quinta-feira, 17 de julho de 2008

Serrarias



Dia e noite, a serra se encontra lá, paralisada como a corcunda de um Quasímodo, gigante e adormecido, ou como um arranha-céu misto de verdes claros e escuros, construído através de milênios. Do outro lado, outra serra irmã gêmea, diferente apenas pelo nome ou pelas posições de algumas plantações e pedras. Entre as serras, com exceção de um tentáculo de pequenas casas subindo a serra com uma ladeira de paralelepípedos, a cidade deita em praças, árvores, igrejas, padarias e mercadinhos e outras casas.

Nela, durante o dia, pessoas acordam, beijam-se e dão o primeiro eu te amo do dia. Então saem de suas moradas pra comprar pão, alguma coisa que falta pro almoço, a sobremesa de um pote de chocolate e doce de leite, ou coisa do tipo. Depois, quem tiver de férias, dorme; quem tiver trabalho, trabalha. Então voltam pra casa, assistem televisão, comem, rezam, fodem e vão dormir.

Nela, ainda, os pardais também lutam pela sobrevivência e disputam o resto da espiga de milho abandonada na rua, bicando cada grão que já perde sua cor amarelada. Assim que saciados estiverem, ou assim que algum mototaxi os assustar, voarão de volta para alguma árvore, assistirão os movimentos da cidade, para, logo entediados, comerem, foderem e dormirem.

E as serras continuam lá paralisadas como corcundas gigantes de Quasímodo e seu irmão gêmeo de nome desconhecido ou como arranha-céus mistos de verdes claros e escuros construídos através de milênios.

Não bastasse a inércia da natureza, por vezes o inverno e o céu as adormecem ainda mais, soprando lentamente um lençol de neblina que vem por trás das serras e vai encobrindo-as aos poucos. Em alguns minutos, eucaliptos e palmeiras imperiais desaparecem num cinza friorento e úmido. Mais um suspiro do vento e a neblina continua a cair vagarosamente. Logo após, são as pedras milenares que tem seu cinza mesclado com o da neblina. .

Finalmente, quando o grande lençol encobre as serras e avança para a cidade, a chuva desaba e tudo fica submerso num mar cinzento flutuante. Da serra, as pedras não vêem nada; das árvores, os pardais ou seja lá quais forem os pássaros; da janela, nós mesmos não vemos nada. É como se desaparecessem de vez do mapa, da estrada que corta a Paraíba, do Brasil, do mundo e, até mesmo, pasmem, dos olhos satélicos do Google Earth.

Mas, ainda assim, tudo está lá, intacto e adormecido.

Inclusive nós.

André Espínola

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