quinta-feira, 26 de março de 2015

Ícaro

"Le Poète est semblable au prince des nuées
Qui hante la tempête et se rit de l'archer ;
Exilé sur le sol au milieu des huées,
Ses ailes de géant l'empêchent de marcher."

Charles Baudelaire

O poeta é um ser dotado de magia.
A lavra da palavra é seu ofício.
Constroi estrofes, versos - poesia!
Faz fácil o que pra todos é difícil.

A arte do poeta o torna alado
que voa, leve, a cada verso lido,
porque pra ele nada é censurado,
porque pra ele tudo é permitido.

Mas asas de um poeta são de cera
tal qual as de Ícaro - do Olimpo o deus.
Seus voos vão longe, tanto quanto o queira,
fazendo inveja até ao próprio Zeus!

No entanto se do Sol ele se acerca,
sonho que nele sempre se repete,
será seu triste fim porque, na certa,
a cera que sustenta a asa derrete!

(02/12/2013)

quarta-feira, 25 de março de 2015

Frase para começar um romance #3


Apesar dos dois dias acordada, ela não sentia sono nenhum, enquanto costurava, lentamente, a blusa rasgada.

domingo, 22 de março de 2015

Sabia assobiar


Cabisbaixos, ambos, ele e o canário. Ele sentou-se na varanda, abaixo da gaiola, e começou a assobiar, lenta e tristemente.

O canário, que até então nunca havia sequer piado, respondeu com um canto rápido e alegre. Ele então sorriu, como nunca havia sorrido.

Não se sabe até hoje quem ensinou quem.



quinta-feira, 19 de março de 2015

Números, números, números...


Anésio desde criança se interessava por números. Ainda muito pequeno, aos 5 anos de idade, já sabia efetuar somas e subtrações com uma precisão invejável. Ao entrar na escola, Anésio começou também a memorizar datas com números. Era sempre o mais solicitado a dar cola aos colegas em qualquer prova onde um número fosse importante:

- Anésio, que dia começou a guerra de Canudos?
- 05/10/97
- Valeu!

Mas às vezes os colegas de Anésio se davam mal. Como neste caso de Canudos, que o Virgílio anotou 97 como 1997, e na verdade tratava-se de 1897. Anésio foi ficando chateado que seus colegas, que se diziam seus amigos, só o procuravam na hora de saber um número em algum teste. Além é claro, dos professores, que começaram a trocar o Anésio de lugar na hora das provas, deixando-o sempre com sua carteira encostada rente à parede.
Apesar destes pequenos inconvenientes na escola, Anésio se dava muito bem com sua família. Sua mãe, por exemplo, admirava a sabedoria do filho e ficava ainda mais contente quando precisava saber o aniversário de alguém, como o de algum parente. A resposta, é claro, sempre saía como um míssil da boca de Anésio:

- Nezinho, que dia a Carla está de aniversário?
- A Carla manicure, a Carla prima ou aquela que fazia faxina aqui em casa?
- Uau... – sua mãe ainda se espantava às vezes – A prima, Nezinho.
- 06 de fevereiro. Aquariana como o pai, o João da oficina, minhas colegas Daiane, Elisa, o Sandoval, o Péricles...
- Tá bom, tá bom meu filho. Obrigado. Não força tanto esta cabecinha... Deixa pra hora das provas, deixa...

Foi graças aos números que Anésio conseguiu entrar para o time de futebol da escola. Mesmo não se dando muito bem com a bola, Anésio era muito útil para o seu técnico Ismael, que sempre recorria à excelente memória de seu ilustre ‘último reserva’:

- Anésio, quantas bolas tinham no saco quando eu cheguei?
- Catorze bolas cheias e duas semi-murchas professor!
- Então tem alguém pegando bola aqui sem pedir. Quem foi?

Ou também, quando alguns dos meninos do time esqueciam o documento de identidade na hora de um jogo:

- Anésio, o Maicon esqueceu a identidade. Lembra do número?
- O Maicon? 4 ponto 278 ponto 719 barra 6.
- Muito obrigado, Anésio! Você salvou o time hoje! Qualquer hora dessas ponho você para jogar, campeão!

O que, a bem da verdade, nunca aconteceu.

O tempo foi passando e Anésio entrou para a faculdade de Matemática. Como todo jovem que se preza, Anésio começou a flertar com as garotas e teve seus primeiros encontros. Mas até ele conquistar a sua primeira namorada, não foi nada fácil. As meninas sempre acharam aquele hábito de lembrar tudo que é número um pouco demais. Como na vez em que Anésio foi ao cinema com a Mônica, pela primeira vez. Ao chegarem, ela perguntou:

- Será que esse filme já está passando há muito tempo, Anésio?
- Desde sexta-feira, 19 de maio. Com sessões às 14, 18:30 e 21:30 de segunda à sexta. Nos finais de semana, sessões extras às 16:15 e às 20:00 horas.
- Nossa...

Essa primeira informação até havia impressionado a Mônica, mas ao final da sessão, a situação já era bem diferente. Anésio não se contentou enquanto não contou todas as pessoas que entraram na sala, e ficou importunando o gerente do cinema ao final do filme para saber quantos pagantes realmente havia naquela sessão – se eram 58, 59 ou 60, pois alguém havia entrado tarde na sessão, possivelmente duas pessoas, e ainda por cima, em momentos separados.

