E
se os racistas estiverem certos a respeito dos Negros? E se a
influência africana no Brasil for realmente negativa? Para comprovarmos a
hipótese de que o racismo tem fundamento, iniciaremos o nosso processo
de branqueamento do país por uma, tipicamente afrobrasileira, roda de
Samba. Retiraremos de lá o agogô, o batuque, a cuíca. Logo em seguida,
retiraremos a ginga, o tempero, as raízes do Samba, o Samba. Até que a
roda veja Pixinguinha e Cartola apagando as luzes, fechando suas portas,
desaparecendo da memória e da história do Brasil.
Aproveitando
o ensejo, vamos desaparecer também com os escritos de Machado de Assis e
afundar o navio negreiro com Castro Alves dentro. Vamos pichar as obras
de aleijadinho e aleijar Pelé em nossos corações. Zumbi a partir de
hoje será somente o morto-vivo do videogame – e se for à Bahia, enforque
Gilberto Gil. E para mantermos a coerência do discurso, não será
permitido o uso de palavras afroimportadas como cafuné, cachaça,
moleque, dengo – e pena de morte para quem tomar uma branquinha.
Alguma dessas heranças fará falta ao Brasil ou a você?
A
súbita saudade que nos bate só em pensar no mundo sem essa negritude é a
parte que nos cabe dessa miscigenação pulsando pela parte de dentro da
pele, falando mais alto que qualquer discurso racista. O Negro que nos
ensinaram a repudiar sem explicação lógica ainda é aquele criado pelos
colonizadores do mundo para desvalorizá-los como mercadoria, baixando
seu preço. Esse é o Negro não-assumido dentro de cada um, com o qual
ninguém quer se parecer. Assinemos agora a abolição desse Negro, vamos
libertá-lo para que ele fuja do imaginário coletivo. Que suma para
deixarmos fluir a negritude genuína que corre em nossas veias ou em
nossos quadris. Esse Negro é parte da gente e repudiá-lo nem sempre é
racismo, às vezes é falta de amor próprio.
O
racismo mensura arbitrariamente o valor das pessoas baseado em uma
palheta de cores em tons de cinza – quanto mais claro, melhor. E por
falar em cores, ouvi de uma criança outro dia: “Tia, é verdade que se a
gente ficar em baixo do arco-íris e a chuva cair a gente fica todo
pintado de colorido?” E, entusiasmada, emendou: “vamos pintar todo mundo
de colorido, Tia?” Topei na hora. Aquela menininha de apenas seis anos,
sem perceber e de forma lúdica, acabava de encontrar um jeito de
resolver nossas questões raciais, a partir de então não teríamos mais
uma cor, teríamos todas.
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Um comentário:
adorei essa conversa de botequim, marina. você traz luz com simplicidade e graça a um tema já tão debatido. e essas coisas todas soam tão óbvias que nem deveriam carecer serem ditas, mas é que são daquela obviedade a que Nelson Rodrigues chamou de invisível. precisamos de alguém como você pra ajudar a enxergar. obrigado por persistir/insistir nesse caminho!
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