quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Convidado Samuel da Costa

Black bird U.S.A
O voo livre do pássaro
De metal
São penas de plásticos
A Iludir as massas
E o canto pré-gravado
E sampleado soa falso
E adulterado
E o sonho de mundo melhor
É sepultado!
São aviões não-tripulados
Voos mortais a fazer vítimas
Pelo mundo pobre...
Ei senhor Robert Bales
Quem atirou e matou...
O meu sonho?
Sonho de liberdade...
E de um mundo melhor!
São penas sintéticas
E abstratas!
Voos vazios
São voos não tripulados
A fazer vítimas invisíveis
Impossíveis!
São sonhos falsos
Quem alguém
Inventou
Quem tripula os "drones"?
No jogo mortal
Que ninguém vê!
O voo livre do pássaro
De metal
E não tripulado
E a mira do senhor Robert Bales
Mira impossível
E abstrata 
Que ninguém condena 



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Samuel da Costa
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Nua

 

Deixa-me nua
todas as noites... 
no corpo. 

Mas não desnuda minha alma. 

Nela reside o meu mistério 
o nosso encanto 
a (des)razão que nos une.

Desnude-me e busque
[sem encontrar]
o mistério da alma.

O corpo nu distrai da essência.
Aquela que alimenta
nossa eterna inquietação.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Lembra-te!

                          Lembrar-te...
                          É querer o ardor do teu corpo,
                          No enlaço do meu e sentir-te, com fervor;
                          E sonhar, neste enleio, o enfeito da paixão!
                          Num consolo mútuo, em perfeita união! 
                          Ah! Onde pairas solidão?
                        Que me assolavas o coração!

Lembrar-te…
É querer a candura do teu sorriso,
Nas entranhas da minha alma, com ardor;
E afagar meu rosto, em teu regaço dourado!
Ah! Onde pairas sofrimento?
Que me assolavas o pensamento!

Lembrar-te…
É querer o amanhã da tua presença,
No sossego das nossas preces;
Sem espera lacrimosa!
Ah! E no enlevo das nossas almas:
O culminar dos nossos sentimentos!
Lembrar-te…
É Amar-te.


segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Tristeza


Com porquês a mente se agita
                    o coração acelera
                    o sangue ferve
                    o estômago grita


Mas os olhos cansados fixam o chão
a cabeça pende
e a voz, silencia.

domingo, 26 de agosto de 2012

BREGA

essa praga
brega
pega
e o exagero
dá o tempero
estético
é patético
mas quem não curte?
é arte popular
é amar
simplesmente
ser simples
se arrumar
pro amor
rimar com flor
e
seja lá como for
viver

essa praga
brega
pega...

(Escrito em 18/08/2012)

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Recado


Recado

Meu bem...
Eu falei fevereiro -  ainda é janeiro - tenho muito que navegar;
aproveitar cada segundo; descobrir cada cantinho para aqui registrar
Meu bem... não fique brava
o nosso compromisso foi quebrado, quando o convite foi rejeitado
porque queria mais que um namorado talvez um milionário - num iate viajar
Aqui não tem dinheiro, tem  realizações e desejos
folgança o dia inteiro - mau-humor nem pensar.
Seguirei a rota planejada. Volto  mais tranquilo pra casa
com a alma lavada e dever cumprido.
Meu bem...
o próximo convite oferecido
[ que não será o meu]
não fique fazendo doce
achando que pode outro otário fisgar
Eu até pareço Mané - às vezes até que sou
principalmente se o amor em minha porta bater
torno-me todo molinho feito um boneco quebrado
esperando ser consertado pra em seus braços permanecer
Ah! Como está sendo boa esta viagem de céus fotografados;
de estrelas contadas; de azul e verde-mar.
Meu bem não se avexe não, viu!
Se quiser pode gritar; pode até me mandar pra aquele lugar
Eu não ligo; não ligo não
Pois a sua foi santa e olhe no que deu!

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Luto


Regou o túmulo por dias, até secarem os olhos, vermelhos e ásperos

Uns dizem que foi por compaixão
Outros sussurram que foi por culpa







texto do livro Colcha de Retalhos

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Gira o mundo


Gira, gira,
Gira o mundo e eu
Sem saber aonde a roda me levará.
Para conhecer a paz
Devo na guerra morre?
Para meditar no que
Não voltará jamais
Devo partir?
Vou caminhar,
Não devo me iludir
Com o que encontrar
Na rota louca de não saber aonde ir.

A ‘porta do sol’
O voo de um homem pássaro!
A lançar seus braços
Na dimensão de se estar
Muito além da sombra de algum planeta
Ou, do sentido de se empunhar uma caneta.

Na madruga sou o que com o vento partiu,
O que a terra engoliu.
E na tarde, o encantamento
De poder retornar ao amanhecer.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Convidada Irene Canadinhas


A solidariedade que fuma

Em tempos modernos, ainda se pediam desculpas e obrigados. Hoje, é só pisar no pé de alguém e ter medo de pedir perdão. Aliás, perdão faz parte do vocabulário? Desculpa, que é desculpa, recebe como réplica uma cara feia ou um #naotoentendendonada.
As pessoas perderam os hábitos das gentilezas? Sou taxativa: não entre os fumantes.
Por mais que eu não goste do cheiro com o qual convivo desde meus tempos imemoriais (eu já fumei também e sei o quanto incomoda a quem não tem esse hábito), tenho de reconhecer o quanto se ajudam os fumantes.
- Por favor, você poderia me arranjar um cigarro?
Pessoas que nunca se viram se interpelam e sorriem entre si e se ajudam com a doação que é feita sem titubear, exceto em um caso. Cigarro não tem como dividir, igual a chiclete que a gente partia no meio quando criança para compartilhar com amigo de escola. Então, com cara da pena que já se sentiu na carne, o fumante mostra o maço: colega, foi mal... é o último.
Só uma vez eu presenciei mais que doação. Mesa de bar... óbvio: cerveja, cigarros e um hippie (o hippie mais de verdade que eu vi até hoje). Ele veio, mostrou sua arte, contou sobre sua vida e sua bicicleta. Foi quando indicamos que ele fosse outro dia naquele local. Afinal, não tínhamos dinheiro suficiente para comprar as belas peças que ele vendia e, em outros dias da semana, tiraria mais que algum. Eis que ele sorri, com aqueles não-dentes. Os emaranhados jogados para trás com a cabeça, olha para o céu, respira. Preparava-se para quê?
- Vocês sabem que existiu alguém que morreu por nós?
Todos perplexos... e atentos. Hippie evangélico? Que igreja é essa?
- Jesus... Jesus morreu por nós... Morreu por todos nós...
Bocas abertas e alguns narizes torcidos, esperando o testemunho.
- Eu não sei morrer por todo mundo... Não sou capaz disso, não tenho santidade para isso. Mas, se você me permitir, eu posso morrer só um pouquinho, junto... Eu divido sua morte com a minha, se você me arranjar um cigarro.
Nunca vi tanta gente altruísta como naquele dia. Os fumantes, naturalmente solidários entre si, entregaram-se. Menos com o último.


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Irene Canadinhas é gestora cultural.

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domingo, 19 de agosto de 2012