Após outras tentativas amorosas frustradas, Anésio finalmente encontrou a sua metade da laranja. Hoje, vive casado e trabalha no IBGE, fazendo relatórios e pesquisas de campo. Dizem as más línguas que a mulher do Anésio, que é dona de casa, tem o hábito de ficar conversando com as plantas e com os animais durante o dia.

E com Anésio também, assim que ele chega do trabalho.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Os Traidores

O ambiente apresentava um clima de montanha em virtude da brisa gélida que o ar-condicionado cuspia. A temperatura agradável do quarto não impedia porém que o Doutor Paranhos suasse em abundância. “Doutor!” Rosnou mentalmente Sueli. “Só se for em safadeza. Todo patrão, mesmo semi-alfabetizado e a quilômetros de um diploma, vira Doutor para os subalternos explorados”, filosofava a secretária,  nua, por debaixo do balofo Paranhos que a esmagava com o peso do seu corpo e da sua luxúria.
A cama do motel barato sacolejava ao ritmo dos bruscos movimentos sexuais do Doutor Paranhos que, no decorrer do ato, emitiu alguns grunhidos de prazer, revirou os olhos, trincou os dentes e desabou pesadamente sobre Sueli. A secretária esforçou-se para virá-lo de lado e, após livrar-se do peso que quase a sufocara, respirou fortemente em busca do oxigênio salvador para em seguida constatar que o Doutor Paranhos morrera. O homem não resistira. Os prazeres da cama o haviam liquidado.
Sueli andou desvairada ao redor do quarto, tentando por os nervos no lugar. Contemplando o cadáver, imaginou-se acusada de assassinato, protagonista de um escândalo. Todos descobririam o seu caso com o patrão. E como encarar Dona Laurinda, esposa do Doutor Paranhos, aquela genuína lady? Procurou em sua bolsa um comprimido de calmante, ingerindo-o com uma sobra de cerveja que ficara numa latinha consumida pelo finado. A seguir, ligou para a fábrica, atrás do Almeida.
— Almeida? Sueli. Aconteceu uma tragédia!
— O que houve? Onde você está?
— Em um motel do Centro. Doutor Paranhos morreu, parece coração.
Breve pausa do outro lado da linha.
 — Se acalme e me passa o endereço que eu to indo pra aí. Temos que tirá-lo deste lugar e preservar Dona Laurinda que tem o Doutor na conta de santo.
Almeida trabalhava no setor administrativo da fábrica. Adepto da filosofia do puxa-saquismo e da ciência da adulação, tornara-se em poucos anos o homem de confiança do Paranhos, conhecedor de todas as suas falcatruas nos negócios, acobertador de suas estripulias sexuais com as operárias. Chorou sinceramente alguns minutos a morte do patrão, por quem nutria um subserviente apreço e decidiu que, pela boa imagem da empresa, ele teria um fim digno, longe dos mexericos que um falecimento na cama de um motel de terceira categoria em companhia da secretária de quinta certamente provocaria.
Chegou ao motel trazendo a reboque outro funcionário, famoso por sua discrição. Sueli os recebeu chorosa, vestida. “Uma pena”, lamentou Almeida, desejoso em conhecer como seriam os peitinhos da Sueli que no ambiente da fábrica não passavam de um mero relevo, insinuante, escondido por debaixo das blusas. Doutor Paranhos curiosamente também se encontrava vestido, estendido na cama.
— Sempre ouvi falar que o morto quando esfria fica duro feito pedra, parecendo um bonequinho de chumbo e que é o maior sufoco botar uma roupa no sujeito. Então, eu vesti o Doutor para evitar que ele passasse a vergonha de sair nu no rabecão – Desculpou-se a constrangida secretária.
Almeida foi a beirada da cama e encarou o defunto. O Doutor aparentava sorrir. “Pela cara de sacana percebe-se que o senhor aproveitou muito bem os seus últimos momentos de vida” – pensou.
Os dois homens, ajudados por Sueli, pegaram Paranhos pelos braços e o carregaram até o carro. Aos funcionários do motel, explicaram que o empresário estava vivo, mas passando muito mal e que o levariam para uma emergência, o que fizeram de fato. Doutor Paranhos deu entrada no hospital morto. Falecera no caminho de volta para o trabalho, após passar mal em um restaurante onde almoçava com os três empregados. Esta foi a versão oficial dada à viúva e ao pessoal da empresa.
Velório de primeira, caixão luxuoso rodeado por incontáveis coroas de flores, capela apinhada de gente para dar o último adeus ao agora saudoso Paranhos. O esquife seria carregado até o jazigo da família por membros da Irmandade da Ordem Terceira do Carmo, da qual o defunto fora colaborador. Dona Laurinda, trajando preto, carpia seu querido esposo. Muitos elogiaram as vestes da viúva, pois o luto fechado não era comum nos dias de hoje. Postado ao lado da enviuvada, Almeida recebia os cumprimentos pelo bom gosto na organização do fúnebre evento.
Três jovens mulheres aproximaram-se do caixão e iniciaram em conjunto um pranto descontrolado, provocando comentários ligeiramente indignados por parte dos familiares do Paranhos. Choravam copiosamente em trinca, como que se um querido pai, estimado avô, ou um tio predileto houvessem perdido.
