quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Convidado Ricardo Kelmer

LIBERDADE É NÃO ESTAR NA MODA

Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada… Começava assim a musiquinha. Uma turma de jovens cabeludos e felizes esperando o trem na plataforma. Jeans desbotados, mochilas e o frescor da liberdade em seus semblantes. Era um filminho comercial do jeans US Top, de 1975, que fez muito sucesso, tanto o filme como o jeans. Fez tanto sucesso que a frase virou bordão e até hoje a geração daquela época se emociona quando canta a musiquinha.

Era o governo do general Geisel. As correntes da repressão da ditadura militar já se afrouxavam e o Brasil, ufa, começava a respirar ares mais democráticos. A palavra liberdade tava na moda. Liberdade de pensar e de falar. Liberdade de votar. E, é claro, de vestir. O comercial foi uma grande sacação, o jingle ganhou prêmio e muita gente vestia jeans US Top porque isso era um símbolo de liberdade.

Eu? Putz, eu era mais um menino louco pra ter um US Top. E assistia ao comercial sonhando em embarcar no trem com aquela patota divertida. Mas não era um jeans dos mais baratos e só pude ter o meu anos depois, quando até o termo liberdade já havia desbotado. Com o andamento da abertura política, a liberdade perdera o apelo publicitário que antes possuía e os comerciais passaram a seduzir o público com outra ideia: a de que ser feliz é ter muito, cada vez mais. E assim estamos até hoje, que beleza, tendo tudo que não precisamos pra ser feliz.

E a liberdade, que foi feito dela? Minha velha US Top da minha adolescência que me perdoe mas liberdade não é e nunca foi uma calça velha, azul e desbotada, que você pode usar do jeito que quiser, não usa quem não quer. Pra começo de história, eu não usava não porque não quisesse mas porque simplesmente não podia. Então, pela lógica da publicidade, eu não poderia ser livre pois não tinha grana pra pagar por um jeans. Se alguém precisa estar na moda pra ser livre, que liberdade é essa?

Infinitas noções de liberdade existem, eu sei. Pra um adolescente, é voltar da balada à hora que quiser. Pra outra pessoa, é ganhar seu próprio dinheiro. Pra um presidiário, ser livre é tão-somente não estar numa cela. Tudo isso é liberdade, sim, mas depois de muitas calças aprendi que a maior das liberdades é esta, é sermos quem verdadeiramente somos – e não quem a sociedade ou a moda quer que sejamos. E que a pior prisão que existe é justamente a ignorância de si próprio, que nos faz escravos dos quereres alheios.

Somente a essência do que somos pode nos libertar. Seguir a moda jamais nos conduzirá a ela, apenas nos levará junto com outros, feito uma boiada, durante o tempo que durar a moda, quando então teremos que seguir outra moda e assim por diante. Quem realmente somos nós por trás dos modismos que adotamos? O que há de permanente em nós por trás do transitório da fachada? A moda não poderá responder a essas perguntas, e nem mesmo você, enquanto a estiver seguindo. Aliás, a moda nem quer que você pense nisso. Ela quer apenas que você a siga – e pode pagar em até dez vezes.

Liberdade é sermos quem realmente somos em nossa essência mais legítima. É uma velha ideia, azul e desbotada. Mas que nunca vai estar na moda. Ainda bem.


---
blogdokelmer.wordpress.com

Nenhum comentário: