quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Convidado André Bortolon

 Odisseia de uma Publicação

João acabara de escrever seu primeiro livro. Foram duas semanas para escrevê-lo, e na semana seguinte, João mandou uma cópia por e-mail para sua mãe, professora de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, para que ela corrigisse eventuais erros de concordância, acentuação, etc. Quando recebeu a cópia corrigida, João queria saber a opinião de algumas pessoas a respeito de seu primeiro livro, e enviou cópias para a Daiana e para a Bia, duas ex-colegas de trabalho; para o Miro, grande amigo de João desde a adolescência e que estava morando no Rio Grande do Sul; e até para o Walter, um jornalista que fazia comentários diários na TV local; e como não poderia deixar de ser, para sua companheira Sônia.
Todas as pessoas falaram coisas boas a respeito do livro. Insistiam que João o publicasse que seria um sucesso. João gostou do que ouviu, e tomou coragem de enviar o original para a editora que estivesse disposta a fazer a publicação. João buscou, dentre inúmeras editoras, aquela que tivesse o perfil para o seu livro. João constatou que um bom número de editoras publicavam livros como o que ele escrevera - um romance – e então, João se informou através dos respectivos sites a respeito de como enviar o seu original. Para surpresa de João, algumas editoras simplesmente o ignoraram por completo; outras deram suas respostas, justificando o porquê de não aceitarem o livro; e algumas aceitaram o envio, ou via e-mail ou por correio, deixando bem claro que não teriam compromisso nenhum em publicar o livro.
A cada resposta recebida, João sentia-se cada vez mais desacorçoado. E cada vez que ele encontrava uma das pessoas que leram o seu livro, João sempre era questionado a respeito da publicação: “Já saiu? Ainda não? Por quê? Mas o que houve, será? Não se esqueça de me convidar para a sessão de autógrafos quando o livro for lançado”. Tudo isto foi transformando João em uma pessoa mais fria, e a cada resposta negativa recebida das editoras, João, de uma forma muito mordaz, fazia o que ele chamou de “tradução para leigos”; era se como cada resposta tivesse uma mensagem subliminar, que só João conseguia decifrar. E como as respostas foram variadas, para cada uma João fez a sua “tradução para leigos”. Vejamos alguns exemplos:
Original:
“Caro João
No momento não estamos aceitando o envio de originais. Atenciosamente...”
Tradução:
“Caro João
No momento estamos muito bem financeiramente. Nossos ativos financeiros, numericamente falando, certamente ultrapassam em larga escala a sua quantidade de neurônios multiplicada por cem. Atenciosamente...”
Original:
“Caro João
Devido ao grande volume de originais que recebemos, estipulamos o prazo de até seis meses para lhe darmos uma resposta. Caso neste período você não obtenha uma resposta, garantimos que sua cópia do original será completamente destruída após o prazo mencionado. Atenciosamente...”
Tradução:
“Caro João
Devido ao hábito da leitura ser raro em nosso país nos dias de hoje, nossos colaboradores que leem os originais (um total de dezessete pessoas, aproximadamente) provavelmente não terão tempo suficiente para ler seu original por inteiro no prazo de seis meses. Com todo o devido respeito, João, nós da editora duvidamos muito quando o senhor diz que escreveu um livro de cem páginas em duas semanas, e os motivos que nos levam a crer nesta hipótese são: 1º) sua idade pouco avançada e 2º) sua inexperiência no meio literário. Quanto à destruição do seu original, podemos lhe garantir que será destruído por nosso pessoal especializado: apenas contratamos pessoas que consigam rasgar uma lista telefônica da cidade de São Paulo por inteiro, com capa e tudo. Atenciosamente...”
Original:
“Caro João
No presente momento, não estamos aceitando novos autores, por este motivo não recebemos originais, exceto de quem já tem obras previamente publicadas. Atenciosamente...”
Tradução:
“Caro João
No presente momento, absolutamente nada do que você possa ter escrito trará algum tipo de benefício para a nossa editora. Nós já sabemos disso. Não existem novos talentos, esta é uma classe inexistente nos dias de hoje. Quem tem talento já publicou, não está à procura de editoras. Além do mais, se você fosse de alguma forma popular, uma figura conhecida certamente teria uma chance conosco – mas você não é. Verificamos o seu perfil no Facebook, e constatamos que você tem apenas 476 amigos; destes, provavelmente metade você nunca viu na frente, o que reduz o seu número para modestos 238 amigos. Perdoe-nos a nossa sinceridade, mas você não passa de um verme insignificante. Atenciosamente...”
Original:
SEM RESPOSTA: A editora simplesmente ignorou o e-mail por completo.
Tradução:
Há muitos anos atrás, era praxe nas cartas escritas por pessoas públicas conhecidas a seguinte sentença ao final da carta: “Ditado, mas não lido”. Para as editoras que não querem responder aos e-mails referentes ao envio de originais, poderia ser encaminhado automaticamente um e-mail resposta padrão, com o seguinte texto: “Recebido, mas não lido”.
Original:
“Caro João,
Atualmente estamos apenas traduzindo obras estrangeiras que obtiveram sucesso comercial no exterior. Atenciosamente...”
Esta resposta deu uma ideia a João. E se o original fosse enviado diretamente para o exterior? João ligou para Philip, um amigo americano que morava há anos no Brasil e era um leitor contumaz. Philip leu o livro todo em um dia, e numa conversa com João, se dispôs a traduzir a obra toda para o inglês, desde que ele pudesse agenciar João na busca por uma editora internacional. Trato feito, em cerca de 20 dias Philip havia feito a tradução para o inglês e estava apto para mandar a obra para o estrangeiro. Ficou acordado também que João usaria um pseudônimo, no intuito de facilitar a comercialização do livro.
Mesmo recebendo algumas negativas, o leque de opções agora era muito maior: Philip encaminhara o livro de João não apenas para os Estados Unidos, mas também para o Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia, a África do Sul e para todo o Reino Unido. Ao término de apenas um mês, João e Philip se sentaram para analisar cinco diferentes propostas. E ambos optaram pela editora de maior renome, pois obviamente queriam lucrar alto com a publicação da obra.
O tempo passou e João começou a receber os royalties pelo livro, e Philip a sua porcentagem como agente e tradutor de João. Mais um tempo se passou, até um dia que João avistou em seu correio eletrônico, entre centenas de e-mails enviados por leitores do mundo todo, um e-mail do editor-chefe da editora que havia respondido a João que só traduzia obras estrangeiras. No texto do e-mail, o editor-chefe fazia inúmeros elogios a João, e pedia educadamente se João poderia interferir em seu favor para que a sua editora conseguisse adquirir o direito de tradução para o português, pois havia uma disputa acirrada pelos direitos da obra no Brasil; o editor-chefe disse também que seria um prazer se João fosse o tradutor para o português, e ofereceria uma soma de dinheiro para tal, segundo ele: “sem precedentes na história de nossa editora”. João leu, refletiu por um instante e respondeu:
“Caro editor-chefe
Atualmente estou apenas respondendo a e-mails do estrangeiro.
 Atenciosamente,
João Brasil”