Dona Laurinda discretamente cutucou o Almeida.
 — Qual das três é a tal de Sueli?
 — A do meio, de vestido sóbrio.
 — E as outras duas? Também dormiam com o safado do Paranhos?
— Sim senhora. A de decote escandaloso e perfume barato é Dona Clotilde, do setor de compras, a com cara de Madalena arrependida é a Maria de Fátima, uma das operárias.
Dona Laurinda armou-se de um olhar de profunda repulsa, contudo, tencionando manter as aparências e ser superior as suas ex-rivais, represou o ódio.
— Sou grata por sua dedicação Almeida. A propósito, faça-me a gentileza de passar amanhã em minha residência. Precisamos conversar sobre o futuro da fábrica.
“Rei morto, Rainha posta” – comemorou o bajulador.
No dia seguinte ao enterro, Almeida foi à casa da viúva conforme o combinado. Inesperadamente, encontrou uma mulher sensualmente metida dentro de um decotado vestido florido. A princípio, tal ousadia lhe pareceu uma afronta à memória do Doutor Paranhos, mas ao prestar atenção no corpo carnudo de Laurinda, cinqüentenário mas ainda possuidor de boas formas e relembrando o quanto o falecido a traíra nestes últimos anos, Almeida relaxou nos escrúpulos.
Conversaram sobre os problemas da fábrica, abriram uma garrafa de vinho, falaram mal do morto e fizeram amor por horas a fio no chão da sala de estar. O desempenho sexual da viúva surpreendeu Almeida. Com uma mulher fogosa como aquela dentro de casa, o que o Doutor Paranhos procurava em suas amantes?
Enquanto se vestiam, ainda ofegantes em razão da volúpia, Laurinda lhe ordenou:
— Amanhã, demita a tal de Sueli. Pague os direitos da vagabunda.
Transcorrida uma semana do erótico encontro, Almeida recebeu no trabalho novo telefonema de Dona Laurinda, mandando que ele fosse imediatamente a sua casa. Desligou eufórico. O que acontecera depois do enterro não fora um momento fortuito. A viúva o queria como homem. O telefonema era a prova incontestável. Quem sabe os dois se casariam e, ou invés de uma simples gerência como ambicionava, ele não se tornaria dono daquela fábrica? E Laurinda, apesar da idade, possuía ainda alguns atributos estéticos: “Uma boa meia-sola e ela agüenta mais uns dois anos”,  gracejou, radiante pela sorte que havia pousado em sua vida.
Mal tocou a campainha, foi recebido pela dona da fábrica trajando apenas um conjunto de calcinha e sutiã negros, como convinha a uma enlutada. A viúva, sedenta, praticamente  o violentou no chão da sala. Ao final da cópula, Laurinda mandou:
— Amanhã, demita a tal da Clotilde. E pague os direitos da vagabunda.
Intervalo de mais uma semana e Almeida foi novamente requisitado a casa da viúva. Neste dia, nem roupas ela se deu ao trabalho de vestir. Recebeu o amante nua, em sua sala de estar. Fizeram amor com selvageria e depois do gozo o próprio Almeida se adiantou.
 — Despeço a Maria de Fátima?
 — Sim, e pague os direitos daquela vagabunda com cara de Madalena arrependida.
O novo chamamento de Dona Laurinda desta vez não demorou mais do que dois dias. Almeida chegou a casa da amante cantarolando, com a cabeça recheada de idéias e planos gerenciais. Tencionava mudar tudo na fábrica, fazer as coisas funcionarem a sua maneira. Ia dobrar o capital daquela empresa. Mas antes, convenceria a viúva da necessidade de fazerem um cruzeiro pelo Mar do Caribe, a título de lua-de-mel, pois ele precisaria de um descanso antes de assumir os negócios.
Laurinda o recepcionou friamente. Vestia luto fechado. Estranhando o fato, Almeida, respeitoso, sentou-se no sofá cruzando a perna esquerda de modo que não exibisse a sola do sapato. A viúva acomodou-se de maneira elegante em uma poltrona a sua frente e falou:
— Senhor Almeida. Em respeito aos longos anos de dedicação a minha empresa, eu o chamei aqui para evitar o constrangimento de despedi-lo na frente de todo o pessoal da fábrica. Assim, sugiro que o senhor peça demissão, sem direitos, e evite cenas desagradáveis.
Impactado pela notícia, Almeida somente conseguiu, em meio a balbucios, perguntar o porquê de estar indo para o olho da rua. Laurinda, vitoriosa, cortante feito uma navalha, esclareceu  serenamente.
— É impossível manter em nossos quadros alguém que, conhecendo os segredos do seu patrão, o trai revelando suas torpezas sem que a criatura ainda nem tenha baixado a sepultura. Depois, trai as próprias colegas de trabalho, dedurando-as. E ainda trai pela segunda vez o seu patrão, dormindo com a sua viúva na vil intenção de obter vantagens em sua carreira. A traição impregna o seu caráter senhor Almeida. Como confiar no senhor? Mais tarde serei eu a traída. Passe muito bem!
No dia seguinte, os funcionários da fábrica foram surpreendidos pela carta de demissão do Almeida. Mais admirados ficaram ao descobrirem que o ele renunciara aos seus direitos trabalhistas.


Do outro Lado do Globo


Tem noites tão noites,
Que de tão escura e fria,
Nem parece que em algum lugar

do outro
lado
do globo

Há um sol que ainda
Brilha.

