sábado, 20 de novembro de 2010

Convidado Renato Saldanha Lima

agora


Em sua caixa de correspondência encontra ele um convite ao final de uma semana mal dormida e, também por isso, extenuante. A palhaça do convidado logo bate forte: que esquisito ser eu, um bebum herege extraviado até da heresia, convidado por escrito para aparecer lá pelas cercanias do bar. Do bar em que parei de ir depois de já ter feito por lá as minhas estrepolias. Por que parei, por quê? Convite instigante esse da porra! A quantas andará o pestilento boteco cujas latrinas rescendem à poesia? E em que as as louras, ruivas e pretas eram refrigerantemente fortes e quentes? Em que rolavam soltas as línguas, entrelaçando-se em verborragias aparentes? Esquisito pra caralho! Esquisito porque estranho. Esquisito porque delicioso. Rememora o convite aquilo tudo vivido em meio à vida ensandecida. Lembra-se deste ébrio o próprio dono do bar. Logo o próprio dono do bar! Estará o estabelecimento às moscas? Se estiver, as moscas certamente esvoaçam sobre estrume fecundo. Deu-me uma sanha de novamente pairar sobre aquelas bandas. Saber do velho e do novo. Ser novamente coberto por essa merda diamantina. Pois bem, aceitarei o convite. Comparacerei lá por aquelas cercanias porque meu tempo é agora:

Agora,
eu quero agora,
pois nada me adianta fiar
pela hora das coisas.

Não sou coisa
que dura infinita no tempo,
mesmo que partida,
estilhaçada,
aparentemente destruída,
mas cujas moléculas persistem,
testemunhas particulares
da existência dela, da coisa.
Ou melhor, de uma coisa,
qualquer coisa,
uma coisa qualquer.

Não sou coisa,
já disse.
Mas também não sou qualquer um,
um qualquer,
em fileiras imensas
de uns quaisquer
igualmente iguais
a outros quaisquer uns,

As coisas são assim,
iguais nos íntimos de si
e eternas porque
para sempre
e desde sempre
já mortas.

Eu não.
Nós não.
Somos seres vivos,
por isso, vez por outra,
temos as carnes inflamadas em fogo,
a alma esvaziada porque exala gases cáusticos,
ao preço de carnes calcinadas,
reais e verdadeiras,
tornando a fuligem cinza
o olhar dos olhos próximos
distante
e gélido.

Com a urgência dos desesperados,
lanço sobre o rubor mínimo e derradeiro
tudo que tenho,
tudo em que em mim posso transmudar
em mim mesmo,
mas melhor,
mais eu,
fiel à minha estranheza original
que se vai construindo
e que jamais se conclui.

Eu quero agora,
porque logo ali,
quase aqui,
um nada além de agora,
tudo se acaba para nós,
seres lindos,
quase divinos,
porém mortais,
parêntesis que se abrem
e dividem
o todo nada de antes,
de um lado,
e o todo nada de depois,
do outro.
No meio, nós.
Nós e o pouco que podemos,
mas que pode ser tudo
se o fizermos.


---
Renato Saldanha Lima

3 comentários:

Erika disse...

que agora mais intenso!
muito bom.

Talles Azigon disse...

olha eu amei o poema e o "prólogo' do poema, mesmo que ele seja tão intenso e nem precisa dele

pois como diria Quintana : "para quê explicar um poema? Se o poema já é uma explicação'

abraços grande

Giovani Iemini disse...

bom mesmo.