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André Bortolon
https://www.facebook.com/andre.bortolon.1


segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Contos de Encantos

Pintor barcelense Afmach
 
 

Momentos na vida de Paula

 
Paula refastelava-se na esplanada junto à beira-mar, num café como outro qualquer, vazio de veraneantes, onde só ela sabia o que esperava que acontecesse, naquela tarde de um dia de semana.
Aguardava, não sei porquê, talvez por um engate feito por ela. Ao seu lado estava um homem, acabado de chegar. Era pequeno, talvez dos seus quarenta anos, e uma farta barba preta em forma de pera. Já calvo, de sinais do tempo, começou a observá-la. Paula era um bom pedaço de mulher, belas pernas que se estendiam visíveis até a ante coxa. Ela não parava de falar com o dono do café, também até ao momento da chagada do barbudo, não tinha mais ninguém com quem falar. Era uma hora morta, onde só alguns carros passavam perto sem significado relevante. O homem começou a interessar-se pela conversa que ouvia de “espirito santo de orelha”. O dono do café já não respondia, Paula tomara posse da conversa, todo o tempo de antena era para ela. O homem achava que havia alguma coisa de diferente em Paula, mas não estava a conseguir saber o quê. Até que chegou o momento de Paula meter conversa com o homem de pera. Num começo de fala sobre o tempo, Depois de a conversa entrar no foro da intimidade, trocaram contactos e marcaram um encontro à noite no mesmo café.
Paula gostava de beber umas cervejinhas, ou então uns Bloody Mary. Naquela noite que estiveram juntos num recanto do café, que há noite ficava na média luz, trocaram caricias fugidias, e onde o tema era a terra de sua majestade. Jorge olhava as belas pernas de Paula, perfeitas a pedir uma passagem breve de suas mãos, mas como ele era de bons modos, não se atreveu, não fosse ela virar “a cabeça ao prego”. Já o café se preparava para fechar, resolveram dar um passeio pela praia. Tudo rolava sobre rodas, já bem bebidos, deitaram-se na areia fresca daquela noite quente de verão. Paula prometia mundos e fundos a Jorge, em Londres. Ele começou a pensar; que as coisas não podiam ser assim tão fáceis. Aquilo que ela prometia, tinha que ter lacunas e isso era o que ele tentava descobrir. A partir de um momento que ela já não estava muito católica, devido ao álcool que emborcara em toda a tarde e noite, ele começou a dar cortes nos pensamentos dela. De um momento para o outro, Paula começou um discurso em desconexão, não deixava Jorge falar, falava por cima dele. A situação começou a criar quezílias entre ambos, e de um mar de rosas, passaram a discutir. Ela tornara-se agressiva, amarrava os braços dele com violência, ficara histérica. Jorge queria sair daquele filme, tentou acalmá-la, e ao fim de uma hora, já exausta, prostrou-se de braços estendidos e pernas, como se de uma rosa-dos-ventos se tratasse. Os cabelos encaracolados de um negro azeitonado, percorriam o seu rosto ao sabor de uma brisa leve. Jorge pensou que se passaria naquela cabeça de uma mulher tão bonita e ao princípio tão acolhedora. Paula adormecera de exaustão, e Jorge cobrira-a com o seu casaco. Ficaram ali os dois, o resto da noite. De manhã, regelados da madrugada fria, Paula acordou e num salto enérgico, levantou-se dizendo para ele: - que é que estou eu a fazer aqui? – Conhecemo-nos?
Jorge ficou atónico, com mais aquela reação dela. Pensara que tinha sido o álcool da noite passada que a levara àquelas reações, mas não. A mulher não batia mesmo bem, fugiu a toda a velocidade pela praia fora, para nunca mais voltar a ser vista.
Jorge aprendera uma lição; “nem tudo o que parece é aquilo que vemos”.
Naquela bipolarização de sentimentos, nem Jorge, nem Paula ficaram bem, cada um pelas
suas razões.
Havia, realmente algo de misterioso naquela mulher, que Jorge não compreendia. Tinham trocado contactos e quando menos esperava, recebeu um telefone; era Paula a dizer que queria encontrar-se com ele para lhe pedir desculpa do outro dia.
Jorge queria saber, concretamente qual era a personalidade dela, e o que a movia naquele desenfrear de emoções. Aceitou o pedido de encontro, no mesmo bar que se tinham conhecido. Nesse mesmo dia marcaram encontro ao fim da tarde; era uma tarde amena. O vento soprava ao de leve, e o sol apesar de quente era suportável.