André Espínola

(Poesia presente no Ebook "Apenas Cinco Minutos")

terça-feira, 17 de março de 2015

O abrigo do poeta

Sob a luz e o oculto
nas palavras de poemas
o abrigo do poeta
entre os planetas

Canto punhados de azul
de sol, de brisa, de mar e luar
no acalanto das estrelas
vaga-lumes vagam

no endereço dos teus prazeres
aceno intensos desejos
redemoinhos e ventos 
abalançados

Canto punhados de azul
de sol de brisa de mar e luar
no acalanto das estrelas
vaga-lumes vagam

Prótons, elétrons e nêutrons
Netuno risca nos papéis
amores, lírios, víeis


Canto punhados de azul
de sol de brisa de mar e luar
no acalanto das estrelas
vaga-lumes vagam


segunda-feira, 16 de março de 2015

Loucura in loco

Onde
fica guardada sua loucura?
fica a risada obscura?
em qual camada ou fissura?

Onde
fica a charada, a travessura?
sua estrada, temperatura
em qual fachada ou armadura?

Onde
fica calada sua censura?
fica pintada sua textura?
em qual entrada ou ranhura?

Onde
fica enlatada sua diabrura
sua cartada, sua tortura
em qual caçada ou aventura?

Onde
fica votada sua ditadura?
fica entubada sua doçura?
em qual calçada ou cobertura?

Onde fica guardada sua loucura?

sábado, 14 de março de 2015

TROVA (I)

Amigos do Bar,

A partir deste mês, postarei aqui uma série de trovas.

Nesta edição, agradeço à querida amiga Dáguima Verônica, que fez este lindo trabalho gráfico.
Obrigado e abraços poéticos, querida amiga.

E aos amigos leitores: espero que gostem.

Edweine Loureiro


segunda-feira, 9 de março de 2015

O ASSASSINO DO BAR DO ESCRITOR – Todos querem as vadias do Bar


Sentados no Bar do Escritor conversávamos bebendo muito:

– Pede outra Glauber.
– Porra Zulmar, o Intragável adestrou mais uma, ela tava se exibindo igual uma foca aqui ontem, dizendo pra todo mundo que é a nova puta dele.
– Quem?
– Uma tal de Bauh de Bouquet.
– Mas ele não tava comendo a Rare Mouth Garbuio?
– Pois é! Uma tem foto de boca, a outra tem nome, fato é que o Treuffar tá passando a pica em geral, essas Marias Teclados fazem tudo pra serem as queridinhas do Bar.
– Relaxa Glauber, esse merda me liga todo dia de manhã, se não me engano tinha me dito que essa tal de Bauh de Bouquet é o Benitez ou o Wandyko.
– Quem é Wandyko?
– O Wandyr, porra!
– Não é! O Wandyr é um cara maneiro, parceiro total e o Benitez é fake, mas é do bem, agora o Intragável não passa de um oportunista se aproveitando da ausência do Iemini pra comer geral com esse papinho de Moderador, de Deus do Bar, e convenhamos, ele escreve mal pra caralho!
– Hahaha… E ainda tem a Denise que fica babando o ovo dele em comentários do tipo “o Sr. Treuffar Dominador é o máximo” e tal e coisa, e cosa e tal, fora a gostosa da Pat e uma Sonia que aparece de vez em quando por aqui.
– Porra… Elas ficam se bajulando entre si, sem ciúmes ou concorrência, esse puto é um agregador de bucetas, parece que elas ficam todas se pegando com ele, apareceu outra agora, tal de Jéssica, chegou postando uma comparação entre ele e o Rubem Fonseca, vê se pode uma porra dessa!?
– Aí é demais…
– Temos que dar um fim nisso.
– E seu eu falar com ele, o Pablo é liberal, podemos fazer uma suruba com essas putas todas, a Rare Mouth é uma gostosa, escreve um monte de sacanagens, se bem que ela sempre mata no final, não importa, ela foi eleita a musa do Bar, junto com a Jane, é bom lembrar… Ahhh… A Jane… E essa tal de Bauh de Bouquet é gostosa?
– Ele comeu a Jane também?
– Não, a Jane não, porra! Pelo menos ela não fica aqui no Bar se mostrando pra ele, quase não aparece por aqui.
– Não quero saber! Eu quero acabar com essa porra!
– Acho que essas mulheres são fakes de autopromoção, por isso ele fica me ligando de manhã, pra me confundir.
– Porra Zuza, conhecemos a Jane.
– Será que somos todos fakes? O Pablo veio com um papo de Walyse de True Faux, disse que é o fake detetive dele.
– Para de Beber Zuza! Que merda é essa? Quem é Walyse de True Faux?
– Ahhh… Você não sabe!? O fake do Pablo!
– E fake bebe?
– O meu bebia tanto que o matei! Por quê?
– Olha aquela mesa ali.
– Qual?
– Porra, Zuza, lá no canto.
– Caralho, não tô acreditando, são a Rare Mouth, a Denise, a Pat, a Sonia e a Jéssica, figurinhas carimbadas aqui do Bar, só maravilhosa! Mas quem é aquela no colo dele?
– Deve ser a tal de Bauh… Como é que é mesmo?
– Bauh de Bouquet… Cara, a Rare Mouth tá beijando a Pat e a Denise, vamos sentar lá com elas, essa Bauh também é uma gata, vamos lá, falamos um pouco de literatura e depois piroca nelas.
– De jeito nenhum, o Intragável é insuportável, tá se achando o caçador, mas tem que tomar cuidado pra não virar caça.
– Mas ele tá chamando a gente, tá acenando pra cá.
– Não!!!
– Mas elas são bárbaras, tem jeito de devoradoras de homens e tão todas se querendo pra gente.
– Zuza, presta atenção, a casa caiu, sua mulher tá querendo invadir o Bar, já mandei a Jane abrir o olho.
– O que tem a Jane?
– Porra limão, todo mundo sabe que você come a Jane desde os tempos do Orkut, então fica de boa e me ouve.
– Hein!?!?
– Sua mulher, mané! Ela tá sentindo o cheiro das cadelas do Bar, ou você acha que ela não desconfia do por que você passa mais tempo aqui do que em casa com ela.
– Tá foda hein… Quer me foder me beija… Enquanto isso o Intragável tá ali se esfregando com essas putas todas, bem na nossa frente, preciso beber mais pra te aturar.
– É verdade, o filho da puta tá bem ali no bem bom. Porque você não o mata?
– Eu?
– É, manda bala, ai sobra umas buças pra gente.
– Mas ele compartilha, o intragável é suingueiro, pra que matar, eu não quero me foder, eu quero foder.
– Paga outra cerveja e vamos finalizar esse oportunista.
– Porra Glauber, paga uma.
– Continua me ouvindo…
– Não tô te entendendo…
– Esses seus olhos de ressaca são sua maldição, devia te dar um tiro.
– Sai de mim, guarda sua raiva, mais amor no coração irmão.
– Fica na tua… Se eu visse um olhar desmaquiado, troncho, esquisito, assim, tipo o seu, por aí, e o corpo fosse material consumível, saberia ali estar a minha próxima refeição.
– Tu não tá falando coisa com coisa parceiro, para de beber, acho que tu tá comprando crack dos seus detentos.
– Tu é fraco Zulmar, não tem filosofia no seu ser.
– Guarda a filosofia pra você, me finjo de intelectual só pra comer o cu das almas bêbadas.
– Já volto Zuza.