Uma noite de Boemia



Quando tudo começa com uma idéia de tentar se manter longe do acaso, fora do descaso e distante do agrado de uma velha bebida já na pós ressaca de uma sexta desvairada, isso apenas contrai a tese de que sou seu penhor e que estaremos juntos aos cantos da cidade quando a noite, (sorrimos ao nos olhar).
Ainda quando a memória consciente está, vogamos sobre uma ilusão de nos calar cedo, principio! Seria somente uma ilusão para que nos déssemos conta da nossa ação prazerosa em driblar a segurança para poder adentrar com a nossa velha companheira que nos persuadi a procurar copos na lixeira e como se não bastasse convictos atrás da escuridão no fim do salão para enfim degustá-la.
O seu toque já meneia de forma peculiar como a passarela que a pouco passara, não foi descortês, embora tenhamos sido seguidos por câmeras curiosas. 
Começamos a visitar o toalete masculino com mais frequência sempre a perfurar a fila para o feminino com suas carnes excitantes enquanto isso a noite demarca e aquece, nos perdemos a procurar por garotas, destilamos nosso bel-prazer pela cidade na busca do jovial a fins dos amigos para o nosso bando aos gritos como quem te ama vindo com saltos para qual te imerge em anseios rasos, traduzindo-nos de certa forma em delírio das luzes ofuscando nossa aptidão que não assola a mais recente marca do vinho roubado na roupa amarrotada, as borradas de batom pelos beijos ofegantes e palavrões desbocados.
Discorremos e chegamos ao raciocínio como o vento que passou e nos asilou; Tanta gente que nos faz dilatar a pele, olhos e razões enviesados como o carro mal estacionado junto aos cacos de uma outra ocasião. “Não sei não”, mas algo em ti me lembra o requinte de um tal apego misterioso ao trago de um cigarro que me aquece após o gole da bebida. É tarde e apenas sabemos sorrir e falar o que parece não fazer sentido para terceiros quando apenas temos a compreender o senso comum com aquelas palavras disciplinadas e mal empregadas, é por esse pretexto que estamos aqui caídos no asfalto sorrindo novamente, gozando sobre a mesmice e perturbando os senhores e senhoras dessa sociedade sem preciso for pôr adjetivo.
Sem ciência de como chegar em casa com a memória e sentidos permutados, a madrugada nos abrevia em simples amores, modestos temores ao fim que nos viola além do tempo que persiste em apenas nos pôr para dormir e embalar no seu profundo sub consciente de que estamos a deriva de qualquer forro se jogando em qualquer lugar com ou sem alguém no mesmo ou no pior estado. Até que o amante das noites nos acata tendo em seu livro mais uma página destacada e em nossa memória arranhada, rabiscos no que é o tudo das noites eventuais vossos amigos e uma velha bebida que de principio é unicamente uma idéia findando ininterruptamente mais uma ocasião.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Insossa


Ele e ela estão em um restaurante. A decoração é moderninha. A iluminação deixa um clima meio embaçado no salão. Eles comem uma comida qualquer.

ELA: A comida tá ótima.
ELE: Bom.

Não era verdade. Estava insossa.

ELA: Gostou do meu cabelo?

Ele olhou pra ela enquanto mastigava. Estava insossa. Alguns segundos e fez que sim com a cabeça.

ELA: E você muito quieto.
ELE: É.

Durante todo o jantar, havia um peso excessivo naquela mesa. Nenhum comentário.

ELA: Queria saber como você tá.

Silêncio.
Ela espera que ele diga alguma coisa. Pouco.

ELA: O que anda fazendo, essas coisas...

Silêncio.
Ela espera, mas ele não diz nada.

ELA: Queria que você soubesse que eu te amo. Que sinto sua falta. Que não vejo a hora da gente ficar junto de novo.

Silêncio.
Ela olha.

ELE: Eu não.


ANO ONA


ANO ONA


Quando tem 5, quer ter 10

Quando tem 10, quer ter 15

Quando tem 15, quer ter 18

Quando tem 18, quer ter 20

Quando tem 20, quer ter 25

Quando tem 25, quer ter 25

Quando tem 30, quer ter 25

Quando tem 35, quer ter 20

Quando tem 40, quer ter 18

Quando tem 50, quer ter 15

Quando tem 60, quer ter 10

Quando tem 70, quer ter 5

Quando tem 80, quer ter 1

domingo, 12 de agosto de 2012

Desabafo

Com um lápis e um papel esquivo-me da prisão
Cá tenho alvedrio em meu mundo de ilusão
Não anseio ser diferente...só...ausente
Neste cálice que me corrói até o derradeiro fio de esperança
Que herança ignomia deixaste para mim...que levarei até o fim

Como desvirtuar o que nunca está igual?
Como ser careta se ser insano é normal?
Como retificar tudo de tortuoso se a lei é desigual?
Também posso ser afortunado neste caos-carnaval

Onde a verdade assombra
E dissimular a vista é a saída para não notar o mundo errôneo
Vamos dar risada...migalhas de pão
Para o infante nesta prisão