Jorge chegou ao bar e já Paula se refastelava, sentada na esplanada, apanhando sol nas suas belas pernas bronzeadas. Parecia ter ficado um pouco inquieta, quando deu pela presença dele.
Paula deu um sorriso tímido, e começou o discurso de pedido de desculpas: - Jorge! Desculpa a minha atitude no outro dia, mas estava um pouco fora de mim, o álcool falou mais alto.
Jorge ouvia, observando o seu olhar comprometido, e respondeu: - Paula! Não te preocupes, por vezes as coisas não correm como queremos, só quero que estejas bem contigo e em paz.
Paula sorriu, passou a mão pela face dele e disse: - Penso que não me enganei que tu eras um bom homem, e não mereces aturar os meus desatinos.
Jorge tranquilizou-a mais uma vez: - Sossega que encontrarás alguém que te complete.
Ela viu que ele não estava definitivamente interessado numa relação amorosa, simplesmente amizade, e isso, ela teria que se conformar.
Paula buscava companhia para ir para Londres, vai se lá saber porquê. Numa tentativa desesperada, voltou à carga: - Sabes, estava a pensar que talvez quisesses vir comigo para Londres, lá é fácil de arranjar trabalho e podias seguir uma carreira lá.
Jorge, queria sair daquele filme, e sem rodeios, teve que dar por terminada o fim daquela relação precoce.
- Paula! Agradeço o convite, mas não está nos meus planos emigrar, seja lá para onde for.
Os olhos dela começaram aficar húmidos, os dedos que seguravam o cigarro, tremiam e por fim lá foi dizendo: - Sempre pensei que podíamos fazer um bom par, mas enganei-me, não tenho sorte nenhuma na vida.
Agora as lágrimas corriam-lhe pelo rosto, Jorge olhava para todo o lado, na esplanada cheia de gente, não queria que pensassem que era uma quezília de namorados. Pousou uma nota de cinco euros, encima da mesa para pagara despesa e pegando-lhe por um braço, ao de leve, foram caminhar pela praia ali ao pé.
Paula não reconhecia que tinha um problema de dependência com o álcool e barbitúricos, tentava esconder de tudo e de todos. Mas Jorge que não era nenhum ignorante, sabia que algo não batia certo com ela. Reparava que bebia demais, isso, ele já se tinha dado conta, mas quando se apercebeu que ela ia constantemente à carteira, mexer em tabletes de medicamentos, viu que algo se passava. Tentou abordar o assunto enquanto passeavam pelas areias finas da praia. Talvez o momento fosse o ideal para essa abordagem. Parecia tudo tranquilo, o mar estava sereno, e as ondas deslizavam suavemente naquela tarde veraneante.
Depois de passearem duas centenas de metros em pleno silencio, como que meditando os seus problemas, Jorge pôs-se de frente para ela e questionou-a:- Paula! Eu sei que tu tens um problema de saúde, ou antes um problema de dependência, queres falar sobre isso?
Paula ficou um pouco apreensiva, olhou-o nos olhos como procurando um ar de reprovação, e lá foi desabafando: - Sabes! Realmente não consigo controlar a bebida e ainda por cima viciei-me em calmantes, estou um trapo.
Jorge apertou-a junto ao seu peito, como fosse um conforto para ela, e disse: - Ouve! Tu podes vencer isso, não é um problema irremediável, tens que ser forte, como és para os homens, mostrar que és mais forte que o vício.
- Mas Jorge, não tenho conseguido! Sinto-me perdida nesta miséria.
- Tu vais conseguir, se assim o desejares de corpo e alma.
Continuaram, agora abraçados, até ao fim da praia, e na volta, Paula já sorria, esquecera-se do álcool e dos calmantes. Estava bem com Jorge, ele era a droga saudável que ela precisava. Era uma mulher carente de afetos, isso estava visto por Jorge, que não sendo a mulher que ele queria para viver, podia sempre ser uma amiga, e os amigos ajudam-se mutuamente.
Naquele verão, Paula encontrara um amigo verdadeiro, e foram as palavras amigas e o afeto que este lhe deu, que a levou a mudar os seus comportamentos. Depois de vários encontros, chegara a hora de ela ir para Londres, e apesar de voltar a insistir com, não conseguiu convencê-lo. Fora um romance de verão e os dois aprenderam como nós somos frágeis, muito embora não pareça. E não custa nada tentar ajudar quem de nós se aproxima com a vontade de ser nosso amigo.