****************

- “Deveras, a parada é essa, ele levantou e disparou três tiros, o Treuffar caiu morto, Glauber foi preso, quem diria, de carcereiro a encarcerado, enfim, eu continuo comendo a Jane no sapatinho e frequentando o Bar na surdina das madrugadas com minha cara de limão, mas a novidade é que o Iemini voltou ao Bar e tá comendo todas de novo.”
- “Zulmar, bora matar o Iemini também!”

FIM


Pablo Treuffar
Licença Creative Commons
O ASSASSINO DO BAR DO ESCRITOR de Pablo Treuffar é licenciado sob uma Licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivs 3.0 Unported.
Based on a work at www.pablotreuffar.com
A VERDADE É QUE EU MINTO

A VERDADE É QUE EU MINTO

sábado, 7 de março de 2015

Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)



Praia do Leblon
Domingo de Carnaval de 1976


_ Porra Africano, toca essa bola. 
Africano com um sorriso torto no rosto, finta um, dois, três antes de chutar no gol, o goleiro se esforça e joga a bola pra escanteio. 
_ Vai ser fominha hein negão. 

Africano tem 17 anos, preto como petróleo, seus antepassados Bantos vieram em navios negreiros e foram escravos no interior da Bahia. Ele é de falar pouco e joga muita bola. Juvenil do Flamengo, espera sua chance no time principal. Ele sabe que vai chegar sua hora. Todos sabem. 
O escanteio é batido, um jogador cabeceia, o goleiro espalma, a bola sobra para Africano. Ele podia chutar de primeira, mas traz a pelota pra perto de si, a mata lindamente como se a bola estivesse suavemente colada aos seus pés descalços e calejados da areia quente da praia. Dá um cortezinho pra esquerda, olha rapidamente de soslaio por sobre o amontoado de jogadores à sua frente e bate pro gol. A bola caprichosamente passa por todos. Morre na rede do lado direito do goleiro, que apenas olha. 
No caso desse morador da Urca, flamenguista doente, a bola nasce, goza esperançosa e vingativa a seus pés. 
Ele sai gargalhando a passos largos, com suas pernas esquias de canelas duras moldadas no sobe e desce das escadarias do morro. 
3 a 0. 
Próximo time. 
A pequena torcida que assiste, aplaude o golaço. Ele imagina os mesmos aplausos vindos das arquibancadas do Maracanã, num jogo de final. 
Sai do campo em direção ao mar, pra dar um mergulho. 

_ Porra negão vai afinar é ? Não vai jogar mais ?

_ Não.

_ Frouxão.
_ Vai se foder Boiadeiro. 

Boiadeiro é amigo do Africano desde moleque, e mesmo sendo quatro anos mais velho, era o amigo, mais forte e malandro, que o defendia nas brigas de rua. Trabalha no Jóquei Clube, cuidando dos cavalos, coisa que detesta. 
“Só grã-fino, que acha que o mundo parou pra eles. Gente metida.”Sonha em mudar de vida, juntar dinheiro e ir com a mulher e as duas filhas para o Mato Grosso, estado onde nunca esteve mas que seu pai conta aos quatro ventos ser o lugar mais lindo do mundo. Mexer com coisas de vaqueiro, cuidar de gado e não ficar limpando a bunda de cavalo de madame. Se o Rio é a cidade, o Mato Grosso é o Estado Maravilhoso. Ao menos pra Boiadeiro.