Sem grades...teto estrelar...tapumes de chão
Onde o ar é grátis...mas saldamos para contaminá-lo
Onde a poeira não baixa...já desce pelo ralo

Vamos sair...já estou extenuado de me planejar
Planejamento subliminar...sem raciocínio...televisão à elucidar
Não vou camuflar nada...não temos que se mortificar
Ser afável à toa e o mundo a nos subjugar

Partamos para rua...dar a face a bater
E obtemperar de outra maneira...mas não sabemos nem escrever
Brasil
Há de ser um Brasil melhor

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Convidada Andrea Carvalho

 a menina da biblioteca: uma história de fantasmas


boa noite meu querido h.adams...tem tanta coisa acontecendo por esses dias...tomara que você esteja bem nas andanças que vem fazendo. por aqui ando preocupada com um assunto. veja se não é motivo: lembra da dona rúbia? a velha bibliotecária?está doente, internada em um sanatório. ela insiste em dizer que a biblioteca está mudando de lugar e que há fantasmas por lá. fiquei com muita pena e fui visitá-la. percebi que estava mais lúcida que nunca, cansada, mas sem sinais de loucura e nem me pareceu tão velha assim. escuta a história que ela me contou: - está madame, eu sei que está mudando...não estou tendo alucinações, não sou doida, nem tenho a imaginação tão fértil assim. vou contar pra senhora: todo dia quando chegava pra abrir o prédio as cadeiras tinham mudado de lugar. as mesas, tudo mudava. no primeiro dia eu pensei que estava apenas distraída. abri a porta como de costume, e carregava uma porção de livros que havia guardado em casa pois precisavam de uma reparação ou outra. fui direto para minha mesinha, e coloquei os livros em cima da cômoda auxiliar, ao lado do telefone antigo. os livros foram todos parar no chão. a velha cômoda não estava lá. muito antiga, deve pesar toneladas, e não havia marcas no chão, ninguém teria força pra empurrar sem marcar o chão. ela simplesmente não estava lá. imaginei que o administrador pudesse ter retirado o móvel durante a madrugada, para sei lá, não atrapalhar ninguém. em dia de provas finais a biblioteca fica lotada e não tive mais tempo pra pensar no assunto. no outro dia novamente cheguei no horário de sempre, e desta vez eram as cores que haviam mudado. antes era um tom pastel que tomava conta do ambiente, mas estava tudo mudado. passou a ter tons cobres e avermelhado. os primeiros alunos chegaram ruidosos, dando os parabéns pelas mudanças: - a nova cor está linda, senhorita rúbia, me disse a menina bonita de olhos grandes. eu conheço essa menina? me perguntei. não. eu não sabia quem ela era, mas como todo dia milhares de alunos passam por ali, não registrei o desconforto que senti quando me sorriu e arrumou os cabelos longos e pretos. tirei aquela imagem da cabeça e não pude deixar de pensar a que horas os pintores e marceneiros tinham ido trabalhar. quando ia pegar o telefone pra perguntar para o administrador, fui interrompida por um grito que vinha da ala dos livros policiais. corri com alguns alunos que estavam próximos e encontramos, jogada ao chão, a tal menina dos cabelos negros. imóvel, respirando, mas sem abrir os olhos. desmaiada mesmo. jogamos água gelada no rosto dela, fiquei meio desesperada, o que teria acontecido? sem dar explicações a menina abriu os olhos para alívio da plateia que já se aglomerava por ali. novamente sorria, e o tal sorriso enigmático estava ainda pior. tinha nele um quê de maldade, lascivia e mistério. perguntei a ela o que tinha ocorrido e ela me disse que nada, que não se lembrava, tinha apenas  a lembrança de estar lendo e de repente estar no chão com várias pessoas ao redor . - deve ter sido um desmaio apenas, estou sem comer há horas, não há com que se preocupar, disse ela já levantando. fiz a menina me prometer que iria ao médico. -sim, senhora, prometo, e saiu caminhando, quase saltitando de alegria. - que menina estranha! segui com o dia atarefado e nem pensei mais na menina, nem nas mudanças da biblioteca. duas semanas depois, mais um susto. desta vez foi ao final do expediente. fiquei até mais tarde na biblioteca, organizando a ala dos livros de história, quando novamente escutei um grito. mas eu não estava sozinha? fiz a ronda e não vi ninguém...quem será o engraçadinho que ficou aqui dentro às escondidas? ah eu pego esse menino, pensei. e fui correndo em direção ao grito, novamente na seção de livros policiais. ouvi risadinhas abafadas. pronto, é uma menina. ah essas garotas....mas ao entrar no corredor escuro, não havia