Tirou a bota para dar um pouco de ar ao pé. Uma crosta endurecida de sangue cobria os três dedos menores. No dedão e no outro, o sangue ainda corria, agora solto.
Já havia quase duas semanas que recebera o par de botas em uma igreja e até agora arrependia-se por ter sorrido e falado que cabia direitinho. Na hora, apavorou-se com a idéia de que não lhe sobraria nenhum calçado além das botas e, sem outra opção, teria que voltar a caminhar no asfalto quente - às vezes, tinha a impressão de que o calor derreteria até os pneus dos carros, não fossem estes tão rápidos.
Sem tempo para perder indo ao hospital para ser ignorado, voltou a olhar para o pé, limpou a ferida com o único pedaço da meia que ainda não estava empapado de sangue e arriscou encostá-lo no chão. Ao sentir o calor do asfalto, desolado, puxou o pé de volta para cima, calçou a bota com muito esforço e continuou andando, o dia seria longo.
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