Saindo do mar, em direção ao Quiosque de São Vitor, o papo dos dois descamba na rivalidade Fla x Flu.

_ Porra, o Maracanã chama Mario Filho porque ele era torcedor do Fluminense. O Chico é Flu. Dolores, aquela gostosura minha vizinha é Flu. Poxa, o Flamengo saiu do Flu amigo. Não adianta, vocês tem de pedir “bençá” pra nós.

_ Que nada rapaz, Flu é time de grã-fino igual àqueles que tu tem de babar ovo nas corridas do Jóquei. Mengão é time da massa. Gente pobre igual à gente tem de torcer pro Flamengo. Você acha que eles aceitam qualquer negão lá no Flu. Tem de ser filho de empregada de algum cartola pra jogar lá.

_ Ah para com isso Africano, você não sabe do que tá falando. Fluminense é povão, primeiro time do Brasil.
_ Ah isso não, você tá por fora mesmo Bóia. O primeiro time é o Vasquinho porra. Já veio com os portugueses, chegou aqui e tomou de 4 a 0 do time dos índios, que nem sabiam jogar bolar, só pegar coco. 


Os dois caem na gargalhada que não se agüentam e sentam pra tomar uma cerveja. 

Ao longe, em alto mar, fora da arrebentação, na calmaria do oceano, um solitário surfista sentado em sua prancha retira do bolso do short um saquinho plástico muito bem vedado, onde há um isqueiro e um baseado. Acende e observa, em silêncio, toda a cidade do Rio de Janeiro à sua frente, tendo como testemunha apenas a maresia do Atlântico e seu imenso amigo sol.



# Texto inspirado na canção Ponta de Lança Africano (Umbabarauma), gravada em 1976 por Jorge Ben no disco "África Brasil"



