domingo, 18 de janeiro de 2009

Convidado Assis de Mello

A Casta Judith

( Ao poeta Antonio Cisneros )

A casta Judith
beata de óbito e nascença
não foi de se cheirar

Há boatos de que sobre nada meditou na vida
e a todos execrava
prescrita por antigos sacerdotes

Bebês lhe eram gosmentos
a juventude transversa
homens ficassem longe
mulheres: vacas

Deambulou por cerca de 700 anos

Trancafiada num quintal
estercava canteiros de flores
e solfejava, pra si mesma, hinos celestiais

Pobre alma
resumida em revirar estrume
e a espiar o mundo em malogro

Como a tia-avó do poeta Cisneros
preocupou-se mesmo
em manter a boca e as pernas bem fechadas

Nunca estimou bichos de pêlo
e botava veneno pros gatos

Tão rude foi - e tão mesquinha -
que ao arrumarem seu corpo para o esquife
não careceu de algodão nas ventas

Mulher azeda que amava flores aquela Judith

Amava-as sem desconfiar da orgia
que as plantas faziam em seu quintal
e jamais cismou que semente e fruto
são denúncias de um conluio genital

Passava manhãs e tardes a glorificar abelhas
que lambiam as pequenas anteras dos falos vegetais
cobertas de pólen
e sorviam o doce dos gineceus
- aveludadas vulvas

A morte libertou-a pouco
de seu diário louco:

inumada num cascalho
onde mal cresce o mastruço
um cãozinho chamado Torresmo
irriga sua lápide





Assis de Mello é zoólogo e docente na UNESP. Escreve um pouco, pinta um pouco e fotografa um pouco. Apesar de cientista, passa 50% de seu tempo abominando Descartes e tudo aquilo que é excessivamente racional, pois está convicto de que certa irracionalidade deve trazer felicidade. Como zoólogo, especializou-se no estudo de grilos e insetos afins; ele suspeita que, se não for o maior especialista em grilos, deve ao menos ser o mais completo, uma vez que possui tanto grilos nas gavetas de seu laboratório quanto em sua cachola perturbada, porém lírica. Mantém o seguinte blog: http://coisasdochico.blogspot.com

2 comentários:

Sandra Santos disse...

que surtpresa boa vê-lo e lê-lo por aqui, amigo poeta...

...manter fechadas as pernas e boca durante uma vida é mesmo um desperdício...rsss...

Assis de Mello disse...

Pois é, Sandra... Pior que esse poema foi inspirado num personagem verdadeiro... Essa velha existe !!! ahahahah
São até que meio comuns por aí !!!
Um beijo !!!