 

In “ Contos de Encantos “
Quito Arantes/Portugal
A editar

 

 

 

 

 



MINHA ALMA

Minha alma na balbúrdia dos dias
Grita as dores dos tempos já passados;
Não se cansa de erguer lindas poesias
Para outras almas de sonhos sonhados;

Molda os amores reais em melodias
Tocadas por anjinhos destronados...
Que vivem presos pelas rebeldias
De todos nós humanos arranjados;

Alma que sente os medos desta vida...
Mas não se cala diante da ferida
Que rompe sentimentos tão profundos;

Alma latente, dos límpidos sonhos
Zelados pelos anjos mais risonhos
Dispensados dos tronos de outros mundos;



domingo, 27 de outubro de 2013

A revolta dos Beagles

O Brasil está entrando em um caminho perigoso: movido pela inércia do Judiciário e pela corrupção que campeia o Executivo e o Legislativo, a população resolveu não esperar e fazer justiça com as próprias mãos. O problema é o que cada um entende como justiça. Nessa semana, dezenas de ativistas pelos direitos dos animais invadiram um laboratório particular legalmente credenciado e roubaram 178 beagles que ali estavam a serviço da ciência; junto com os animais, destruíram também documentos e equipamentos. A alegação era a de que o laboratório torturava os animais e de que o Ministério Público não se pronunciava a respeito. A primeira vista, é fácil ficar do lado dos ativistas. No entanto, basta um pouco de discernimento e de pé no chão para perceber que a atitude deles prejudicou até mesmo a causa que apoiavam, a de que o Laboratório Royal maltratava os bichos. Agora, sem os animais e os documentos, provavelmente o processo (penal?) será extinto por falta de provas. Pergunto-me também se o laboratório tivesse convocado cientistas e simpatizantes para fazer frente a invasão. Ou seja: em vez de o Judiciário definir a questão, tudo pareceria se resolver com os grupos se digladiando. Mais Idade Média, impossível. Não sou especialista em biologia e por isso não posso afirmar se é mesmo possível substituir os animais em toda e qualquer pesquisa. Particularmente, creio que não: programas de computador não me parecem capazes de prever as nuances de cada substância inoculada em um organismo vivo. Os mamíferos em geral são escolhidos para experiências em laboratório justamente por causa disso, visto que sua biologia interna é muito parecida com a dos humanos: todos têm sistemas respiratórios, circulatórios e reprodutivos com os mesmos órgãos que as pessoas. Em todos os portais de notícias a invasão foi um dos principais assuntos da semana. No Yahoo, que eu costumo acompanhar mais por causa de meu e-mail, foi fácil perceber que cerca de 70% das pessoas que comentavam a notícia apoiavam os ativistas; questionados por alguns dos 30% restantes sobre como os cientistas pesquisariam novos medicamentos sem os animais, as respostas foram estarrecedoras: que se usassem então presidiários. Embora certamente muitas pessoas não sejam dignas de serem tratadas como humanos, não é rebaixando-as ainda mais que a humanidade evoluirá. Uma das últimas pessoas a levar a sério os experimentos com humanos foi o médico nazista Josef Mengele, e a simples palavra “nazista” ao lado de seu nome já nos faz imaginar as consequências de tais experiências. Ou seja, boa parte dos ativistas parece mesmo acreditar que o melhor é que se usem seres humanos para tais experiências, inclusive não se importando com a eventual morte de tais pessoas. Pretendem criar uma nova ordem mundial e boa parte não se importaria em copiar a ideologia eugenista dos nazistas para tanto. Em suma, estamos bem de ativistas, hein? A propósito, dois dos beagles já foram resgatados pela polícia. Estavam abandonados, caminhando perto do laboratório.

sábado, 26 de outubro de 2013

El Cuervo

Abri os olhos num esforço enorme.
O Sol na cara acorda e diz que é tarde.
A luz invade, dói, maltrata e arde.
Olhei no espelho e vi tudo disforme.

Senti-me sujo (tudo é coliforme!).
Senti um medo (meio assim covarde),
tal qual alguém que o seu final aguarde:
queria mesmo estar como quem dorme.

E o José parado ali vazio
parece rir-se do meu desalento
em regozijo ao ver-me na pior.

Vai esquecer-se logo que me viu,
não vai lembrar-se mais desse momento:
um outro porre desses, "never more"!

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Amargo


Entrou na padaria.

Era o meio da manhã. Saiu de casa um pouco antes do habitual e, indo pro trabalho, decidiu tomar um café.

Tinha fome.

Por isso, pediu um espresso. A garota do lado de dentro do balcão perguntou o que iria comer.

Nada.

Ficar tomando café sem comer nada faz mal ao estômago, ela disse. Olhar perdido, ele teve vontade de aplaudir a visão empresarial daquela padaria ao colocar uma gastroenterologista para atender no balcão. Mas achou que poderia ser encarado como uma grosseria.

Desistiu.

Olhou pra ela. Que sorria. Ele havia parado de sorrir. Não com a pergunta. Ao menos não com aquela. Mas respeitava o sorriso dela. Na verdade, admirava.

Ergueu as mãos, como dizendo que não podia fazer nada, que no fundo, não conseguia evitar. Ela entendeu o gesto e sorriu mais uma vez, entregando o espresso. Olhou pra xícara. Pegou o biscoitinho do pires e comeu.

Procurou o açúcar.

Ela entregou uma cesta com os sachês. De amargo já basta a vida, disse. Clichê, ele pensou em resposta. Mas não falou nada. Abriu o primeiro sachê.

E despejou.

Misturou. Bastante. Tentando fazer desaparecer os microgrãos. Aproximou a xícara da boca. Cheirou o café.

Precisava de mais açúcar.

Outro sachê. Mesma operação. Ainda não era suficiente. Não estava doce o suficiente. Xícara próxima a boca e nariz. Sem encostar. Sentia o amargor. E não queria.

Outro.

Chegou ao quinto sachê. A balconista olhou. Talvez pensando em falar alguma coisa. Ele se preparou para fazer a pergunta que havia sufocado antes em nome da doçura. Ela não falou nada. Nem ele.

Mais um.

Tá tudo bem?, ela perguntou. Ele não respondeu. Abriu outro sachê e despejou na xícara.

Não havia nada a dizer. Sentia-se só. Profundamente só.

Ela não se deu por vencida. Repetiu. Mas ele já estava colocando outro sachê na xícara. Era como se ele não ouvisse. Mas não. Ouvia. Só não tinha uma resposta. Ao menos, não uma satisfatória.

Ela mudou de estratégia. Posso te ajudar em alguma coisa?, perguntou.

Sim, respondeu. Ela sorriu. Sentiu-se bem. Ele, só. Não havia mudado. Nada. Preciso de mais açúcar, pediu.

Ela não acreditou. E resolveu insistir. Algum problema?, ela perguntou, sim, ele respondeu rápido.

E fez-se silêncio. Ela ficou olhando pra ele. Ele levantou os olhos da xícara e disse alguma coisa baixinho. Não deu pra ouvir.

Tá tudo amargo, ele disse.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

HOJE ESTOU CURTO

FORA DE CIRCULAÇÃO

Saí de circulação
Quando percebi
Que a única coisa
Que fazia palpitar seu coração
Era o fluxo sanguíneo.


AOS SEUS PÉS

Se não posso
Ser sua pantufa
Não quero ser
O seu calo

Saio do seu pé
Eu me calo

Obs:

• FORA DE CIRCULAÇÃO e AOS SEUS PÉS, poemas extraídos do livro “Só Concursados – diVersos poemas, crônicas e contos premiados” – 2010. 

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Embriagado


Todas as coisas e ideias tendiam para a esquerda. Depois, inclinaram-se um bom tanto para a direita. Então, rolaram para o centro e por ali ficaram, no equilíbrio frágil de uma mesa de boteco.

O álcool e a política têm efeitos semelhantes.

domingo, 20 de outubro de 2013

Convidado Marcos Samuel Costa



Primeiro amor, primeira dor 


Todos os dias eu te vejo, te sinto
nas manhãs te espero com um beijo
à noite tento tirar você da cabeça para dormir
em meu sonho te vejo, te sinto
te espero no amanhã que virá
Todas as noites ao luar
eu te vejo num sonho embalado pela ausência
sonho numa vontade de te ter
de novo em meus braços
num mundo oculto ao desamor
Todos os dias ao nascer do sol
eu penso em você.
 Nos meus pensamentos formaram-se
acreditares
Tudo em mim
te ama, primeiro amor
primeira dor



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Marcos Samuel Costa
http://samuelpoetacosta.blogspot.com.br/

sábado, 19 de outubro de 2013

Talk show: Qual é o seu Emprego?

Sônia pegou a correspondência ao chegar do trabalho, separou o que era para ela, e deixou as de João sobre a mesa, para que ele as abrisse quando chegasse do trabalho. Ao chegar, João foi para o banho e quando deitou ao lado de Sônia, começou a verificá-las, uma a uma.

- Conta, propaganda, conta, endereço errado, propaganda – dizia João em voz alta, o que tirava a atenção de Sônia para a novela; nada que ela já não estivesse acostumada. Foi aí que João viu um envelope timbrado com o logo de uma famosa emissora de TV, e curioso, abriu na hora. Tratava-se de um convite para João participar de um programa novo e que vinha tendo muito sucesso chamado “Qual é o seu Emprego?”, uma espécie de talk show no qual os entrevistados eram pessoas dos mais diversos trabalhos, em sua maioria desconhecidos, dando um relato do que faziam para viver. Na carta estava a data em que o programa seria filmado, e a emissora permitia que João levasse um acompanhante ao programa.

João ficou eufórico com o convite, mesmo não entendendo o que havia de tão importante em seu trabalho de assistente administrativo que merecesse uma entrevista para um programa de TV. Sônia não pôde viajar junto, pois teria uma semana corrida na escola atendendo pais de alunos, então João levou a sua mãe junto, que adorava uma viagem. Quando um carro da emissora veio para busca-los no hotel, sua mãe comentou:

- Meu filho, te desejo tudo de bom hoje no programa!
- Obrigado, mãe...
- Apenas, negro – assim João era carinhosamente chamado por sua mãe - tome o cuidado de não desdenhar muito a empresa que você trabalha. Ninguém sabe o dia de amanhã, meu filho...
- Tranquilo, mãe.

Já dentro do estúdio de gravação, enquanto sua mãe sentou numa das primeiras fileiras do auditório, João foi maquiado e aproveitou para conhecer alguns outros entrevistados: um mecânico de helicóptero, uma intérprete que falava 54 idiomas e um brasileiro que era crupiê em Las Vegas. E também a apresentadora, Mirian Bartholomeu, o que deixou João bem à vontade para a entrevista. Quando foi chamado ao palco, João foi apresentado como “assistente” ou “auxiliar” administrativo (devido à similaridade existente entre os cargos), mas no caso específico de João, Mirian iria se referir à profissão como “assistente”, pois assim estava descrito na carteira de trabalho dele.