quarta-feira, 4 de março de 2015

Pra não dizer que não falei dos fakes



            Depois de uns dias afastado do BdE (por conta da greve dos caminhoneiros, acabei ficando quase uma semana preso na estrada. Explico: para conseguir ir de graça de Cabrobó do Mato para Cachimbó do Aterro, onde desfrutaria das delícias locais, peguei uma “carona não autorizada” na caçamba de um caminhão. Como estavam barrando todos, acabamos retidos entre o nada e o lugar nenhum, em algum quilômetro perdido da BR 153. Ainda bem que era um caminhão de secos e molhados e que achei um carregamento de whisky falsificado que me ajudou a passar o tempo. A paciência devia mesmo ser engarrafada), eis que retornava tranquilo para o Bar do Escritor, quando topei com uma turba reunida na porta do local. Faixas, carros de som e tudo o mais que se pode pensar em um protesto desses.
            Havia uma equipe de tevê com uma repórter gostosa, digo famosa, anotando tudo em um bloquinho. Aproveitei para inteirar-me do que ocorria.
            Eu, fingindo de bobo ─ Que tá rolando?
            Ela, meio distante ─ É uma manifestação da CUF.
            Eu, fingindo interesse no assunto ─ E o que as centrais sindicais têm a ver com o botequim?
            Ela, ainda olhando para o lado ─ Em tese, tudo. Bares são lugares perfeitos para discussões políticas, sindicais, trabalhadoras e afins. Mas esses caras aí não são de nenhum sindicato fodão não. São da Central Única dos Fakes.
            Eu, querendo ser blasé ─ Ah, tá...
            Ela, tentando disfarçar a miopia sem óculos ─ Peraí, tô te reconhecendo ─ Fiquei feliz pacas, afinal, ser reconhecido pela famosa, digo, gostosa da tevê não é para qualquer um. Vai que rola alguma coisa... ─ Você é o Pablo Treuffar, o cara que reorganizou o Bar!
            Eu, avexado, querendo mandar a real ─ Olha, na verdade, sou o...
            Ela, excitada ─ Faço qualquer coisa por uma exclusiva contigo!
            O sinal ficou verde na hora. Putz, Vanessa Fadinha, a jornalista mais peituda (no sentido corajoso da palavra) e gata da telinha sujeitando-se a “qualquer coisa” comigo mesmo pensando que eu era outra pessoa? Não sabia que ela era uma Treuffete, mas se deixasse passar essa, nem o Pablito iria me perdoar.  
            Eu, na pilha ─ Aê, gata, prá tu, é “exxxclusiva e demorada”, valeu?  (mandei ver no carioquês que andei aprendendo nestes cinco anos de Flip; afinal, a zorra de meio de ano havia servido para alguma coisa).
            Ela, glamorosa ─ Maravilha, então, por onde começamos, Treuffar?
            Ao ouvirem o nome do bastado-mor de Ipanema, uma avalanche de fakes partiu para cima da gente, afastando-me da delícia em forma de notícia.
Fake 1 ─ Todo poder aos fakes!
Fake 2 ─ Os fakes, unidos, serão sempre os mais escritos!
Fakes reunidos ─ Fake é bom, fake é lindo, fake escrevendo é fake divertindo!
Tentei organizar a parada, mas lembrei que organização não é um dos fortes do lugar.
Eu, foda ─ Aê, cambada! Vamo baixando a bolinha! Deixa ver o que tá rolando nessa bagaça primeiro!
Reuniu-se então um grupo para representar os fakes (que na verdade foram criados para representarem os outros, mas vá lá...).
Fake 1 ─ Mas peraí, tu não é o...
Eu, fodão ─ A parada não é sobre fakes? Então, no momento “estou” Treuffar. ─ E apontei a gostosa.   
Fakes reunidos, sacando a dica ─ Ah, tá...
Eu, mais fodão ainda ─ Então, o que tá pegando?
Fakes reunidos ─ Bom, é que desde que o Bar do Escritor voltou, nós, os fakes, também voltamos.
Eu, fodíssimo, voz de Clint Eastwood  ─ Sei e daí?
Fakeaiada ─ Daí que estamos com medo de que aconteça aqui o que aconteceu no BdE pré-histérico, de deletarem todos da noite para o dia.  
Vanessa Fadinha ─ Pré-histórico.  
Eu, didático ─ Não, é histérico mesmo; naquela época rolou tanto barraco que fomos obrigados a deletar todos os fakes.
Ela, daquele jeito ─ Ah, tá...
Eu, pica das galáxias ─ A parada é a seguinte: o Bar é um espaço aberto a todos que queiram manda ver nas letras, tanto faz se de cara limpa ou mandando por fake; a bem da verdade, atrás de todo fake tem que ter alguém, daí que são corresponsáveis um pelo outro, sacaram? Desde que estejamos produzindo, comentando e mandando ver nas escritas, estaremos fazendo justamente aquilo a que o Bar do Escritor, desde os primórdios tempos do Orkut (quando nasceu da iniciativa e ressaca do Giovani Iemini) se dedica com afinco: Uma mesa de bar onde escritores famosos, anônimos, publicados, impublicados e impublicáveis trocam impressões sobre Literatura e afins. Pode falar mal? PODE! Pode usar palavrão? Puta que Pariu, Claro que pode! Pode xingar? Tirando a mãe, pode! Um boteco das letras!
A turba explodiu em palmas, aquilo fez com que ficasse mais atacado:
Eu, tirando onda de político ─ A arte da fakearia é muito antiga, vinda de muito antes do mundo virtual; entrelaça-se com a ordem dos pseudônimos, estes seres espetaculares que tanto já ajudaram escritores nas mais diversas eras da escrita. Tomás Antônio Gonzaga, para citar um exemplo, pode-se transvestir-se de “Critilo” para poder elaborar suas Cartas Chilenas; Samuel Langhorne Clemens pode levar uma vida sossegada, enquanto “Mark Twain” aprontava; “George Orwell” criticou meio mundo, representando o pacato Eric Arthur Blair; Porra, Fernando Pessoa foi ainda além e chegou a criar não só um, mas três heterônimos famosos: “Ricardo Reis”, “Álvaro de Campos” e “Alberto Caieiro”. Enfim, meus amigos, o problema não é se passar por outro personagem, mas o que este personagem faz, o que ele tem a dizer, para quê tê-lo. Tenho visto muita coisa boa ser feita por esta nova e interessante safra de fakes que habitam o reformulado botequim; textos primorosos, outros bem trabalhados e outros que fariam com que os músculos de minhoca ficassem com uma inveja lascada. Mas o importante é produzir, criar, tratar novos modelos de escrita, de interação literária e crescimento estilístico!
