"Não peço, imediatamente por nenhum governo,
mas imediatamente desejo um governo melhor"
Henry David Thoreau – A Desobediência Civil
“Vai chegar de madrugada e ela vai querer saber / onde foi, aonde esteve, o que foi fazer”... Esses são os versos iniciais de um dos maiores sucessos da banda carioca Matanza. A letra é uma espécie de manual para os cafajestes de plantão se darem bem com a vida dupla que levam.
Mas, observando à fundo outras partes da música, percebe-se que cai como uma luva para os nossos queridos e diletos representantes políticos. Senão vejamos:
“...Mas à todas as perguntas sabe responder / tem um plano A e tem um plano B”... Quem acompanha o mínimo do noticiário político sabe o quanto algumas declarações dos envolvidos em diversos episódios grotescos dentro do establishment são estapafúrdias: de ambulâncias superfaturadas a dinheiro na cueca, muita coisa teve que ser (mal) explicada. Basta lembrar de uma das várias CPI´s pizzaiolas que tivemos, o interrogado limitou-se a repetir mecanicamente “não tenho nada a declarar” a cada uma das perguntas. Mais de uma dezena de vezes.
“Se você nunca se contradiz / não abre mão do que te faz feliz...” A bem da verdade, algumas contradições são até benéficas para os depoentes, afinal, como diriam lá pelos idos de 30 (em uma Alemanha totalmente diferente da atual):“Uma mentira contada várias vezes acaba por tornar-se verdade”. É o lema da nossa geração política.
“Se nada abala a tua paz / já nasceu sabendo como é que se faz / e tudo segue do jeito que sempre quis...” A partir do momento que o cidadão brasileiro decide na política nacional, o faz primariamente para satisfação pessoal, nem tanto para contribuição coletiva e crescimento da sociedade como um todo, é levar a expressão “tivesse lá também roubava” ao pé da letra! Sendo assim, ao ingressar nos certames políticos, já o faz de caso (e conchavos) pensado.
“Temos mais um sócio no Clube dos Canalhas...” Esta deveria ser, em suma, a recepção a qualquer novo membro de partido político nacional, pois nenhuma das siglas se salva da titanomaquia que grassa a vida pública: há espoliadores do tesouro nacional à esquerda, direita, centro, abaixo ou acima de tudo quanto é cenário político. Nenhuma das agremiações pode se dar ao luxo de dizer que pode “atirar a primeira pedra”; o próprio telhado de vidro impede a ação.
Há de continuar assim, enquanto os partidos não forem co-responsáveis pelas ações de seus afiliados. Deve-se adicionar que quando a dita ação é boa, como a construção de algum bem comum, o partido faz questão de se alinhar ao lado do candidato da hora, o político que estava na hora certa e no local exato para colher os louros da vitória conquistada com o empenho de todos (via impostos pagos pela população, alheia ao direito de receber em obras aquilo que paga em tributos). No entanto, quando é o caso de se pegar o mesmo elemento (o político) com a mão na botija pública, o partido até que tenta defender o meliante, conquanto a coisa não comece a ‘feder’ acima do habitual ou naqueles casos raros onde não há habeas corpus suficientes para livrar o dito cujo das grades. Aí expulsa-se o aloprado (para usar uma expressão recente) com a condição do mesmo não dar com a língua nos dentes nem entregar um número de companheiros acima do permitido. E segue a vida como se nada houvesse acontecido.
Nossos partidos são, de mamando à caducando, conjuntos vazios de moral e repletos de erros. Pode-se ingressar sem qualquer preocupação latente com o passado cível ou criminal, na maior das caras duras. Do contrário não haveria tantos parlamentares com listagens quilométricas de processos correndo em estado quase vegetativo nas várias instancias do justiça-jabuti-tupiniquim.
“E não aceitamos que apontem nossas falhas...” É o desejo de qualquer Estado em estado de apodrecimento moral: controlar o que se diz ou que se pensa dele. Controle de sua imagem e semelhança, como se fosse um deus da consciência coletiva ou o ídolo das massas. Coisa que qualquer governo totalitário rapidamente se emprenha em conseguir, para o bem de seus próprios propósitos. Viu-se a luz amarelar neste quesito recentemente quando o TSE, por meio da resolução 23.191/2009, proibiu o uso do humor que “degrade ou ridicularize candidato, partido ou coligação”. Oras, os que deveriam se precaver disso seriam justamente os candidatos, partidos ou coligações, não se metendo em situações que se assemelhem a qualquer ato que degrade ou ridicularize eles próprios. Então, como qualificar de outra coisa que senão hilária a prisão de um elemento com dinheiro na cueca? A coisa só não é mais cômica pela seriedade que é o desvio do erário.
“...queremos tudo isso que a vida tem de bom”... Segundo o Transparência Brasil, o Congresso Brasileiro é o mais caro em um conjunto de sete países, sendo que quatro deles são de primeiro mundo, como Estados Unidos e Inglaterra. Além dos altos valores de seus vencimentos (incluindo-se aí, juntamente com os salários, algumas gratificações como auxílio terno, telefone e moradia), alguns mimos como as verbas de gabinete, passagens, representação, além de dois subsídios: um no começo e outro no fim do ano que correspondem efetivamente a um 14º e 15º salários. Uma bocada nada desprezível, se fosse só este o dano das traças públicas (os elevados gastos que a máquina corporativa demanda), até que seria um pequeno preço para os bolsos da nação, o pior é que ainda inventam de aumentar seus rendimentos com relações espúrias com o dinheiro dos outros. E dá-lhe corrupção porque já que o bem é público, a todos pertence.
“Farra, prá tudo é um bom remédio...” Que o digam as farras das passagens, do patrimônio da União, da utilização de veículos por parentes, amigos e até animais. O trem da alegria nunca pode parar.
“...Só um idiota completo morre de tédio / queremos tudo isso que a vida tem de bom...” Há quase cem anos um dos maiores parlamentares brasileiros (senão o maior deles), Rui Barbosa, já vaticinava a pobreza moral que imperaria nos meios políticos nacionais e, porque não dizer, em toda a sociedade: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”
“Sabe o quanto é importante não dar muita explicação / não há nada de extraordinário na situação...” Alguém já viu um político que seja, responder de forma clara e precisa, sem rodeio algum, à qualquer acusação de má versação de recursos ou desvio de dinheiro público? Isso quando se predispõem à responder... E a sociedade brasileira, já desgastada por demais com o (baixíssimo) nível de nossos parlamentares, nem se assusta mais com os novos modelos e formatos das maracutaias de “seus representantes”.
“...o segredo do sucesso é a moderação / ter um dia sim e ter um dia não”... É aí onde a letra da música se distancia novamente da ação dos políticos nacionais. Para eles, todo dia é dia de feira, de festa, de fazer uma vaquinha com o dinheiro dos outros e de autofinanciar o próprio pé de meia. Se roubassem, digamos, nas segundas e sextas-feiras, já seria um avanço na corrupção brasileira: é que nestes dias não há expediente em Brasília...
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