- Bem João, o Brasil quer saber: o que faz um assistente administrativo?
- Hum... – pensou João rapidamente, para responder em seguida: - No meu caso Mirian, eu faço os cadastros de novos clientes, digito os pedidos e tiro os relatórios de vendas que meu chefe me pede.
- Que interessante, João! E qual a quantidade de pedidos digitados por dia na empresa?
- Depende, Miriam. Como nosso produto tem um alto valor, às vezes não digitamos nenhum pedido, às vezes dois, no máximo três talvez.
- E o que você faz quando não tem pedidos?
- Normalmente tomo mais café. – nesta hora, João ouviu risadas do auditório.
- “Quer trocar de trabalho comigo?” é a pergunta do nosso internauta com o nick de “Serjão”, do Espírito Santo, que é entregador de telhas e tijolos. Que tal João?
- Não Serjão, acho que não me daria bem em entregas – disse João, bebericando um gole de café – ainda mais que sinto uma dor no nervo ciático.
- Puxa, e isso dói mesmo, hein João? Me diz uma coisa, o sua empresa oferece plano de saúde?
- Sim, Mirian. Temos um bom desconto para funcionário, inclusive.
- E você alguma vez já usou o plano, João?
- Sim. Sempre que tenho crises de enxaqueca, geralmente naquele período de fim de mês que envolve muito stress, daí eu uso o plano sempre que vou ao hospital. Também há uns tempos atrás eu estava com sintomas de úlcera gástrica, mas os médicos me falaram que era psicossomático, que eu não devia me preocupar.
- Que bom João, melhor assim... Aqui temos a Valdinéia, de São José, Santa Catarina que diz: “Vou mandar meu currículo para o João, pois aqui na minha empresa não tem plano de saúde. Socorro!” Que tal, João?
- Olha, desde que ela não tome meu emprego, tudo bem. – são escutadas novamente risadas do público.
- Bem João, e o almoço? Você volta para casa, come na empresa, como é que é?
- Não dá tempo de voltar em casa Mirian. Aí como na empresa, tenho só uma hora.
- E o cardápio João, que tal?
- Olha, Mirian é basicamente o mesmo sempre. Temos arroz, feijão, três saladas e um tipo de carne, que pode ser de porco, de gado, frango ou peixe. Ah, e um pedaço por pessoa apenas.
- Mas, nossos telespectadores estão curiosos para saber João, a porção de carne servida é justa?
- Bem, Mirian, eu diria que quando é carne bovina, o bife é minúsculo...
- João, você está nos dizendo que são feitos cortes pequenos para bife em sua empresa?
- É. Ou talvez a carne que eles compram venha de um abatedouro que só abate bois e vacas com nanismo, não sei ao certo...
- Bem, voltando agora ao seu cargo de assistente administrativo João, quanto tempo é necessário para se treinar um estagiário para a sua função?
- Bem, como a empresa só contrata quando a coisa “tá preta”, geralmente estamos tão atolados de coisas atrasadas que o estagiário aprende tudo assim, nas coxas, entende Mirian? – o público ri mais uma vez.
- Certo... mas e nos dias mais calmos, que você passa a cafezinho, o que o estagiário faz? Serve o café para vocês? – o público ri com a pergunta de Mirian.
- Não, isso não era para ser dito, Mirian – risadas seguidas de aplausos, agora.
- Você diria João que se perde ainda muito tempo com pequenas burocracias, no dia a dia de um assistente administrativo?
- Infelizmente sim, Mirian. Mas o que mais tira o tempo do assistente são os pedidos que nossos chefes fazem em cima da hora. Você acredita Mirian que, uma vez meu chefe me pediu para fazer um relatório super complexo, com gráficos e tudo o mais, enquanto ele escolhia entre mais uma TV de plasma ou de LED para a sua mansão? E pior é que quando eu terminei tudo, ele disse que estava errado, que eu não tinha prestado atenção no que ele me pediu para fazer...
- E aí João, o que você fez?
- Ué, refiz tudo. Levei trabalho para casa e fiquei até a madrugada refazendo.
- Estes são alguns contras de sua profissão, João... lidar com chefes não é fácil para ninguém, o meu staff aqui que o diga... – seguem-se risadas do público, neste momento o cameraman faz um sinal de positivo com o dedo confirmando o que Mirian diz; e mais risadas do público.
- Como nossa entrevista vai chegando ao fim – escuta-se um “aaahhhh” do público – vamos para uma pergunta de nosso internauta Adão Nepomuceno, de Imperatriz no Maranhão. O Adão quer saber João se um assistente administrativo viaja a serviço, ou se isto é raro de acontecer... O que você nos diz?
- Hum... eu diria que é raro, Mirian. Bem, no final do ano temos uma festa que a empresa dá aos funcionários, e normalmente o evento acontece em uma cascata, que fica na divisa com o município vizinho. Creio que é o mais longe que já viajei a trabalho...
- Na divisa do seu município? Bom, acho que isso responde a pergunta do Adão de Imperatriz...

Naquele momento, Mirian fez as considerações finais, João despediu-se dela e do público, que o aplaudiu em pé por quase um minuto. Aí João sentou-se no lugar que estava reservado para ele, bem ao lado de sua mãe. Ali eles assistiram a próxima entrevista daquele dia de gravações, com um senhor que fazia locuções para corridas de cachorro, rinhas de galo, entre outras...

