentado pois, a despeito do futebol haver mudando tanto em disciplina tática quanto nos aprimoramentos físico e técnico, as peças do xadrez eram outras, e de qualidade infinitamente superior ao que vemos hoje.
Para começar, havia um deus de ébano no esplendor de sua forma física, tecnicamente perfeito e amadurecido nos seus trinta anos de idade. Pelé, simplesmente o Rei, que conseguiu a façanha de ficar eternizado na Copa em que foi magistral não pelos gols assinalados, mas pelos perdidos. Veja, reveja e deslumbre-se com o seu chute do próprio campo contra a meta adversária e o desespero do goleiro theco, ou a clássica cabeçada defendia pelo inglês Gordon Banks, jogada responsável pela fama do arqueiro da seleção inglesa por muitos anos, ou ainda a incrível, fantástica, esteticamente maravilhosa meia-lua sem tocar na bola contra um goleiro uruguaio de prosaico nome polonês. No México Pelé foi perfeito, um maestro acompanhado pelo spalla Tostão, talentoso meia do Cruzeiro que meses antes sofrera um grave descolamento de retina e, do inferno a redenção, brilhou em terras aztecas. Justamente no confronto mais difícil, contra o “English Team”, consagrado campeão do mundo quatro anos antes, Tostão deixou sua marca em uma jogada individual pelo lado esquerdo onde, após provocar um salseiro, passou a bola para Pelé que, com um simples toque para lado, deixou Jairzinho livre para decretar a magra, contudo heroica vitória por um a zero.
Como esquecer de Jairzinho, o Furação da Copa? Seis jogos, seis gols, façanha nunca antes alcançada, nosso camisa sete levou pânico as defesas adversárias com suas arrancadas mortíferas. Tivemos ainda Rivelino e sua patada atômica; Brito zagueiro raçudo, considerado o pulmão da copa; Carlos Alberto, nosso eterno capitão que perpetuou o gesto de beijar a taça Jules Rimet (que como dizia o samba-enredo “derreteram na maior cara-de-pau”); a juventude veterana de Clodoaldo, a organização tática e os lançamentos milimétricos de Gerson, o canhotinha de ouro; a classe de Piazza, a discrição de Félix e Everaldo.
Campanha sem igual, coroada com a brilhante exibição na final disputada na Cidade do México. Um 4 x 1 convincente contra a seleção italiana, tão diferente destas finais insossas que nos acostumamos a presenciar nas últimas Copas.

Parafraseio Pablo Neruda e confesso que não vivi o momento, não vi a maior seleção de futebol de todos os tempos mas, graças ao milagre tecnológico, este espetáculo está ao alcance de qualquer mortal . Aprecie sem moderação.

domingo, 17 de julho de 2016

Flor dos meus pensamentos

Meus pensamentos
são como uma flor
que desabrocha com o tempo
chamuscada pelo sol
despetalada pelo vento

sábado, 16 de julho de 2016

Onda

aquele ali é hippie e está na moda
aquele outro é vegano porque é moda
fulano envenena o próprio corpo
e se diz preocupado
com a natureza

ciclanos e beltranos
estão dizendo que não vai ter copa

e tantos tantos outros
batem panelas contra o governo

poucos sabem
o que realmente estão fazendo

vejo uma onda levando todo o resto
e acabando num redemoinho

alguns se salvam
ficam boiando
como merda após a descarga.