A massa pipocava igual carnaval na Bahia. Tivesse eleições agora dava até para descolar uma boquinha de vereador, quem sabe até deputado... Nisso lembrei que a gata ainda estava ali, de bobeira.  Ia mandar a letra quando um baixinho com maneiras esquisitas intrometeu-se, atrapalhando mais uma investida:
Baixinho com maneiras esquisitas  ─ Aê, cês vão ter que desocupar o logradouro.
O engraçado é que podia jurar que ele estava sendo dublado.
Eu, invocado ─ E quem é você, cara-pálida?
Baixinho com maneiras ainda mais esquisitas ─ Alvarenga Peixoto, agente de fiscalização de fakes, pseudônimos, heterônimos, praças, ruas e logradouros.
Vanessa Fadinha, curiosa ─ O que tem a ver os fakes e afins com praças e ruas?
Alvarenga Peixoto, voz de Hardy HarHar, suspirando ─ Ó, vida, ó azar: corte de verbas, misturaram os departamentos e deu nisso, de virar babá de fake maluco.
Eu, empombando ─ Ô, meia-sola, não vai rolar de liberar a via não, parceiro: gastei o maior latim para fazer essa galera acalmar. Deixa eles tomarem uns goles primeiro, caramba.
Alvarenga Peixoto, suspiro ─ Então serei obrigado a usar a força.
Eu, defenestrador de impérios ─ Você e qual exército, gnomo?
Alvarenga Peixoto ─ Dois batalhões do Choque respondem sua pergunta?
Eu, conjugando o verbo amarelar ─ Queisso, cara. A gente é da paz, mano.
Alvarenga Peixoto, puxando o bloco ─ Já esperava por isso. Então, agora é a hora em que terei que deixar algumas pequenas autuações com vocês...
Eu, reencontrando um dos colhões ─ Peraí, devagar com a passarela; tu tá falando de multar o Bar do Escritor?
Alvarenga, didático ─ Na verdade, um responsável serve.
Eu, pensativo ─ Responsável? Difícil cê achar isso por aqui, chapa.
Alvarenga, solícito ─ Comecemos pela chefia: cadê o senhor Iemini?
Eu, tranquilizando ─ Cara, o Giovani ganhou um disco do Leonard Cohen, ouviu tanto que decidiu passar um tempo no Nepal, tirando onda de monge, sacou?
Alvarenga, calmo ─ Wilson R?
Eu, mais calmo  ─ Tá em missão na Bósnia Herzegovina; coisa de academia...
Alvarenga, apontando ─ Então terá que ser o senhor mesmo, Seu Treuffar.
Eu, tentando escapar do olhar da gata, no salgado momento da verdade ─ ...
Alvarenga, inquiridor ─ Não entendi, senhor.
Eu, eloquente ─ Não sou o Treuffar.
Alvarenga Peixoto, anasalando ─ De qualquer forma, terei que autuá-lo senhor. Há uma série de irregularidades aqui: excesso de fakes atrapalhando a via pública; auto prosa lotada de referências ao BdE e o pior, uma série de auto ironias não autorizadas.
Eu, no mato sem cachorro ─ Queisso, chefia! Somos o grupo mais auto irônico do pedaço. Temos até autorização para isso.  
Alvarenga Peixoto, impassível ─ Negativo, essa primazia é dos judeus. Igual àquela piada:
─ E aí, Jacó. Como vai?
– Vou muito mal! 
– Mas o que foi que aconteceu? 
– Minha mãe morreu. 
– Não me diga! Meus sentimentos. E o que é que a sua mãe tinha? 
– Infelizmente, pouca coisa. Uma casa, duas lojinhas no centro da cidade e um terreninho no interior.
Alvarenga Peixoto, assinalando a vitória ─ Então, faço a multa em nome de quem?
Agora eu tava ferrado. Se entregava quem era, não pegava a gata; se me deduro a mim mesmo, auto alcaguetando-me, tomava uma puta multa. A solução veio na forma de uma assistente de direção, dessas que se vê aos montes nos estúdios, chegando correndo com um descafeinado e duas rosquinhas:
Assistente, coadjuvando ─ Mister Allen, sorry sir, but could not find pretzels[1]!  
Foi aí que me dei conta que havia um cara atrás do tal mister:
Eu, acabando de achar o outro colhão ─ Mas, que merda é essa?
Saiu um fulaninho ainda mais mirrado, detrás do outro, com exatamente a mesma voz.
Fulaninho mirrado ─ Er... Hehe. Sou o dublador oficial dele.
Foi aí que saquei tudo. Bem que devia ter desconfiado daqueles óculos de Groucho Marxs que o tal fiscal tava usando.
Eu, poliglota ─ Deveria saber que em se tratando de peseudônimos e afins você com certeza apareceria, Mister Allen Steward Konigsberg, ou melhor dizendo, Woody Allen!
Woody, novamente dublado ─ Hehehe, tava por aqui, procurando umas locações novas, quando fiquei sabendo dessa manifestação de fakes, resolvi dar uma passadinha e fazer um laboratório para um próximo filme.
Vanessa Fadinha, saltando para o lado do gringo ─ Ai, Woody, sou louca por uma exclusiva contigo!
Woody, que não é bobo nem nada ─ Só se for agora, baby.
Eu, tentando salvar o Titanic ─ Pô, Fadinha, e nossa exclusiva?
Vanessa Fadinha, contabilizando ─ Aí, tu tem apartamento em Ipanema?
Eu, na pendura ─ Não.
Vanessa Fadinha, aumentando o estrago ─ É presidente de academia?
Eu, minguando ─ Também não.
Vanessa Fadinha, mandando um mata-leão ─ É diretor de cinema reconhecido mundialmente?
Eu, pegando a toalha ─ Negativo.
Vanessa Fadinha, mandando o fatality ─ Então, querido, porque ia querer alguma coisa você?
Eu, cara do coyote do Papaléguas ─ Pena?
            Uma limosine sinistra abriu caminho entre a multidão de fakes, pegou todo o staff do gringo, que saiu com a maior-delícia-do-pedaço a tiracolo. E eu ali, babando vontades...
            Fakeaiada ─ E agora, o que faremos?
            Eu, anotando mais um prejuízo na carteira ─ O que fazemos sempre: vamos tomar um porre e escrever. Quando estiver bêbado o suficiente, decido se monto a Igreja Espacial ou também vou para o Nepal, tirar onda de monge kaoísta...  


[1] Senhor Allen, desculpe senhor, mas não achamos pretzels.

segunda-feira, 2 de março de 2015

calundu

a mãe falava com os mortos e cedia seu corpo a eles. Carlos lembrou de que quando criança ouvia conversas no escuro, sussurros por trás das portas e nunca soube dizer se era a religião ou o estilo de vida dela. ao amanhecer o banhava com unguentos e canções de maldição, um culto secreto de glória ou de lamentação, como saber? recordava que fora tomado por tios e por desconhecidos e não se lembra se vivos ou não. o certo é que era violentado por herança materna. no vigésimo quinto capítulo, ele escondia o rosto para chorar e sufocava os soluços no travesseiro. a fita da máquina de escrever estava gasta, mas mesmo assim queria continuar escrevendo, ela não era sensível e nem tinha tato para assuntos tão pessoais.

(fragmento de meu livro: Fragmentos do Ciclo dos Símios)