sábado, 21 de janeiro de 2012

divirtam-se!

Acordei cedo e vi o papel em cima da mesa. Fiquei maluco, porém deixei para resolver a questão mais tarde. Havia uma reunião agendada para o primeiro horário na agência. Tratava-se de uma campanha publicitária para um suposto negócio da china, interessante para uns gringos. Caso desse certo, a expectativa era a de se dobrar as receitas. Pus uma camisa e uma calça jeans de qualquer jeito, já que estava atrasado, escovei os dentes e não deu tempo de fazer a barba. No trânsito, enquanto aguardava o farol, notei uma mancha de pasta de dente na camisa, mas com um pouco de saliva consegui tirar.

No meu modo de ver a reunião havia sido um sucesso, mas só dentro de uns dias iríamos receber a resposta se o negócio seria de fato fechado ou não. Cheguei pra casa ao meio da tarde e, lá estavam: Lito mordendo o lábio em frente à escrivaninha anotando qualquer coisa e, o Bobby, filho da puta, sentado ao sofá, que fica de costas pra porta de entrada, assistindo vídeo pornô na tevê e batendo punheta, na maior cara de pau, como se nada tivesse acontecido. Esses moleques são foda, só sabem fumar maconha e fazer isso da vida, e ainda se acham gente grande. Fui até ele sem que me percebesse e dei-lhe um cascudo exclamando que porra de merda era aquela. Ele se desconcertou todo, recompôs-se e, então, disse:

“é um filme pornô”

“não me refiro a isso, tonto. estou falando de outra coisa”, tirei do bolso da camisa o papel com o escrito e pus-lhe diante o rosto

“ah, a parábola da vaca. ainda bem que achou. fui eu que escrevi e...”

Ele merecia outro cascudo, e foi o que eu dei nele.

“não tem ‘e’, nem ‘b’, quero que me diga que porra é essa e o que o nome do Lito tá fazendo ao lado dessas palavras infames... que história é essa, afinal? E até onde isso aqui foi parar?”

Ele fez uma cara de quem se fodera. Fiquei com pena, devo ter pegado pesado com o garoto. Ensaiei iniciar uma conversa de maneira calma, pra saber o que de fato acontecia, porém então ele disse:

“bom, senhor P., o lance é que o Lito se envolveu numa baita enrascada, tá sabendo? Isso aí é um argumento, a fim de justificar uma determinada coisa que aí o Lito vai decidir se irá contar ao senhor ou não, agora que já sabe sobre a vaca”

O pior de tudo é que o filho da puta sabia falar. De qualquer maneira, continuava sem entender nada. Que raio de coisa era essa que havia acontecido e eu não sabia? Que porra de história era essa a da vaca?

Olhei então para o lado e o Lito estava maluco, aspirando fumaça de uma bituca que queimava dum cinzeiro, enrolando o cabelo com o dedo e segurando uma caneta que não escrevia nada, tudo isso ao mesmo tempo, concentrado com os ouvidos colados nas caixinhas de som, que emitiam uma espécie de rap moderno cheio de efeitos com sintetizadores, dando trancos com a cabeça conforme os beats, lembrando qualquer espécie de maluco fugido do hospício. Até que era maneiro, mas agora já era, ele estava pego!

“que história é essa, Lito?!”, exclamei em sua direção.

O bicho se assustou, deu um pulo da cadeira e nem precisei dar-lhe o cascudo, bateu com a cabeça na estante da impressora que voou longe e se espatifou no chão. Cacete! Não fazia nem um mês que havia comprado. Sem contar que ainda me restava mandar concertar o computador que o Bobby, retardado, fez o favor de queimar enquanto o usava em dia de chuva.

“Quê?”, foi o que ele disse

Deixei pra depois a bronca que iria dar pela impressora, e insisti:

“que história é essa?!”, levantando o papel

Recolheu o papel e se pôs a ler. Coçou a cabeça, passou a língua pelos lábios e depois mordeu. Esse é meu filho, pensei. Manteve-se pensativo enquanto lia. Andou de um lado a outro da sala. Resolvi que daria esse tempo. De repente parou e fez uma careta, como aquelas que fazem os investigadores. Foi até o cinzeiro onde havia o cigarro, mas não fumou nada, pois já estava apagado. Percebi seu espírito aflito. De repente, à medida que seus olhos transcorreram as últimas letras, uma mistura de felicidade e êxtase tomou conta do semblante dele. Então dobrou o papel e, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, apontou pro amigo, o Bobby, que voltava do banheiro, e disse:

“Esse moleque é doido! Esse moleque é doido, mas esse moleque é um gênio!”, deu um pulo, acho que de alegria, e saiu correndo pro quarto.

Eu já não entendia mais nada. Olhei pro garoto Bobby, que parecia um zumbi sentado ao sofá, e fiquei no aguardo de alguma informação. Ele não disse nada. Perguntei, então:

“será que dá pra você me explicar qual é o diabo?”

O desgraçado manteve-se calado. Eu não quero causar polêmica, não, mas alguém arriscaria me dizer o que de fato anda acontecendo com essa garotada? Desconfio que estejam ficando meio birutas. E foi aí que o Lito, filho de uma puta, saiu do quarto com aquele baita baseado na mão. É um filho da puta mesmo, pensei. Sempre dá um jeito de mudar o assunto quando lhe convém.

“Já chega!”, esbravejei, “hoje você tá pego, e isso aqui não é a casa da Maria Joana!”

Ele ficou com cara de paisagem frente a minha atitude.

“você estudou o quê esses últimos dias? O que sabe sobre a revolução da biotecnologia molecular? Já procurou conhecer seus genes hoje? Enquanto você tá aqui, eles tão te fodendo em algum lugar, subindo à suas custas, usando o seu crânio como degrau. Se não ficar esperto, tu vai pra roça. É isso o que você quer? Ir pra roça? Passar o resto dos seus dias miseráveis plantando alfaces? Comendo batatas? Deve ser isso mesmo o que você quer, só pode ser. Isso aqui é a América, filhão, um leão por dia!... Porra, tu só faz besteira! Vá pro teu quarto ou, se preferir ir pra rua, vá, pois só te quero ver de novo quando souber qualquer coisa sobre os seres híbridos!”, acrescentei.

Às vezes temos que situar a molecada, senão pensam que tudo é patuscada, e a vida não é feita somente disso. De qualquer maneira, eu o conheço. Não diria nada mesmo. Apenas fez o que eu pedi para ele fazer. Dirigiram-se até a porta.

“E se você pensa que ficou por isso mesmo o lance do filme no sofá, moleque, está enganado, ouviu?”, adverti o outro.

Vaquinha magra... vê se pode. Realmente estava sem tempo pra nada aquele dia. Depois revi minha atitude e, admito, fui duro demais. Fiquei com enorme peso por ter posto os garotos na rua. De qualquer maneira, a minha carreira estava pela frente. Descobriria, mais tarde, que o negócio com os gringos não teria dado certo.

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