ninguém! nem a luz estava acesa. nada. não ouvi passos, nem uma respiração. procurei embaixo das prateleiras, atrás dos livros, e nada. ah que diabos, agora estou ouvindo vozes, falei comigo mesma. caminhei novamente por toda a biblioteca, nos três andares e nada. olhei em todas as direções, imaginando se a menina tinha subido a escadaria escondida de mim. não achei ninguém, não ouvi nem um éstalar de madeira. quando voltei pra seção de história, todos os livros estavam abertos no chão. um ao lado do outro e abertos na página 59. todos. eu simplesmente sai correndo. fui embora, tranquei a porta e voltei no outro dia, podre de cansada depois de uma noite insone. os livros já estavam arrumados! quem arrumou??? passei em revista o prédio todo. e na prateleira  de policiais, próxima aos clássicos um vento frio me fez arrepiar. mas não temos janelas na seção de clássicos...quando sai pra pegar um casaco, a menina dos cabelos longos e negros estava parada no final do corredor. sem sorrir, sem piscar, sem se mexer. estava lá , me esperando. e ficou assim, parada. fui até ela e perguntei o que estava fazendo ali. - a biblioteca ainda está fechada para o público, expliquei eu. ela se virou e foi em direção a porta de saída. entrou em um corredor próximo a minha mesa, e não ouvi abrindo a porta pra ir embora. fiquei intrigada, já começando a falar alto, repreendendo a menina a levar à sério o aviso de que a biblioteca estava fechada. tinha começado meu discurso quando vi que a menina não estava em lugar nenhum. ela sumiu. eu vi a garota, não estou inventando. gritei por ela, e não tive resposta. eu já estava em um estado de nervos à flor da pele e comecei a chorar. quando estava me recuperando, as lágrimas secando nos olhos, percebi que alguma coisa estava errada com os quadros na parede:  todos de cabeça pra baixo! novamente ouvi umas risadas e fui direto ao telefone. telefone que também não estava mais lá. corri pra porta da biblioteca, tropecei em uma cadeira que apareceu do nada no saguão e decidi ir até o administrador. fui á pé, rapidamente, nem percebendo as pessoas que me olhavam com um ar de espanto. sim, eu estava chorando, despenteada, com olhos inchados, uma figura triste e louca. contei tudo de um fôlego só para o administrador e ele me disse com todas as letras: não estava fazendo reforma, nem mudando as cores, nem tirou nenhum móvel de lá. e nunca deu autorização pra ninguém entrar fora do horário de serviço. não há cópias das chaves e ele instalou um sistema de alarme impossível de entrar ou sair sem ser notado. meu chão desapareceu, eu ia desmaiar ali mesmo na frente dele. pedi para pelo amor de Deus ele me acompanhar até a biblioteca e ele foi. chegando lá, alguns alunos esperavam do lado de fora. entramos juntos e pra minha supresa e de todos, os livros da biblioteca toda estavam rasgados! voavam folhas por todo o salão. retrato de um momento de fúria real. os alunos curiosos começaram a tirar fotos, o administrador ficou lívido e chamou a polícia e eu fiquei embasbacada, sem saber o que fazer. comecei a arrumar as coisas e percebi que em todos os livros havia sobrado uma única página: a página 59. bagunça arrumada, perícia feita, fiquei para fechar tudo. o administrador me deu ordens para que encomendasse novos livros ainda naquela tarde. isso demorou e me consumiu mais tempo que o planejado. ao sair do prédio, percebi que tinha esquecido uma luz acesa, próximo a minha mesa. entrei novamente e pra minha surpresa nenhuma luz estava acesa. andei em volta e percebi um vulto atrás do corredor maior. e lá estava ela novamente: a menina dos cabelos negros. desta vez sorria pra mim. e quando fui até ela, saiu correndo e rindo...corri atrás dela que foi em direção aos livros policiais...derrubou um único livro da estante e saiu correndo novamente. peguei o livro do chão. e madame, a senhora tem que acreditar em mim: a garota da capa do livro era a menina dos cabelos negros. o livro era "a morte de isabel lucas - um mistério nunca desvendado", de 18....isso tem muitos anos madame. a menina isabel era a menina que eu estava perseguindo. - a senhora acredita em mim? então eu abri o livro e na página 59 havia outra foto da menina. dela com a irmã gêmea isadora. a história das duas é conhecida na cidade. isabel e isadora eram duas irmãs muito unidas. isabel era mais rebelde, mais atrevida. isadora era meiga, quieta. as duas desapareceram por um bom tempo, os pais ficaram desesperados , um belo dia isadora apareceu vagando