terça-feira, 30 de agosto de 2011

Convidada Iara Fernandes

Organizados são eles


...Mas o malandro pra valer
- não espalha
Aposentou a navalha
Tem mulher e filho e tralha e tal

Dizem as más línguas que ele até trabalha
Mora lá longe e chacoalha
Num trem da Central...

(Chico Buarque)


O primeiro contato do dia foi a voz de Silas:

“Doca, semana passada cê ficou no posto da República. Hoje é na Atlântica?”

“Isso. É eu, a Joana e o Tota, por quê? Tá preocupado?”

“Preocupado com tudo. Preciso é ver um futebol na TV, viajar. Sabe aquilo de cachorro, criança, sogra? Coisa de vida de gente normal. Nem sei mais o que é isso. Minha mulher fica me cobrando.”

“Xi!!! Então vê se se ajeita, mas vai ficar difícil sem você nas coordenadas.”

“É. Mas, vou esperar acabar essa semana. Preciso ver quanto vamos lucrar. Os clientes estão ficando espertos e a concorrência não dá trégua.”

Enquanto tomavam café, Joana e Doca viram no noticiário que os assaltos na cidade reduziram-se em 23%. Ganharam a rua e assim que o ônibus se alinhou à calçada, entraram e tentaram se equilibrar no balanço agressivo da geringonça. Desceram bem no centro, rumaram para a Atlântica e encontraram-se com Tota.

Osvaldo coordenava o posto da avenida Afonso Pena. Andava atribulado com Marão, filho de Felicce, compatriota de Picollo Barnabieri, o dono da empresa. A atividade lá exigia terno discreto e cabelo comportado. Marão contrariou. Alegou o ridículo do traje e deu-se folga naquela sexta-feira.

Doca, Joana e Tota posicionados. Doca comunicava as características das vítimas a Tota. Joana – discreta e meiga – abordava outras na agência mesmo, surrupiando carteiras, cartões e senhas. Tota, na moto, percorria a rota dos indicados. Depois de um grande saque, foi dona Aurora chegar à porta de sua casa e um motoqueiro derrubou-a, levando a bolsa.

Ágeis na comunicação, lucravam alto. Em 2006, Picollo premiou os três com passagens para o Nordeste.

“Silas!”

“Diz aí, Osvaldo.”

“Silas, esse cara vai melar!”

“Peraí! Problemas no posto da XV de Novembro. Sexta lá é foda!”

Porra! Eu preciso resolver essa parada agora!”

Tá falando do Marão? Que que tá pegando?”

“Vou acabar com ele!”

“Calma! Seu Picollo te apaga. Pensa nos seus filhos!”

“O caralho! Foda-se! Tira ele da minha equipe!”

“Desloca você lá pra XV. O grupo de lá tá desfalcado, hoje.”

Na semana seguinte, as equipes reunidas. Picollo distribuiria prêmios. Marão queria função de destaque, mas não fora agraciado. Antes da fuga, entregou todos e a reunião foi barulhenta: sirenes, tiros, alto-falantes.

O delegado – cara rechonchuda e rosada de anjo barroco – detalhava, orgulhoso, o feito. O repórter, falando em “administração” “coordenação” e “planejamento”, mostrou onde e como funcionava a central.

Picollo extraditado, Silas, penitenciária estadual, Doca, presídio de segurança máxima e os outros espalhados em outras prisões.

O doce de coco veio para Silas, camuflando o celular. Na vasilha de rosquinhas entregue a Doca, um aparelho caramelado, funcionando com perfeição.

Doca!”

Silas?”

Como vai, meu velho?”

Indo... Algo em vista?”

Picollo fez contato. Em breve a gente volta.


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Iara Fernandes

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