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Jennifer

Não sei manejar bem as palavras, seu moço. Sou de origem humilde, minhoca da terra, lá de Campos, o moço conhece? Zona rural, uma desgraceira só. Foi a mãe do seu Benito que me trouxe pra cá. Prometeu estudo, salário, quase vida de princesa. Eu só tinha em troca que cuidar dos netos dela. Babá. Tudo mentira da grossa. Trabalhei que nem moura. Seu Benito me disse uma vez que a mãe pagou quinhentos contos pros meus pais na intenção de me levar. Uma coisa, comprada feito uma galinha de fundo de quintal. Ninharia, né? Idade? Eu tinha quinze, foi há algum tempinho sim. Cheguei aqui, cidade grande, aqueles prédios arranhando os céus, depois eu soube que o povo daqui chamava assim mesmo: arranha-céu. Bonito, não? Fiquei encantada e achei tudo uma festa. Tava pensando em progredir, terminar a escola, fazer curso de computação, qual! Mal botei meus pés nessa terra e já começou a exploração. Dona Paula, mulher do seu Benito, não queria nada com a lida. Vivia de academia, a malandra. Ficou com um corpo lindo, a danada. Esculpida. Parecia uma estátua dessas de mármore que a gente vê nos museus. Não, eu nunca entrei em um. Já vi em filmes na TV e nos filmes os museus são cheios de estátuas com o corpo da dona Paula. Eu cuidava das crianças. Duas pestes, sem um pingo de educação. A mãe não deu, não tinha tempo, tinha que “malhar”. Lá em Campos a gente só malha Judas em Sábado de Aleluia. Tá rindo? Você é engraçado, seu moço. Mas, como eu tava te falando, se fosse só tomar conta das pestes eu até que aguentava, mas dona Paula me colocava pra arrumar casa, cozinhar, levar o cachorro pra passear, dar banho, fazer mercado. E ela na malhação. Salário? Cinquenta pratas por mês, um cala boca. Folga? Vez por outra, quando dava na telha deles.
Quando eu tava com um ano de casa e ia levando a vida do jeito que Deus queria, o seu Benito começou com umas ideias estranhas pra cima de mim. Começou quando ele perdeu o emprego e passou a ficar mais em casa. Sempre que dona Paula ia malhar e eu tava na cozinha ele achava uma desculpa para entrar lá e como a cozinha era apertada, engraçado né, os arranha-céus são tão grandes por fora e uns ovo por dentro, na roça a gente vivia em casa grandona, como a cozinha era apertada ele passava e se encostava em mim, com umas más intenções que o moço já sabe. Eu fugia do cabra feito diabo da cruz. Diabo tem medo de alho também, sabia? Vi num filme. É Vampiro? Mas eu escapava. Ele disse que eu tava fazendo doce, que mais dia, menos dia, alguém ia me arrancar os tampos mesmo e que fosse com um cara perfumado como ele.

Pois é, moço. Aturei quase dois anos esse negócio. Se dona Paula desconfiava eu não sei. Só sei que ela tinha outro, ouvi uma vez ela toda se derretendo no telefone, pedindo pra voz do outro lado chamar ela de cadela. Seu Benito devia saber, o corno manso. E acho que ele queria se vingar de dona Paula comigo. Ela era bonitona e eu esta porcaria que você tá vendo. Sou não, me acho feia, mas fico agradecida. O moço além de engraçado é gentil. Mas deixa eu te dizer como foi que aconteceu. No dia que eu fiz dezoito anos e virei dona do meu nariz, piquei a mula e fui embora. Só de vingança, levei o cachorro pra passear, deixei ele fugir e botei pé no mundo também. Seu Benito gostava mais do Frank, era o nome do cachorro, do que dos filhos dele. Então eu soltei o Frank e vim direto pra cá. Já tinha visto o anúncio no jornal e só não vim antes porque era de menor. Madame Paula, é, o mesmo nome da minha ex-patroa, me recebeu muito bem e me deu um banho de loja. Leiloou o meu cabaço por quinhentos contos. Não ria não, seu moço, recebi metade na empreitada. Tô no lucro. Seu Benito ia me comer de graça, não é verdade? Agora eu tô aqui. Ao menos eu me divirto e ganho um bom dinheirinho. Meu nome? Jennifer. Claro que é de guerra mas, agora que o moço provou dos meus chamegos e, pela cara parece que gostou, quem sabe volta pra repetir, vira cliente e eu digo o nome que tá na certidão de nascimento?

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Sentimento inerte

Cicatriz sem marca,
corpo sem vida,
lembrança adormecida,
de carnaval sem data.

Feito abandono,
desesperado, perdido.
feito agonia,
essa tristeza doentia.

Calmaria é o teu silencio,
remexendo meu tormento,
me guiaste até aqui,
agora ouve da canção.

Partida



Antes de qualquer coisa,
ele simplesmente bateu a porta.

Sem vínculo de vida,
o vento entrou e se espalhou
cinza.

Não sobrou muito.

o rádio ia soando...

"Au printemps, je serai de retour
Le printemps, c'est joli pour se parler d'amour
Nous irons voir ensemble les jardins refleuris
Et déambulerons dans les rues de Paris!"
 
Porém, do jardim ficou quase nada.
Ficou o retrato do que antes foi vida.


(Jessiely Soares)

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Bikini girl with a machine gun



Estava tudo muito bem
até que ela puxou da gaveta
uma pistola automática

Eu a havia conhecido
no Circus,
bar frequentado
por toda espécie de junkies,
marginais e psicopatas
injetava heroína
numa mesa cheia de garrafas
sob o vermelho do neon
ofereceu-me um pouco
e lá estava eu
em seu apartamento

Quer minha grana, perguntei,
não, ela disse, só quero te ver morrer.
Oh merda, pensei, essa com certeza
é a mulher mais maluca que já
encontrei

Tudo tem seu limite
e louco de amilas que eu estava
cheguei bem perto
mandei-a que atirasse
no meio da minha testa
a vadia titubeou
desferi-lhe um soco no rosto
um disparo se fez
acertando
uma imitação vagabunda de Monet
apagou

Achei melhor ir embora
vesti minhas roupas
peguei sua pistola

Sirenes tocavam
e no rádio
uma canção insuportável,
alguém tocando trombeta
cheirei um pouco de éter
cuspí-lhe a buceta.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Reunião