pelas ruas da cidade, toda suja de terra, ferida, com a roupa rasgada, e sem lembrar de nada. nada. ela foi internada e morreu alguns dias depois por conta de uma pneumonia. mas nunca contou onde esteve com a irmã, nem por onde andou nem deu pistas de onde isabel poderia estar. os pais nunca desistiram de procurar, mas morreram sem saber notícias da filha. e a menina nunca mais voltou. a polícia   nunca descobriu o que houve.nunca encontraram o corpo da menina. virou livro por conta do mistério que envolveu a história. e agora eu sei madame, ela estava lá na biblioteca. larguei o livro na estante e senti um cheiro de queimado. madame, não fui eu. eu nunca iria provocar um incêndio. eu estava lá, não queria morrer, porque eu colocaria fogo no lugar? mas o fato é que as labaredas começaram na minha frente, sem que houvesse ninguém pra atear o fogo. e se espalharam rapidamente. eu consegui sair por um milagre! fui resgatada já sem ar, e quando estava sendo retirada pelos bombeiros, ainda pude ouvir a risada da menina. olhei para trás e vi um vulto meio escondido, era ela. estava sorrindo se escondendo atrás da prateleira. a senhora tem que acreditar! não acharam ninguém além de mim . a senhora acredita? adams meu querido, eu acreditei naquela mulher. fui até a biblioteca que está fechada desde o incidente. a dona rúbia me deu a cópia das chaves. o sistema de alarme foi desligado até a reinauguração do prédio que está destruído. faz um frio infernal naquelas salas.ainda tem muita coisa espalhada por lá, está tudo meio sujo, o cheiro de queimado ainda está no ar. mas o que é impressionante é o frio. andei entre os destroços, e reconheci a cômoda que dona rúbia havia mencionado. ela está inteirinha, nem uma labareda encostou nela. e meu querido, acredite, ao lado da cômoda uma cadeira intacta com o livro sobre isabel em cima, aberto na página 59. claro que peguei o livro. trouxe comigo pra ler em sossego. antes de chegar em casa encontrei o dr. vasques, o delegado, você conheceu no jantar na casa da veridiana, lembra? falei com ele que estava voltando da biblioteca e que tinha encontrado um livro intacto. ele pediu pra ver e confiscou o livro. acredita que o fato do livro ter sido encontrado dentro da biblioteca pode ter alguma digital de quem ateou fogo no prédio. entreguei o livro a ele e tive que explicar como consegui entrar na biblioteca. o delegado disse que não ia registrar nenhuma ocorrência já que a dona rúbia tinha me dado as chaves por iniciativa própria. há poucos dias encontrei com dr. vasques na farmácia, com olheiras profundas. perguntei se estava bem e ele não me pareceu muito bem não. falava ofegante, parecia com medo, olhando em volta a todo instante, suava mesmo com o frio do outono. engoliu duas aspirinas ali mesmo, sem água, dizendo que a dor de cabeça tinha piorado desde a noite anterior. ele não havia encontrado digitais no livro, só as minhas. e as dele claro. - nenhuma? num livro tão velho? nem da dona rúbia? - nem da dona rúbia, me disse ele, e mais: não havia registro dele no sistema da biblioteca, e não havia como saber quem já tinha lido aquele livro. era uma publicação velha e sem passado. dois dias depois fui até a delegacia para ver se dr. vasques estava melhor e não, ele não havia melhorado. em tom de confidência me contou que estava ouvindo risadinhas pelos cantos. - madame, a senhora tem estudo não é? me diga, eu estou ficando doente? pareço doente? me sinto cansado. ouço essas risadas, alguns sussurros, e ando esquecendo as coisas. por exemplo não sei o que fiz com duas cadeiras da sala lá em casa. elas sumiram. meu quadros amanheceram no chão. e um sofá está todo rasgado, como se apunhalado por uma faca imaginária. dona, eu sei que não fiz aquilo. e agora vira e mexe vejo uns vultos no espelho. hoje vi uma menina de cabelos negros sorrindo pra mim na porta de casa. posso jurar que era a menina do livro. e ela sumiu! e tenho sonhado com sangue, muito sangue. sai de lá preocupada com ele. ontem, a tragédia anunciada: a casa do delegado pegou fogo. ele não conseguiu ser resgatado e morreu no incêndio. pobre dr. vasques. os bombeiros informaram que possivelmente alguma guimba de cigarro tenha provocado o fogo, mas o dr. não fumava! e eles encontraram um livro. h. nem vou perguntar que livro é. não tive coragem de visitar d. rúbia novamente. e o livro tá lá, guardado na delegacia. é ou não é pra eu ficar preocupada? espero que você esteja bem e me mande notícias. um beijo, sua eternamente, eu.

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Andrea Carvalho é jornalista da Rede Record.
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quinta-feira, 9 de agosto de 2012

VADIAS MIMADAS


VADIAS MIMADAS


As supersexuais 
Usam a sexualidade como meio de serem aceitas
Na realidade
São imensamente necessitadas de entretenimento para não sucumbirem diante a reflexão de sua própria inquietação
Fêmeas efêmeras e interiormente instáveis
Atraindo prazeres em virtude do vazio de seu mundo interno
Encontram oportunidades de divertir-se em situações fúteis de prazer
Acostumadas a serem cobiçadas 
Não se imaginam indesejáveis a ninguém
Perdem-se em seus fantasmas sexuais
Mulheres incompletas e entregues ao mundo meio a companhias questionáveis 
Usufruindo homens-diversão
Suprindo ilusões de felicidade
Seduzindo o mundo com sua sexualidade moeda-de-troca
Abdicando o comando de suas próprias vidas
Dependendo do desejo alheio
Elas são
Nulidades afagadas
Objetos de consumo
Acham-se manipuladores de homens
Na verdade
Não passam de vadias mimadas

Pablo Treuffar
Licença Creative Commons
Based on a work at http://www.pablotreuffar.com/.
A VERDADE É QUE EU MINTO

A VERDADE É QUE EU MINTO

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Passeio pelo bairro do Avarandado