Irineu verificou os lugares à mesa. Seis, com o seu à cabeceira. Esperava a chegada dos convidados ansiosamente. Uma pontada no peito, uma sensação de zonzeira na cabeça o deixavam inquieto. A reunião, no entanto, era o mais importante, o mais urgente. Finalmente cumpriria com seus compromissos há tanto adiados. Sentou à mesa da grande sala de jantar da fazenda e esperou. Eles chegaram todos juntos, em silêncio, e ocuparam seus lugares. Aquela sensação de algo errado era cada vez mais forte. Antes de servir o almoço ele tinha que comunicá-los da decisão que tomou. Precisava aliviar aquele peso no peito de uma vez. Tinha que ser agora. - Meus queridos, tomei uma decisão muito importante. Não vou esperar até minha morte para dividir os bens de todos esses anos obtidos aqui na fazenda. Tive que guardar durante muito tempo para que não ficássemos sem nada. A economia e o zelo são a chave para as bênçãos no futuro. Mas agora resolvi legar a cada um sua parte, e quero que a usem da melhor forma. Pra mim deixarei apenas o suficiente para minha subsistência nesses anos que me restam, que não hão de ser muitos. - Pra ti minha velha Ester, te deixo a quantia suficiente para que consultes os melhores médicos na capital pra tratares essa tua persistente dor no baixo ventre. Para o meu neto Zequinha, uma quantia que pague os médicos e a fisioterapia para a pólio, para que ele volte a andar. Para minha filha Larissa o suficiente para acompanhar o Zequinha onde quer que ele tenha que ir. Ao meu genro Manoel, ajudarei a abrir aquela venda aqui na província, onde poderá finalmente ter um trabalho decente. E ao final, não menos importante, ao meu velho capataz Laurêncio, que sempre administrou a fazenda da melhor forma, deixo o suficiente para que se aposente e viva o resto de seus dias com dignidade. Sinto que agora cumpri com meu dever para com vocês. Poderei, quando chegar minha hora, morrer em paz... Os convidados permaneciam quietos, imóveis, fitando Irineu de uma maneira desconcertante. Aquela sensação de desconforto em seu interior aumentou demasiadamente. De repente, num lance de vista, o velho deu com a mesa vazia, os lugares intocados. Então a memória, que estava embaçada e perdida em algum lugar, despejou suas lembranças de forma impiedosa: Ester morrera de câncer de útero, sem que o marido chamasse um médico para assisti-la. Zequinha morrera pelo agravamento da pólio, seguido da mãe que se foi por desgosto. Manoel terminou seus dias no fundo de uma garrafa. Quanto ao capataz Laurêncio, já muito velho e ainda na lida para garantir o pão da família, teve um infarto fulminante em meio às rezes e foi enterrado como indigente. Irineu começou a chorar copiosamente e a pelejar contra a realidade. Pensava que, se fosse lá pegar o dinheiro há muito guardado e o trouxesse, eles apareceriam novamente e então poderia corrigir tudo o que havia feito de errado. Pegou o facão de cortar churrasco e dirigiu-se ao seu quarto, em direção ao grande colchão de sua cama. Cravou-lhe a lâmina e abriu-o às cegas. Junto ao pano e aos flocos de espuma, estava uma grande quantidade de notas de diferentes épocas. Amareladas, amassadas, sem valor algum. O velho olhou para suas economias de tantos anos, ciente agora de que não passavam de pedaços de papel, apenas. A consciência libertadora e ao mesmo tempo pungente de que em qualquer tempo, não eram de fato nada mais que pedaços de papel, lavou seu rosto com as últimas lágrimas antes que a dor do derrame fatal reverberasse por seu crânio e sua alma encontrasse a escuridão.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

OVNIs

Sobrevoam, desnorteados,
um planeta azulado,
há muito despedaçado
por egos exacerbados.

***

domingo, 13 de outubro de 2013

Ah... o tempo.... (DBS)

Estava olhando umas fotos já antigas dos meus filhos!
Ah, o tempo não volta!
Ah, se nós pudéssemos amarrar o tempo, eternizar a festa de casamento, a lua-de-mel, a emoção de ver o coraçãozinho batendo na primeira ecografia. A emoção e medo de dar o primeiro banho. Ver os primeiros sorrisos, as perninhas balançando sem controle.
Ah, se pudéssemos sentir o mesmo abraço do dia da formatura dado pelo pai e pelo melhor amigo, se pudéssemos manter a alegria de passar no vestibular em todos os dias de trabalho. Se pudéssemos ser felizes com o primeiro salário, que não dava pra nada, mas servia pra tudo. Se pudéssemos ter o mesmo carrão velho que era o máximo, só porque era o primeiro.
Ah, se pudéssemos reviver de verdade!!! Mas não. Não podemos. Não poderemos.
Mas se podemos ter toda essa saudade e nostalgia, é porque vivemos com alegria. Ah, que triste as lembranças daqueles que não tiveram nada disso.
Amanhã é outro dia, todo novo, cada vez mais longe de tudo isso. E mais perto de mais disso, para depois nos deixar do mesmo jeito.
Às vezes, alegria e tristeza se confundem pela mesma coisa em momentos distintos no tempo.
Ah, se pudéssemos manipular o tempo!

Boa noite! Até ontem!

Óbito do Ódio

Ódio
Óio
Óo
O
.
Ódito
Óbito

Ótimo!

sábado, 12 de outubro de 2013

Manhã, tarde e noite

Desenho de Eduardo Flores

***

Os homens estão sentados,
a alma fugiu dos homens.
Calados estão, calados...
(Por dentro sussurram nomes.)

Os homens estão cansados,
o corpo venceu os homens.
Parados estão, parados
enquanto urubus os comem...

Os homens estão deitados,
a noite cobriu os homens.
(Os olhos se tornam fado
fadado aos lobisomens...)

***

~ poema publicado no blog do autor