Sábado
Sete da noite
Homem arruma mala
Mulher entra no quarto





Ontem a polícia esteve aqui.
Mesmo?
Odete que os atendeu.
...
E o que eles queriam?
Falar com você.
Comigo?
Com você.
Hum...
...
...
O que está fazendo?
Bem, eles devem me procurar novamente.
Mas o que aconteceu? Porque?
...
Hum ... acho que matei alguém.
...
Como assim?
Não sei, não me lembro...mas acho que matei sim.
Você matou... alguém?
...
...
...
Você fala sério sobre isso.
Sobre o que?
Sobre matar alguém?
Falo.
Mas o que aconteceu, como não se lembra?
...
Não me lembro.
E como sabe que matou?
Não sei, apenas sinto.
Pára com isso, está me assustando...
Eu sei.
...
Pra onde você vai?
Não sei.
...
Mas e se a polícia voltar?
Diga a verdade.
Que você matou alguém?
Não, que não sabe pra onde fui...
Mas e suas coisas...?
Guarde-as. Não tenho nada mesmo.
...
Espera, pára. Você esta bem? O que aconteceu ontem? Você está estranho e me assustando.
Eu sei.
Pare de dizer isso...abra a boca e fale comigo.
...
...
...
Adeus.
Não, volte aqui. Não vou deixar você sair assim...
...
...
Não me impeça por favor.
Eu quero que fale comigo... você não está bem, isso não pode ser...o que aconteceu, eu quero saber.
Ontem eu matei alguém...
...
Como assim?
Dei um tiro, acho.
Mas você nem tem arma.
Tenho.
Ahhhhhhh
....
Adeus.
Não, espera. Onde aconteceu, alguém te assaltou, porque andava armado?
Não, não fui assaltado...não sei por que estava armado.
Mas isso não faz o menor sentido, você não diz nada com nada, como assim atirou em alguém? Aonde você estava? Fala.
Não me lembro muito bem, mas...
...
...
...
foi bem no peito...
O que ?
O tiro.
...
...
... isso mesmo, foi bem no peito.
Mas porque andava armado, onde comprou essa arma?
Comprei perto do antigo mercado, de um cara, foi barata.
Para que?
Acho que pra matar alguém.
Ahhhhhhhhhhhh



Não chore, não adianta mais nada. Apesar de que chorar faz bem, quando se tem motivo e vontade.
O que está acontecendo, você está louco?
Não, não, eu apenas matei alguém e isso é contra a lei...por isso a polícia está atrás de mim.
O que você está falando? Como assim “matei um cara”?
Como sabe que era um cara, se não lhe disse?
Eu não sei seu desgraçado, louco.
Mas era...
...
E daí? Não me importo.
Então não chore amor.
Isso tudo é mentira pra você ir embora. O que é, não tem coragem de assumir que não é mais feliz comigo, e inventa essa porra de história ?
Não, é tudo verdade, mas ainda não me lembro muito bem...
Seu desgraçado, maluco... o que está acontecendo?
A polícia está atrás de mim porque matei alguém e você diz que não te amo mais...quem é mais egoísta de nós dois?
Quem você matou?
Não sei...
Ahhhhhhhhh...você está drogado, ou o que? Some por um dia e volta louco, o que aconteceu, como assim?
Também não sei ao certo...
...
...
...
...
Você vai para o sítio?
Não, lá é o óbvio.
Pra onde vai então?
Não sei.
Mas é pior fugir da polícia, e se te pegam?
Calma, o pior já passou.
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Você está doente amor. Isso não é real. O que aconteceu com você?
Meu bem, acho que já estou morto...
Como assim?
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Olha
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Ontem, às 3, quase 4 horas da tarde, saí do escritório, peguei um ônibus pro Avarandado... deixei meu carro no estacionamento, inclusive ainda deve estar lá.
E...?
Lá é um bairro de classe média, você conhece, já fomos por aquelas bandas...não sei muito ao certo porque quis ir pra lá...talvez pegasse o primeiro ônibus que aparecesse... Não, não, escolhi de alguma maneira o Avarandado.
Sim, sim. Continue meu bem, fale.
Lá tem uma avenida arborizada cheia de cestas de lixo e pessoas passeando de bicicleta na rua...
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Diga.
Querida, eu simplesmente desci do ônibus, sentei numa cadeira em frente a uma padaria e...
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atirei num homem que vinha descendo a rua. Mas não foi ao acaso. Não, eu o escolhi. Antes havia apenas crianças andando de bicicleta e mulheres comprando pães, uns velhos também apareceram...e um cara magro e feio também surgiu. Nesse eu quis atirar. Mas esperei alguém melhor, realmente melhor, melhor que eu.
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Você não pode estar dizendo a verdade. Porque fez isso?
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Não sei amor...eu precisava matar alguém.
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
Não querida, não chore. Você vai ficar bem. Nossas rendas lhe darão uma vida regrada, mas sem dificuldades.
Você fala como se nunca mais fosse voltar. Por que você fez isso? Você ficou louco?
Sim, acho que sim, meu bem.
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Adeus